Proposta de norma para acordo de leniência exclui Ministério Público e preocupa procuradores

Acordo costurado por Toffoli entre governo, PGR e TCU amplia protagonismo do Executivo em negociações com empresas envolvidas em irregularidades

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Brasília

Autoridades do governo Jair Bolsonaro, da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do TCU (Tribunal de Contas da União) anunciaram nesta quarta-feira (5) a assinatura de um termo de cooperação técnica com novas normas para a condução de acordos de leniência com empresas envolvidas em ilegalidades.

A negociação entre os órgãos foi feita por iniciativa e sob a coordenação do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli.

O propósito alegado pelas partes é o de facilitar a troca de informações entre instâncias diversas de investigação e evitar conflitos de competência, que se tornaram comuns nos últimos anos.

Setores do MPF (Ministério Público Federal) afirmam, no entanto, que o modelo de cooperação proposto exclui o órgão da negociação dos acordos e dá protagonismo excessivo ao Executivo, que nem sempre tem a independência necessária para manter as tratativas com empresas investigadas.

A leniência é uma espécie de delação premiada para pessoas jurídicas. Em troca de continuar celebrando contratos com o poder público, as companhias flagradas em esquemas de desvio e corrupção confessam ilícitos, pagam multas e se comprometem a ressarcir o erário por prejuízos.

Em muitos casos, como na Lava Jato, as companhias que propuseram os acordos pagaram propinas a autoridades do próprio governo que os negociaram.

Atualmente, a legislação autoriza tanto o Executivo quanto o MPF a firmar acordos de leniência com empresas.

A minuta do termo de cooperação a ser assinado, divulgada nesta quarta-feira pelo TCU, diz que, “para incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a CGU (Controladoria-Geral da União) e a AGU (Advocacia-Geral da União) conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência”.

O texto não cita o MPF, o que tem gerado críticas no órgão e o temor de que se criem empecilhos à atuação de procuradores da República.

Integrantes da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, que trata de temas relacionados ao combate à corrupção, pediram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que não assine o termo de cooperação e, antes, analise sugestões que pretendem fazer à minuta.

Na sessão de julgamento desta quarta, o TCU chegou a anunciar que a assinatura por todos os envolvidos seria realizada às 11h30 desta quinta-feira (6). O advogado-geral da União, José Levi, discursou por meio de videoconferência, tecendo elogios ao pacto.

Durante a tarde, Aras ouviu reclamações de colegas sobre a minuta. Depois disso, em nota, a PGR informou ter interesse na atuação conjunta com os demais órgãos. Mas avisou que o procurador-geral “está na dependência da nota técnica que será elaborada” pela 5ª Câmara para tomar alguma decisão a respeito.

Até a noite desta quarta, o evento de assinatura anunciado para esta quinta-feira não estava confirmado.

“A minuta proposta prioriza a atuação do Executivo e deixa o MPF numa posição muito secundária. O protagonismo fica com CGU e AGU", critica a subprocuradora-geral da República Samantha Chantal Dobrowolski, integrante de uma comissão que assessora a 5ª Câmara em assuntos de leniência.

Ela diz que a negociação da leniência sem que o MPF "tenha possibilidade de participar ativamente pode comprometer o resultado" da atuação do órgão nos campos criminal e de improbidade.

Os acordos são um meio importante de produção de provas para processos.

No entendimento da subprocuradora, o termo a ser assinado não é uma lei e, portanto, não tem efeito cogente [de cumprimento obrigatório] pelos procuradores da República, que têm independência funcional.

Porém, pode dar margem a arguições de nulidade e à busca de invalidação tanto dos acordos do MPF quanto dos feitos pelo Executivo. "A insegurança continuaria a existir, até agravada pelo contexto de falta de cooperação na prática."

A minuta também enfrenta resistências na ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).

O presidente da entidade, Fábio George Cruz, disse nas redes sociais que o acordo de leniência é importantíssimo instrumento de investigação de ilícitos praticados contra a administração pública e, portanto, ”deve ser fortalecido com a adoção de fórmula que propicie segurança jurídica à empresa colaboradora”.

“A proposta prioriza, entretanto, a atuação de órgãos de governo e do controle interno, como a CGU e a AGU, nesses acordos, não reconhecendo o papel de preponderância que a Constituição e a lei conferem ao controle externo, especialmente ao Ministério Público, que, além de ser uma instituição independente dos governos, é a única com titularidade para propor ações penais decorrentes dos mesmos fatos apurados e também concentra, embora sem possuir titularidade exclusiva, mais de 90% das iniciativas nas ações de improbidade propostas. Em suma, não atende ao interesse público”, afirmou Cruz.

Integrantes do MPF ouvidos reservadamente pela Folha manifestaram estranhamento com a atuação de Toffoli na busca de um pacto entre os órgãos. Justificaram que o presidente do STF não exerce a função de tutor das instituições envolvidas.

O presidente do TCU, José Mucio Monteiro, um dos defensores do termo, alega que falta uma interação efetiva entre as diversas entidades envolvidas nos acordos, o que favoreceria a troca de informações e a “consideração de todos os aspectos envolvidos ao longo do processo” de negociação.

“Essa situação indesejável levou o presidente do Supremo, Dias Tofolli, a convidar as instituições federais envolvidas a buscarem estabelecer, respeitadas as respectivas competências, uma nova forma de atuação que favorecesse o compartilhamento mútuo de informações e a definição do valor final do dano ao erário, de modo a considerá-lo no cronograma de pagamentos pactuado no acordo de leniência. Tal medida irá facilitar o ressarcimento efetivo dos valores apurados pelo TCU”, disse Monteiro.

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