Alvos da Lava Jato, donos da Avianca guardaram império empresarial em ilhota no Pacífico

Niue, de apenas 2.000 habitantes, foi escolhida para abrigar entidade controladora de conglomerado

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São Paulo

A permanência da sede do grupo empresarial ligado à companhia aérea Avianca em uma remota ilha de 2.000 habitantes no oceano Pacífico foi um dos motivos para a ordem de prisão preventiva dos irmãos Germán e José Efromovich na Operação Lava Jato, cumprida na última quarta-feira (19).

Segundo os procuradores da operação, os dois possuem uma "sofisticada e fraudulenta estrutura financeira internacional" para promover reiteradas fraudes contra credores e crimes de corrupção.

Os irmãos sócios da companhia aérea foram presos na 72ª fase da operação, sob suspeita de pagar propina para o ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras para o transporte de combustíveis) Sérgio Machado, que também é ex-senador. Eles negam essas acusações.

A origem dessa etapa da Lava Jato está em contrato firmado pelo estaleiro Eisa, de Germán, com a estatal para a construção de quatro navios.

A posse de uma rede de empresas e contas no exterior foi mencionada em despacho da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, como um fator que amplia a possibilidade de fuga ou "abrigo em outros países".

Informações que constam no pedido de prisão mencionam como controlador do grupo empresarial o Synergy Trust, de sede em Niue, um paraíso fiscal na Oceania, a 2.500 km da Nova Zelândia.

A localidade é uma ilha associada ao Estado neozelandês, de área territorial menor do que a de Ilhabela (SP). Embora autônoma, a ilha deixa à Nova Zelândia a responsabilidade sobre defesa e representação exterior, e seus habitantes também têm a nacionalidade neozelandesa. É tão isolada que só recebe dois voos semanais.

Em 2011, a divisão internacional da Avianca informou à SEC, agência americana que regulamenta o mercado de valores mobiliários, que Germán Efromovich detinha quase 100% dos direitos da Avianca Brasil e era beneficiário do trust Synergy, que por sua vez controlava o Synergy Group, que reúne suas empresas.

A Avianca Brasil, que teve a falência decretada no mês passado, funcionava de maneira autônoma à Avianca internacional, que hoje está em recuperação judicial nos Estados Unidos.

"A constituição de trust em país insular, de difícil acesso e comunicação, revela clara tática de blindagem e ocultação patrimonial empregada pelos irmãos Efromovich, a permitir não apenas a fraude contra credores mas também a prática sistemática de crimes de lavagem, com reduzido risco de responsabilização pessoal", escreveram os procuradores no pedido de prisão.

O trust é uma entidade jurídica constituída com a finalidade de administrar patrimônio. A equipe de investigação ressaltou que, com esse modelo, credores não podem usar bens designados no trust para a cobrança de dívidas pessoais, "sendo que a única maneira de o patrimônio ser afetado por dívida é se o credor for também beneficiário do trust".

A juíza Hardt, que expediu a ordem de prisão, afirmou que causa preocupação a expertise dos investigados no "controle de grande estrutura empresarial, de confusão patrimonial e de técnicas de lavagem e ocultação de valores".

Parte das informações apontadas pelos procuradores tem origem em levantamento privado contratado pela Transpetro junto à empresa Localize para identificar ativos que possam ser usados para ressarcir dívidas com a estatal.

A equipe da Lava Jato sustenta que três das empresas controladas pelo trust na Oceania foram usadas para pagar propina a Sérgio Machado, hoje delator.

A ordem de prisão fala na suspeita de que dois negócios envolvendo os Efromovich e filhos de Sérgio Machado foram simulados para justificar repasse de propina: um acordo de investimento em uma empresa com ativos no Equador e um empréstimo também fora do Brasil.

A investigação afirma que foram pagos o equivalente a R$ 28 milhões em uma conta na Suíça controlada por um filho do ex-senador de 2009 a 2013, e mais US$ 4 milhões (R$ 22 milhões) por meio da devolução do empréstimo, entre 2013 e 2014.

Por causa da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, os Efromovich estão detidos em casa. Eles também foram alvos de bloqueio judicial no valor de R$ 651 milhões —quantia calculada pelos investigadores para compensar supostos prejuízos sofridos pela Transpetro.

O empresário Germán Efromovich, em Bogotá, em fevereiro
O empresário Germán Efromovich, em Bogotá, em fevereiro - Daniel Muñoz - 5.fev.20/AFP

Outro lado

Em entrevista à Folha no último sábado (22), Germán Efromovich disse que os negócios com os filhos de Machado eram lícitos e não representaram uma simulação. Afirma estar sofrendo uma injustiça e que os relatos do ex-senador contradizem a narrativa do Ministério Público.

Sobre a sede das empresas na ilha na Oceania, disse que essa estrutura não existe mais, mas que não há nada de errado com a existência dela.

"Hoje não existe nada que seja longe ou perto. Todas as transações são eletrônicas. Tudo é transparente e aberto hoje em dia. A gente faz as coisas onde mais convém."

Ele afirma ainda que para cada situação de negócio era criada uma empresa, fora do país, "por exigência dos órgãos financeiros".

"Desde que eu seja transparente, posso fazer a estrutura que eu quiser onde mais me convir. Não tem direito uma pessoa séria de dizer que, porque a empresa está na Cochinchina, isso é uma fraude. Isso é irresponsabilidade e maldade."

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