Descrição de chapéu Folhajus Lava Jato

Sob pressão, Deltan Dallagnol deixará comando da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba

Força-tarefa cita questões de saúde familiar para saída do procurador, que enfrentava desgaste com PGR

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Curitiba

O procurador Deltan Dallagnol anunciou nesta terça-feira (1º) sua saída da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná. Ele continuará atuando no Ministério Público Federal, mas em outros casos.

Em vídeo, o procurador afirmou que o desligamento se deve a um problema de saúde de sua filha de um ano.

Deltan, no entanto, enfrentava um processo de desgaste no cargo e se tornou alvo de ações internas no órgão, além de estar envolvido em um embate com o procurador-geral da República, Augusto Aras.

“Depois de anos de dedicação intensa à Lava Jato, eu acredito que agora é hora de me dedicar de modo especial à minha família [...]. Essa é uma decisão difícil, mas estou muito seguro de que é a decisão certa e a que eu quero tomar como pai”, declarou Deltan.

Segundo o procurador, sua filha apresentou atrasos no desenvolvimento e, por recomendação médica, mesmo antes do diagnóstico final, deve iniciar um tratamento com terapias e medicamentos, o que exige acompanhamento dos pais.

O procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira vai assumir as funções de Deltan à frente da Lava Jato. Oliveira já atua na operação, no grupo mantido na PGR (Procuradoria-Geral da República) em Brasília.

Deltan teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil, alguns deles analisados em conjunto com a Folha.

Além de ver contestada sua relação com o então juiz Sergio Moro, também enfrentou questionamentos devido ao plano de negócios de eventos e palestras que montou para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.

Nos últimos meses, Deltan enfrentou o avanço de ações contra ele no Ministério Público e se envolveu em conflito com Aras sobre o sigilo dos dados sob investigação na força-tarefa em Curitiba. Ele aguardava processos que poderiam afastá-lo da Lava Jato.

Nesta terça, sem citar nomes, Deltan pediu em vídeo que a sociedade continue apoiando a Lava Jato diante da fase decisiva envolvendo os trabalhos do grupo.

“A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e que serão tomadas em Brasília, afetarão os seus trabalhos”, disse.

Criada em 2014, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná já teve a estrutura prorrogada por sete vezes e aguarda nova autorização de Augusto Aras para manutenção dos trabalhos. O prazo de encerramento das atividades do grupo expira no próximo dia 10 de setembro.

Nesta terça-feira, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, integrante do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), decidiu liminarmente prorrogar a Lava Jato de Curitiba por mais um ano.

Aras ainda não se pronunciou sobre a prorrogação. Desde a criação da força-tarefa, a indicação de nomes para atuar na investigação foi referendada pelo CSMPF, órgão administrativo máximo na estrutura da procuradoria.

Caetana é relatora de um pedido de prorrogação no CSMPF e propôs o debate do assunto no encontro desta terça do colegiado. Não houve tempo, e por isso ela tomou a decisão. O assunto será discutido em reunião extraordinária a ser marcada.

Ao final do vídeo, Deltan afirmou ainda que vai continuar lutando contra a corrupção “como procurador e cidadão”. “Não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, com um país mais justo e melhor.”

Em nota, o MPF do Paraná elogiou o trabalho do procurador à frente da Lava Jato. “Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais”, diz a nota do órgão.

Pelo Twitter, o ex-juiz Sergio Moro parabenizou Deltan e disse esperar que o trabalho da força-tarefa possa prosseguir. "Parabenizo o Procurador Deltan Dallagnol pela dedicação à frente da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, trabalho que alcançou resultados sem paralelo no combate à corrupção no País. Apesar de sua saída por motivos pessoais, espero que o trabalho da FT possa prosseguir", escreveu.

O ex-procurador-geral Rodrigo Janot tratou a saída de Deltan como resultado de uma ação contra a Lava Jato. "Seguimos o caminho pouco virtuoso do crepúsculo da Operação Mãos Limpas! Lá, como aqui, o sistema contra-atacou! RESILIÊNCIA tem de ser a motivação ! Dias melhores virão das trevas! FIAT LUX!", afirmou, com menção à ação italiana frequentemente tida como inspiração da força-tarefa brasileira.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, defendeu a decisão de Deltan e a alternância de poder no cargo.

"Acho que alternância é boa. Se a decisão foi pessoal, é melhor para que não fique polêmica em relação à saída dele", disse. "Não é possível que, no meio de tantos procuradores, não tenham outros procuradores que têm a qualidade dele, que têm a dedicação que ele teve à frente de uma área que foi tão importante para o Brasil nos últimos anos."

No mês passado, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o julgamento de Deltan no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Semanas depois, porém, a AGU (Advocacia Geral da União) entrou com recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para que a corte reveja a decisão.

Celso de Mello havia concordado com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cerceado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica. Deltan afirmava que houve "diversos episódios de violação à ampla defesa" por parte do CNMP.

O acórdão de instauração de procedimento administrativo contra ele teria sido publicado de forma incompleta, houve atropelo ao se marcar o julgamento antes de "finda a instrução, colhido o interrogatório e apresentadas as alegações finais", além de indeferidas providências por ele considerada críticas.

Deltan seria julgado em processos movidos pelos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Katia Abreu, que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro.

Outro processo no entanto, movido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi arquivado. O ex-presidente acusava Deltan e os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público, no episódio do PowerPoint.

Foi determinante na decisão do conselho o fato de que a pretensão punitiva para o caso, na avaliação dos conselheiros, se aproxima da prescrição, não cabendo, portanto, a abertura de um processo administrativo disciplinar contra os três integrantes da Lava Jato.

Entenda casos sobre Deltan no CNMP

Representação de Renan Calheiros (MDB-AL)
Investigado na Lava Jato, o senador acusa o coordenador da operação no Paraná de quebra de decoro. Segundo o parlamentar, o procurador usou as redes sociais para atacá-lo e para tentar interferir no pleito para o comando do Senado em 2019, que tinha o alagoano como um candidatos.
O movimento de Deltan configuraria ato político-partidário, vetado por lei a integrantes do Ministério Público.

Representação de Kátia Abreu (PP-TO)
A senadora pede a transferência de Deltan para outra unidade do Ministério Público. Assim, ele deixaria de atuar na Lava Jato. Um dos argumentos é o grande número de reclamações disciplinares a que o procurador responde no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

A Vaza Jato

Deltan já foi alvo de mais de 30 representações no CNMP. Parte dessas representações foi baseada em reportagens após o vazamento de mensagens trocadas por integrantes da Lava Jato no aplicativo Telegram e obtidas pelo site The Intercept Brasil.

O pacote divulgado em 2019 incluiu mensagens privadas e de grupos da força-tarefa a partir de 2015, incluindo também diálogos travados entre o coordenador da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro.

No caso de Deltan, as mensagens trocadas pelo Telegram indicavam, entre outros pontos, que o procurador incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente.

A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.

Conforme revelou a Folha em parceria com o Intercept, Deltan também montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante a Lava Jato.

Ele e o colega Roberson Pozzobon cogitaram abrir uma empresa em nome de suas mulheres para evitar questionamentos legais. Deltan fez uma palestra remunerada para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação.

Deltan e seus colegas da Lava Jato também contornaram limites legais para obter informalmente dados sigilosos da Receita Federal em diferentes ocasiões.

Os diálogos indicam que integrantes da força-tarefa do caso em Curitiba buscaram informações do Fisco sem requisição formal e sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra do sigilo fiscal das pessoas que queriam investigar.

No caso de Moro,​ em resumo, indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Nas mensagens, o ex-juiz ainda sugeriu recusar a delação do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) e se posicionou contra investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas.

Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petista à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado ainda no segundo semestre deste ano. A relatoria é do ministro Gilmar Mendes.

Na ocasião, Moro afirmou que não reconhecia a autenticidade das mensagens.

Colaborou Danielle Brant, de Brasília

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