Comissão de Ética da Presidência avalia arquivar caso Wajngarten sem investigação

Chefe da Secom recebe por meio de empresa da qual é sócio dinheiro de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo governo

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Brasília

Integrantes da Comissão de Ética Pública da Presidência avaliam a possibilidade de arquivar o caso envolvendo o chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), Fabio Wajngarten, sem investigação no colegiado. A decisão deve sair nesta terça-feira (18).

Como noticiou a Folha em 15 de janeiro, o secretário recebe, por meio de uma empresa da qual é sócio majoritário, a FW Comunicação, dinheiro de TVs e de agências de publicidade contratadas pelo próprio órgão que ele comanda, ministérios e estatais do governo Jair Bolsonaro.

Fabio Wajngarten, chefe da Secom, e Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio da Alvorada, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters - 19.nov.2019

Entre os contratantes da FW estão Record e Band, além da agência Artplan. As três passaram a ser contempladas com percentuais maiores da verba da Secom na gestão de Wajngarten, que começou em abril passado. O secretário nega a existência de conflito de interesses.

A legislação vigente proíbe integrantes da cúpula do governo de manter negócios com pessoas físicas ou jurídicas que possam ser afetadas por suas decisões.

A prática implica conflito de interesses e pode configurar ato de improbidade administrativa, se demonstrado benefício indevido. Entre as penalidades previstas está a demissão do agente público. 

Os precedentes da comissão, em casos como o do secretário, são de aplicar uma advertência e recomendar que o agente público deixe a sociedade.

Em ao menos um caso a proposta da comissão foi a de propor exoneração de servidor que ocultou seus negócios das autoridades.

Ao assumir o cargo, Wajngarten omitiu informações sobre as atividades e os contratos de sua empresa em declaração entregue à comissão.

Até a semana passada, em conversas reservadas, integrantes do colegiado aventavam a abertura de uma investigação ou a aplicação imediata de advertência.

No entanto, nesta segunda (17) ganhou força a ideia de arquivamento, sem apuração ou julgamento do mérito, sob a justificativa de que a Polícia Federal conduz investigações a respeito, de caráter criminal.

Após as revelações da Folha, a PF abriu inquérito para apurar o envolvimento de Wajngarten em supostas práticas de corrupção passiva, peculato (desvio de recurso por agente público) e advocacia administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública).

O voto sobre o caso será apresentado pelo relator, Gustavo do Vale Rocha, aos outros cinco integrantes do colegiado.

O julgamento pode ser interrompido caso algum integrante peça vista.

O colegiado prevê como punições a advertência pública, a censura ética ou, em casos mais graves, a recomendação ao presidente para que exonere o servidor público, cabendo a ele seguir ou não a sugestão.

A atribuição da comissão, criada em 1999, é apurar infrações éticas, e não criminais, ou seja, não haveria razão para esperar a conclusão da PF.

Ex-presidente da comissão, o advogado Mauro Menezes diz que um eventual arquivamento contraria a tradição do colegiado e seria um “erro grave”.

Segundo ele, o julgamento de eventuais falhas éticas, com base em elementos já apontados, independe de apuração da PF.

“Se isso ocorrer, a comissão estará abdicando de sua própria competência, dando um salvo-conduto [ao secretário]”, disse. “Se tem um caso em que estão presentes todos os elementos de conflito de interesse, é esse.”

Para Menezes, não há precedente na história do colegiado para uma solução dessa natureza.

Segundo ele, em ao menos dois casos, envolvendo citações aos ex-ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) na Lava Jato, a comissão optou por aguardar a conclusão de apurações criminais.

Naquelas situações, porém, o colegiado havia aberto procedimentos por causa das suspeitas contidas nas investigações em curso na PF e no MPF, que estavam em curso. Dependia, portanto, das conclusões dos dois órgãos para prosseguir com suas atividades.

No momento do arquivamento sobre os dois ministros, não havia falha ética constatada.

Para Menezes, o caso de Wajngarten é diferente. Ele diz que os elementos já de posse da comissão são suficientes para caracterizar irregularidade dessa natureza, com proposta de exoneração do secretário.

Um dos motivos para recomendar a demissão, segundo ele, é que Wajngarten omitiu informações sobre seus negócios ao colegiado. Além disso, liberou recursos para clientes da FW, o que configuraria benefício indireto à sua empresa.

A lei que busca prevenir o choque entre os interesses público e privado na administração federal veda ao servidor de qualquer escalão exercer atividade que implique “a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão dele ou de colegiado do qual participe”.

Ela também proíbe o agente público de “praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão”.

O secretário nega haver conflito de interesses. Em sua defesa ao colegiado, ele propôs transferir suas cotas para a própria mulher, Sophie Wajngarten, que tem participações em empresas do setor de publicidade.

Outros casos

Em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o então diretor de Gestão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Elano Figueiredo, pediu demissão após a Comissão de Ética Pública recomendar sua exoneração por conflito de interesses.

Figueiredo foi acusado de esconder que, antes de assumir o cargo, tinha trabalhado para uma operadora de planos de saúde, mesmo setor que o órgão fiscaliza.

No ano seguinte, o então ministro da Saúde de Dilma, Arthur Chioro, esteve na mira da comissão por ser dono de uma empresa de consultoria na área de saúde, a Consaúde.

Inicialmente, ele havia passado suas cotas para o nome da esposa, mas a comissão só arquivou uma denúncia contra o ministro após ele comprovar que a empresa foi desativada.

O colegiado recomendou a Chioro "observar, em especial, que, na eventualidade da retomada das atividades da empresa Consaúde, evite a configuração de conflito de interesse tal como previsto" na lei.

A Comissão de Ética Pública da Presidência

O que é
Colegiado que funciona como instância consultiva do presidente da República e dos ministros em matéria de ética pública. Entre outras atividades, fiscaliza a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal e investiga práticas em desacordo com as normas nele previstas.

O que deve ser discutido 
A comissão avaliará se abre investigação sobre o fato de o chefe da Secom, Fabio Wajngarten, ser sócio majoritário de uma empresa que recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade contratadas pela própria secretaria, ministérios e estatais do governo Bolsonaro. A comissão, no entanto, pode decidir já se recomenda alguma providência a respeito ou se arquiva o caso.

Composição
São sete integrantes designados pelo presidente da República, mas uma cadeira está vaga. Cada um tem mandato de três anos, podendo haver recondução ao cargo. Os membros do colegiado não recebem remuneração

Quem são: 

  • Paulo Henrique dos  Santos Lucon - Atual presidente da comissão, foi nomeado em março de 2018, no governo Michel Temer. É advogado e professor de direito civil
  • Erick Biill Vidigal - Nomeado em maio de 2018. É chefe de gabinete em exercício da Secretaria-Geral do Ministério Público da União 
  • André Ramos Tavares - Nomeado em outubro de 2018. É professor de direito da USP 
  • Ruy Martins Altenfelder da Silva - Nomeado em outubro de 2018. Advogado, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Cristã de Letras
  • Gustavo do Vale Rocha - Nomeado em novembro de 2018. Advogado, é secretário de Justiça e Cidadania do Distrito Federal e ex-ministro de Estado dos Direitos Humanos
  • Milton Ribeiro - Nomeado em maio de 2019, no governo Bolsonaro. É doutor em educação pela USP e mestre em direito constitucional pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
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