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Karina Kufa e Pedro Suave

Ao matarmos o tempo buscamos a fuga, ignorando as lições de Fernando Pessoa

Crise do coronavírus, como as tragédias em geral, levará ao amadurecimento da coletividade

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Karina Kufa Pedro Suave

A comunidade internacional atual, aqui compreendida como o gênero humano em abstrato, não vivenciou situação similar em escala global como vem caminhando o coronavírus.

Ou por outra, os nascidos pós-Segunda Guerra, em especial a geração da segunda metade do século 20, não sabem o que é isolamento, quarentena ou solidão social.

O que ocorreu nesse hiato foram fenômenos geograficamente restritos, a exemplo da gripe asiática (1957, aproximadamente 2 milhões de mortos) ou da gripe suína (2009, aproximadamente 300 mil mortos) os quais não impuseram as limitações que vêm sendo adotadas ao combate da Covid-19.

A humanidade das cinco primeiras décadas do século passado enfrentou a gripe espanhola, mãe de todas as pandemias, contabilizando entre 50 e 100 milhões de mortes no mundo, ocorrida no entreguerras.

Temos aqui três fenômenos que levaram aquelas pessoas, as sobreviventes, a algo inimaginável por nós, contemporâneos. A experiência de mundo daquelas gerações os modificou, de uma maneira que o coronavírus irá nos marcar, também.

Necessário refletir que tragédias geram alterações no comportamento das pessoas. Leva-se, inevitavelmente, ao amadurecimento da coletividade.

Nosso espírito, enquanto humanidade mimada, imediatista, millennial, comedora de abacate, adepta ao mindfulness, digital, instagrammer, será forçado a conviver com aquele que vem sendo ignorado: o próprio indivíduo. Isolamento social impõe solidão, inexistente na sociedade.

Foge-se da solidão em troca do excesso: falamos demais, conectamo-nos demais, somos rápidos demais e perdemos, aqui, a conexão com a realidade. O estupro, o feminicídio, a pobreza corre na timeline ao lado do tutorial de maquiagem, do vídeo satisfying, das amenidades que recorremos para matar o tempo. Ao matarmos o tempo buscamos a fuga, o caminho mais fácil, mais confortável e rápido, ignorando as lições de Fernando Pessoa, quando escreve "Navegar é Preciso":

"Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: / 'Navegar é preciso; viver não é preciso.' / Quero para mim o espírito desta frase, transformada / […] / Só quero torná-la grande [minha vida], ainda que para isso / Tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. / Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso / Tenha de a perder como minha. / Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho / Na essência anímica do meu sangue o propósito / Impessoal de engrandecer a pátria e contribuir / Para a evolução da humanidade".

Nos tornamos nulos. Como aqueles que sofrem de algum transtorno psicológico e possuem estereotipias motoras —movimentos intencionais repetitivos, sem finalidade, frequentemente ritmados, como forma de matar o tédio—, estamos diante dos celulares, dos aplicativos, realizando movimentos repetitivos, como aquele que balança o corpo de um lado para o outro, emocionalmente anestesiado.

Em resumo: será o coronavírus capaz de nos retirar dessa inércia, de recuperar a criatividade humana, para além de memes e gifs, de nos motivar a buscar um objetivo maior capaz de tornar “o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo”?


Karina Kufa é sócia fundadora do escritório Kufa Advocacia, advogada de Jair Bolsonaro e tesoureira da Aliança pelo Brasil

Pedro Suave é integrante do escritório Kufa Advocacia

Karina Kufa

Especialista em direito administrativo e eleitoral, é presidente da Comissão de Compliance Eleitoral e Partidário do Conselho Federal da OAB e sócia da Kufa Advocacia

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