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Uso de videoconferência abre discussão sobre limites e vantagens da ferramenta na Justiça

Juízes estaduais que usaram sistema na primeira instância veem pontos positivos, enquanto no Judiciário trabalhista o uso foi revogado ante a oposição dos advogados

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São Paulo

O uso de videoconferência nas audiências de julgamento na primeira instância na Justiça estadual e na Justiça do Trabalho de São Paulo levantou discussão no meio jurídico sobre os limites práticos, legais e técnicos da implantação de processos 100% online no Judiciário.

A medida adotada pelos dois ramos do Judiciário em abril colocou em xeque a cultura de que, no primeiro grau do sistema judicial, o contato presencial dos juízes com as partes, testemunhas e advogados é indispensável para que os julgadores possam formular seu entendimento sobre quem fala a verdade e, assim, decidir as causas.

No Judiciário comum estadual, o Tribunal de Justiça de São Paulo permitiu o uso da videoconferência nas audiências desde que haja o consentimento das partes do processo. Juízes que usaram a ferramenta dizem ter obtido resultados positivos com a agilização dos processos sem ferir princípios do direito de defesa.

Já no âmbito da Justiça Trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), o maior do gênero do país, permitiu que audiências com coleta de provas fossem realizadas por meio de videoconferência. Mas, diante da pressão da advocacia, o tribunal recuou e suspendeu a permissão.

Em nova resolução publicada no último dia 27, o tribunal determinou que apenas outras audiências, como as de conciliação, em que não há produção de provas, possam ser realizadas virtualmente. As audiências de instrução, em que ocorre a colheita de provas, estão suspensas.

Já o TRT15, que abrange cidades do interior de São Paulo, determinou em medida no final de abril que audiências de instrução nesse formato poderão ser realizadas a partir de 25 de maio. A decisão fica a critério do juiz e não das partes do processo.

Para entidades da classe dos advogados ouvidas pela Folha, entre os problemas da medida estaria o risco de testemunhas serem manipuladas ou coagidas em seus depoimentos. Elas questionam também a viabilidade de se garantir que uma testemunha não ouça às demais.

Para a seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a única solução seria determinar que os depoimentos das testemunhas fossem feitos em ambiente judicial, o que geraria então deslocamentos delas e dos servidores, e consequentemente, riscos à saúde dos envolvidos.

Na Justiça estadual, porém, o uso da ferramenta tecnológica está avançando. A direção do TJ-SP relatou que ainda não fez um levantamento sobre o número de juízes que está utilizando o recurso, mas avalia a experiência como “bastante positiva”.

O juiz da 2ª Vara Criminal de Ribeirão Preto Sylvio Ribeiro é dos magistrados que adotou o sistema de videoconferência, o Microsoft Teams, para julgamentos.

Para garantir a incomunicabilidade entre as testemunhas, o juiz afirma que fica atento ao ambiente em que os depoentes estão.

“Normalmente o maior problema é em relação a policiais, pois eles se conhecem. Então alertamos: “você não pode estar perto do seu colega”. Depois dessa explicação, na prática, verificamos pelo fundo da tela se um está no quartel da Polícia Militar e o outro na casa dele, por exemplo”, diz Ribeiro.

Segundo o magistrado, das 22 audiências por videoconferência que agendou, cinco acabaram não se realizando. Uma por uma limitação técnica da penitenciária onde o preso estava.

Em outro caso de insucesso, o acusado se recusou a sair da cela pois pensou que não conseguiria falar com seu advogado antes do julgamento. Também houve um cancelamento em razão de o réu em liberdade ter ido a um sítio onde não havia sinal de internet no dia da audiência.

Ribeiro diz que a experiência mostrou que a ferramenta poderá continuar sendo usada mesmo após a crise da Covid-19 nas hipóteses em que testemunhas e réus devem ser ouvidos fora da cidade onde o processo está em curso.

Em um período de normalidade, a coleta dos testemunhos das pessoas que estão fora da cidade onde está a ação penal é feita por um instrumento processual que na linguagem jurídica recebe o nome de carta precatória.

Por meio desse procedimento, um juiz manda ao magistrado da outra cidade uma lista das perguntas a serem feitas aos réus e testemunhas, que então são chamadas a prestar depoimento ao juiz da cidade onde moram.

Após a obtenção dos depoimentos, o juiz manda as respostas ao colega que preside o processo.
Ribeiro diz que o uso da videoconferência em vez da carta precatória é uma das medidas que pode permanecer nos sistema judicial após a pandemia.

“Quando conseguimos contatar as pessoas nos outros municípios, às vezes conseguimos terminar o processo no mesmo dia da audiência”, diz.

Outra vantagem é que pela videoconferência o próprio juiz titular da causa ouve o depoente e pode aprofundar alguns temas de acordo com o teor das respostas, segundo o magistrado.

O defensor público Genival Dantas Júnior atuou em favor de réus julgados por Ribeiro em sessões de videoconferência e diz que nesses casos não houve prejuízo ao direito de defesa. “O meu temor inicial era de não ter contato reservado com o réu. Mas os escrevente da vara cria uma sala própria para conversar com o réu, o que garante a privacidade.”

O advogado João Sérgio Bonfiglioli Júnior também já participou de um julgamento na vara de Ribeirão Preto que utiliza a ferramenta tecnológica e indica uma vantagem na sua utilização. “Muitas testemunhas, principalmente em cidades pequenas, se sentem constrangidas em ter que ir ao fórum. Pelas videoconferências muitos podem se sentir mais à vontade para falar o que sabem.”

Na área da infância e juventude da Justiça estadual também já há experiências no uso da videoconferência.

O juiz Paulo Roberto Fadigas da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Penha de França em São Paulo considera positivo o uso da tecnologia, mas diz que, entretanto, três fatores devem ser levados em conta na hora de optar por sua adoção: a urgência do caso, o número de pessoas envolvidas e a garantia de sigilo.

Desde o início da crise da Covid-19, Fadigas relata a ocorrência de 44 casos de crianças que deixaram abrigos e foram adotadas ou acolhidas pelos próprios pais ou por outros membros da família. Em todo o ano de 2019 foram 51 casos.

Além da aceleração dos processos de adoção, muitas dessas crianças puderam voltar para a própria família. “Famílias ficaram mais sensíveis. Aumentou a intensidade das relações familiares, nunca trabalhei tanto na minha vida”, afirmou o juiz.

Houve casos também em que outros familiares, como tios e tias, que antes diziam não ter condições de ficar com a criança, agora acolheram.

Na audiência de infância e juventude, são ouvidos além dos familiares que querem a guarda da criança e as testemunhas, psicólogos, assistente social, promotor e defensor público que acompanham o caso.

Para evitar que uma testemunha ouça a outra, Fadigas diz ter limitado ao número de apenas uma testemunha por processo que, em geral, depõe do escritório do advogado.

Ele afirma que deixa a critério das famílias aceitar que a audiência seja realizada remotamente, se elas não aceitam, a audiência não acontece. “Tento reproduzir no virtual o que acontece no presencial”, diz o magistrado.

PASSO A PASSO DAS VIDEOCONFERÊNCIAS EM SP

  1. O cartório da vara da Justiça faz contato com o advogado do réu e o promotor para saber se eles concordam com o julgamento por videoconferência
  2. Após o consentimento das partes, as testemunhas são contatadas para que verificar se há possibilidade técnica de ouvi-las por meio de smartphone ou computador
  3. Se o réu está preso, é preciso entrar em contato com a penitenciária para saber se é possível fazer a conexão para que ele seja ouvido do presídio
  4. O juiz coloca à disposição do réu e do advogado uma sala de reunião virtual para que eles possam conversar reservadamente antes do julgamento para definir a estratégia de defesa
  5. No dia do julgamento, um escrevente da vara manda uma mensagem por Whatsapp ou outro meio para o smartphone ou computador daqueles que vão participar da audiência
  6. Ao aceitarem o convite do sistema, os participantes são colocados em modo de espera
  7. O juiz vai autorizado o acesso à sala de reunião virtual do julgamento conforme a ordem prevista na lei. Primeiro são ouvidas as testemunhas de acusação, depois as da defesa, e daí por diante
  8. Ao final da audiência, o juiz já pode dar a sentença. Se isso ocorrer e o réu for condenado, o magistrado pode abrir uma outra sala virtual para que o réu e seu advogado conversem para decidir se vão recorrer

A SITUAÇÃO DAS VIDEOCONFERÊNCIAS NA JUSTIÇA TRABALHISTA

Qual foi a decisão do TRT2?
O tribunal trabalhista decidiu adotar as audiências de instrução virtuais na primeira instância, das quais participam não só juízes e advogados, mas também as testemunhas, o autor da ação e a aquele que está sendo processado, para a coleta de provas.

Porém, ante a oposição de entidades de classe da advocacia, no dia 27 de abril o tribunal determinou que apenas outras audiências, como as de conciliação, em que não há produção de provas, possam ser realizadas virtualmente.

Qual foi a decisão do TRT15?
O TRT15, que abrange cidades do interior de São Paulo, determinou em medida do dia 28 de abril que audiências de instrução poderão ser realizadas a partir de 25 de maio. A decisão fica a critério do juiz e não das partes do processo.

Por que a advocacia não aprovou a decisão?
Apesar de ver com bons olhos a continuidade do andamento dos processos, foram identificados problemas quanto à garantia do direito de ampla defesa e da viabilidade técnica em realizar audiências com tantos atores distintos e que não têm as mesmas condições financeiras e de infraestrutura.

Por que a decisão poderia ferir o direito de ampla defesa?
Medidas que possam restringir a participação das partes e dos advogados durante o ato processual violam o direito à ampla defesa. Não está claro, por exemplo, o que aconteceria no caso de queda ou impossibilidade de conexão por uma das partes e se os advogados conseguiriam intervir a qualquer momento da audiência.

Quais riscos de interferências nos depoimentos de testemunhas?
Um dos riscos apontados é que as testemunhas tenham seus depoimentos conduzidos ou manipulados. Outro ponto é como impedir que uma testemunha ouça as demais

Isso poderia gerar anulação de atos processuais?
Os processos feitos com audiências de instrução telepresenciais poderiam ser anulados por diferentes motivos, caso, por exemplo, um dos envolvidos entendesse que teve seu direito de ampla defesa prejudicado ou caso uma testemunha pudesse ouvir as demais antes de fazer seu depoimento.

Há alguma regulamentação do CNJ a respeito?A Resolução 105/2010 do CNJ dispõe sobre as regras de documentação dos depoimentos por meio do sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência.

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