Ex-funcionária-fantasma de Bolsonaro, Wal do Açaí registra candidatura com sobrenome do presidente

Ex-assessora é investigada há dois anos pelo Ministério Público Federal de Brasília

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Rio de Janeiro

Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí, ex-assessora de Jair Bolsonaro, registrou sua candidatura a vereadora de Angra dos Reis (RJ) com o sobrenome da família presidencial.

Alvo de uma investigação aberta há dois anos pelo Ministério Público Federal de Brasília sob suspeita de ser funcionária-fantasma, Wal tem forte apoio da família Bolsonaro e de seus aliados mais fiéis no Rio de Janeiro.

Em sua página no Facebook —criada com o nome Wal do Açaí, mas alterado para Wal Bolsonaro—, tem fotos com o senador Flávio Bolsonaro, os deputados Eduardo Bolsonaro, Hélio Lopes, Alana Passos e Anderson Moraes.

Wal e Carlos (esq) e Jair Bolsonaro
Wal e Carlos (esq) e Jair Bolsonaro - Wal Bolsonaro no Facebook

Ela também registrou uma reunião com o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, para tratar, segundo o texto publicado, da ampliação e reurbanização do aeroporto de Angra dos Reis.

Os planos para a candidatura pelo Republicanos, mesmo partido de Flávio e Carlos Bolsonaro, foram oficializados em julho, num evento da Polícia Rodoviária Federal na cidade. Na ocasião, ela gravou um vídeo com o senador filho do presidente.

“Meus amigos de Angra dos Reis, estou aqui com a Wal do Bolsonaro. Uma referência para gente aqui na região de Angra, uma pessoa dedicada, trabalhadora, que a exemplo de várias pessoas que estão no entorno do presidente Bolsonaro levam pedrada porque são pessoas honestas e corretas e que só querem fazer o bem ao próximo”, disse Flávio.

Em vídeo de setembro, quando sua candidatura foi oficializada em convenção, Wal também comentou o novo momento.

“Acabaram de falar aqui que a gente vai apanhar muito. Mas é apanhando que a gente aprende a bater também”, afirmou ela.

Wal e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio
Wal e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (centro); ele é acusado pelo Ministério Público de chefiar esquema de candidaturas laranjas de mulheres na campanha de 2018 - Wal Bolsonaro no Facebook

Wal declarou como ocupação atual ser recepcionista, ter ensino fundamental incompleto e não possuir nenhum bem.

As suspeitas sobre Wal surgiram em 2018 em reportagem da Folha. Na ocasião, o jornal revelou que a ex-assessora trabalhava em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio de Jair Bolsonaro, à época deputado federal, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.

Segundo moradores da região, Wal também prestava serviços particulares na casa de Bolsonaro. De acordo com moradores da região ouvidos à época, o marido dela, Edenilson, era caseiro do presidente.

Na ocasião, Bolsonaro não soube detalhar serviços prestados pela assessora na cidade. Questionado sobre qual seria o trabalho desempenhado por ela, respondeu: "Ela reporta a mim ou ao meu chefe de gabinete qualquer problema na região".

"Não tem uma vida constante nisso. É o tempo todo na rua? Não. Ela lê jornais, acompanha o que acontece."

A reportagem pediu exemplos de serviços parlamentares prestados pela funcionária.

"Peraí, ela fala com o chefe de gabinete", se limitou a dizer.

"Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho."

Um dia depois, Bolsonaro afirmou que ela trabalhava na loja porque estava de férias na data em que os repórteres estiveram na vila.

Em agosto, em horário de expediente, a Folha voltou ao estabelecimento e encontrou Wal, com quem comprou um açaí e um suco de cupuaçu. Nesse mesmo dia, ela pediu demissão do cargo.

Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que ela passou nesses 15 anos por 26 mudanças de cargos no gabinete. Em 2011 e 2012 ela alcançou melhores cargos –são 25 gradações.

O mesmo ocorreu com outros assessores de Bolsonaro.

Até abril de 2003, essa montanha-russa funcional se dava por meio de exonerações de fachada, em que o auxiliar tinha a demissão publicada e, no mesmo dia, era renomeado para o gabinete, geralmente para outro cargo.

De acordo com o ato da mesa da Câmara 12/2003, a prática tinha como único objetivo forçar o pagamento da rescisão contratual dos assessores, com 13º salário proporcional e indenização por férias, não raro acumuladas acima do período permitido em lei.

Nos 12 meses anteriores à edição do ato, o gabinete de Bolsonaro na Câmara registrou 18 exonerações de assessores que foram recontratados no mesmo dia —9 no mês anterior, sendo um deles na véspera da publicação da medida.

A partir de 2 de abril de 2003, a Câmara passou a só permitir a readmissão após 90 dias da saída e acabou com o pagamento de rescisão para trocas de cargos, que passaram a ser feitas pelos parlamentares sem necessidade de exoneração.

Wal e Eduardo Bolsonaro
Wal e Eduardo Bolsonaro - Wal Bolsonaro no Facebook

Com isso, o carrossel salarial no gabinete do hoje presidente da República caiu para menos da metade nos 12 meses seguintes à edição do ato, de 18 para 7.

A Folha também mostrou em janeiro de 2018 que Bolsonaro não tinha uma atuação parlamentar relevante em Angra. A cidade não era destino de emendas do então deputado há mais de uma década. A votação dele também não era significativa na região.

A investigação sobre Wal foi aberta em setembro de 2018. Ela chegou a ser travada por mais de 120 dias pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge no período em que tentava articular junto ao presidente sua recondução ao cargo.​

Após as eleições, novos casos surgiram no bojo das investigações sobre a suposta “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa. Um deles foi o de Nathalia Queiroz, filha de Fabrício Queiroz, suspeito de ser o operador financeiro do esquema.

Uma das estratégias usadas para alimentar o esquema, segundo a Promotoria fluminense, é justamente o emprego de funcionários-fantasmas. No gabinete de Flávio, diz a investigação, esses servidores devolviam seus salários para Queiroz.

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