Delator e distribuição de verbas envolvem linha sucessória do RJ na investigação de Witzel

PGR não aponta provas de corrupção atribuída ao governador interino e ao presidente da Alerj, alvos de busca da PF

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Rio de Janeiro

Os mandados de busca e apreensão expedidos contra o governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), e o presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT), foram pedidos com base em depoimentos do ex-secretário Edmar Santos, que se tornou delator, e nos critérios de distribuição de verba estadual da saúde para municípios do interior.

O pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) não aponta prova de corroboração de atos de corrupção dos dois, ambos na linha sucessória do governador afastado Wilson Witzel (PSC).

Com base na delação de Edmar, a PGR afirma haver suspeitas de que Castro e Ceciliano organizaram um esquema criminoso para direcionar recursos da saúde a determinados municípios para garantir apoio de deputados estaduais ao governo.

Além de dividendos políticos aos investigados, a PGR suspeita de desvio de dinheiro público nas prefeituras em favor desses membros da Assembleia.

O governador interino, Cláudio Castro, em reunião com o secretariado nesta segunda-feira (31)
O governador interino, Cláudio Castro, em reunião com o secretariado nesta segunda-feira (31) - Rafael Campos/Divulgação Governo RJ

O ex-secretário, contudo, não relata encontros diretos com Castro, apenas com Ceciliano. Também não há informações sobre movimentações financeiras suspeitas dos dois.

Investigadores ouvidos pela Folha afirmam que a ação de busca e apreensão tem como objetivo coletar mais provas que possam eventualmente corroborar as declarações de Edmar. Os dois ainda são investigados, e não acusados pelos crimes.

Castro e Ceciliano foram alvos na sexta-feira (28) na Operação Tris In Idem, autorizada pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no mesmo dia em que Witzel foi afastado.

Se Castro também for afastado, Ceciliano ocuparia o posto de governador. Caso ele também fosse impedido, tomaria posse o presidente do Tribunal de Justiça do estado, o desembargador Claudio de Mello Tavares.

Caso o afastamento definitivo de Witzel e de Castro ocorra a partir de 2021, o novo chefe do Executivo seria escolhido pela Assembleia em uma eleição indireta.

O vice-governador assumiu o Palácio Guanabara na última semana fragilizado politicamente em razão das busca realizadas. Sua gestão interina é vista, por essa razão, como dependente da relação com a família do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), interessada em interferir em atos do governador como a nomeação do procurador-geral de Justiça no fim do ano.

De acordo com a Procuradoria, a Alerj doou cerca de R$ 100 milhões de seu orçamento do ano passado para a Secretaria de Saúde para repassá-los a prefeituras de aliados dos deputados envolvidos no suposto esquema.

A PGR não transcreve, como fez em outros trechos, o depoimento de Edmar que implica Castro e Ceciliano. Afirma apenas que a colaboração do ex-secretário “confirma o protagonismo do atual presidente do Poder Legislativo fluminense, o qual, em conjunto com o atual governador do estado, Wilson Witzel, e do vice-governador Cláudio Castro, organizou esquema criminoso”.

Em depoimentos obtidos pela Folha, Edmar relata ter sofrido intensa pressão de Ceciliano para beneficiar municípios de aliados. Descreveu também o deputado Rodrigo Bacellar (Solidariedade) como o principal articulador do suposto esquema.

O ex-secretário disse à Procuradoria que foi Bacellar quem contou a ele que o repasse às prefeituras renderia propina aos envolvidos. A divisão dos recursos ilícitos foi discutida, segundo o delator, no gabinete do secretário da Casa Civil, André Moura.

O nome de Castro aparece, de acordo com Edmar, numa reunião para tratar de uma divergência sobre repasses de valores entre Ceciliano e Moura.

“Nesta conversa Ceciliano manifesta descontentamento com André Moura e com Cláudio Castro, deixando claro que os dois participavam do esquema ilícito, chegando a propor que deixaria de fazer pagamentos aos dois e que o colaborador se tornaria o único beneficiário de valores ilícitos envolvidos”, indica a transcrição do depoimento.

A principal prova de corroboração apontada pelos procuradores são transferências elevadas feitas pela Secretaria de Saúde a cidades do interior administradas por aliados dos deputados investigados.

Destacam ainda o fato de a Prefeitura de Campos dos Goytacazes, base de Bacellar beneficiada com os recursos oriundos da Alerj, ter contratado a organização social Nova Esperança, vinculada ao pastor Everaldo, presidente do PSC preso também na sexta. A entidade é formalmente administrada por uma laranja, segundo a investigação.

“Essa descoberta reforça o entrelaçamento entre os diversos núcleos da organização criminosa, notadamente o núcleo político, no seu braço dentro da Alerj, e o núcleo econômico”, diz a Procuradoria.

A única ação do governador interino descrita na peça é sua participação como membro da comissão de acompanhamento dos hospitais de campanha, colegiado criado após a exoneração de Edmar. Há suspeitas de fraude na contratação da organização social Iabas para montagem e gestão das unidades de saúde emergenciais.

Em outro anexo de sua delação, Edmar diz ter ouvido do pastor Everaldo que o governador interino estava preocupado com o avanço das investigações porque ele havia indicado uma das empresas fornecedoras de respiradores adquiridos para o combate à pandemia do novo coronavírus.

Ceciliano também é suspeito de coordenar um esquema de indicação de deputados para vagas de trabalho em organizações sociais contratadas pelo estado. A PGR afirma se tratar de mais um meio ilícito para a obtenção de apoio na Assembleia.

O loteamento de vagas já havia sido indicado na Operação Favorito, que mirou o empresário Mário Peixoto, acusado de também ser um dos coordenadores do esquema de corrupção no estado. Interceptação telefônica autorizada pela Justiça apontou homens ligados ao empresário discutindo a contratação de pessoas indicadas por deputados.

Em nota, o governador interino disse que nunca tratou de distribuição de verbas com o presidente da Alerj.

“A denúncia do ex-secretário não tem base na realidade e pretende criminalizar a relação institucional entre os entes federativos”, disse Castro, em nota.

Ceciliano disse que a delação do ex-secretário “carece de provas que, minimamente, justifiquem a gravidade de uma acusação dessa natureza”.

“Os recursos repassados ao Estado foram para beneficiar todos os municípios do estado, sem exceção, para que pudessem criar unidades de referência e de triagem de pacientes com suspeita da Covid-19, ampliar equipes do programa Saúde da Família com contratação de médicos enfermeiros e qualificação das equipes”, declarou o presidente da Assembleia.

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