Professora eleita vereadora quer combate ao machismo em 'gabineta' de bancada feminista na Câmara de SP

Silvia Ferraro foi eleita pelo PSOL com outras quatro mulheres; grupo pretende legislar sem hierarquia interna

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São Paulo

Foi nas reuniões do PSOL que Silvia Ferraro conheceu aquelas que se tornariam suas parceiras em seu primeiro mandato político. Com o título de candidata mais votada pelo partido na corrida pelo Senado em 2018, quando chegou perto mas não se elegeu, pareceu natural às colegas de militância escolhê-la como líder da bancada coletiva que tentaria a Câmara Municipal de São Paulo em 2020.

Ficou então a cargo da professora de 51 anos dar nome e rosto à imagem que apareceria na urna eletrônica no último dia 15. Eleitas com 46.267 votos, ela e as outras quatro mulheres —todas com idades entre 25 e 29 anos— pretendem agora legislar juntas e sem hierarquia interna.

“Elas me escolheram para representar, mas isso é uma formalidade. Somos todas covereadoras”, diz Silvia. “Acreditamos na coletividade. Teremos atribuições diferentes. Só eu vou poder votar e falar na tribuna, mas em todo o resto elas poderão estar presentes, como nas comissões e presidindo audiências públicas”.

Enquanto é ela quem ocupa a cadeira oficial, Carolina Iara, Dafne Sena, Natália Chaves e Paula Nunes serão contratadas como assessoras. Segundo Silvia, todas se veem sob a responsabilidade de virar referência em bancadas coletivas.

Para promover uma proliferação do formato, é importante realizar um mandato vitorioso. Mandato, não – “mandata”.

“A gente quer falar no feminino mesmo”, diz a professora. “Sei que essa forma não existe no português, mas para nós é um jeito de também subverter a ordem machista e patriarcal. Os mandatos, os gabinetes, todas as coisas das casas legislativas são muito masculinas”.

Nascida em Campinas, no interior de São Paulo, Silvia Ferraro é a única filha do primeiro casamento do pai e da mãe –depois de separados, ambos tiveram mais filhos de outros relacionamentos. Quando tinha dois anos de idade, a menina foi morar só com o pai e a avó, ele um pedreiro, e ela, cozinheira.

“Ela era analfabeta, e ajudou a me criar e me sustentou com seu trabalho. Meu pai se casou de novo quando eu tinha dez anos, e essa minha madrasta e minha avó ficaram sendo minhas referências”, relembra, ao falar sobre como o feminismo surgiu em sua vida.

“Essas mulheres me deram a vivência. A parte teórica a gente vai lendo em livros e se identificando com coisas que já pensava na prática. Acho que foi na universidade que comecei as leituras feministas”.

Aos 13 anos, Silvia entrou na militância das comunidades eclesiais de base da Igreja Católica.

“Ainda era a luta contra a ditadura, mais ou menos em 1984. Depois, o movimento das Diretas Já me influenciou muito. Foi uma época de construção de grêmios livres nas escolas, e eu fundei um no meu colégio. Antes disso, só havia centros cívicos."

Já aluna de história na Unicamp e professora da rede pública de ensino desde o primeiro ano do curso, foi a hora de militar também nos movimentos sociais. Ela conta que participou de greves e que fez parte do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

Enquanto atuava no centro acadêmico da faculdade, viveu aquela que considera sua primeira batalha feminista. Silvia engravidou e se deu conta de que só os funcionários da universidade tinham acesso à creche do campus. Não haveria, então, com quem deixar o bebê enquanto terminasse os estudos.

“Eu me engajei em uma luta para que as estudantes também tivessem direito à creche. Conseguimos. Podia até os dez meses de idade”, diz.

“Depois da licença de três meses, voltei para a sala de aula. Daí deixava minha filha na creche, e voltava de duas em duas horas para amamentar. De madrugada, eu fazia os trabalhos do curso."

Victoria Ferraro, hoje com 25 anos e diretora de movimentos sociais da União Nacional dos Estudantes (UNE), nasceu em um parto de cócoras oferecido pelo SUS no Hospital de Clínicas da Unicamp. “Ela é feminista e militante como eu. Sou uma mulher feminista criando uma filha feminista”, diz a mãe.

“Como professora, faço um trabalho de educação para igualdade de gênero nas escolas. Acredito que a gente tenha que ter, sim, medidas para coibir violência, estupro, violência doméstica, mas acredito muito na educação para ter meninas empoderadas e meninos não machistas."

O pai de Victoria, o fotógrafo João Zinclar, esteve presente por toda a vida da filha, inclusive depois que se separou de Silvia. Em 2013, um caminhão bateu no ônibus em que ele viajava, saindo de Vitória para o Rio de Janeiro. Zinclar morreu aos 56 anos.

“Éramos muito amigos, passamos oito anos juntos. Nos separamos, mas éramos muito unidos na educação dela. Ele era 13 anos mais velho que eu, virou fotógrafo do MST. Tinha ido fotografar uma eleição sindical, era um grande ativista. Fez um trabalho lindo sobre o rio São Francisco e era bem envolvido”, lembra Silvia.

Em 2014, ela se mudou para São Paulo. Prestou concurso para a prefeitura e se tornou professora da rede municipal de ensino. Até se afastar para dar início à campanha, dava aulas na EMEF Anália Franco Bastos, no bairro do Catumbi, para alunos dos oitavos e nonos anos.

“Tenho alunas bem feministas. No primeiro dia de aula, eu sempre me apresento, falo que sou a Silvia, e que sou feminista. Daí sempre tem alguém que levanta a mão e diz ‘eu também, profe’. Já tem uma consciência legal nessa garotada. Não em todos, mas a gente vai educando”.

Silvia mora em um apartamento no bairro do Bom Retiro, região central da cidade. Já a sua bancada está espalhada pelos quatro cantos da cidade. “A Carol mora em Itaquera, a Paula, em Santana, a Dafne, em Pinheiros, e a Natalia, na zona leste”.

Ela imagina que, assim que a pandemia e a quarentena acabarem, ela e as outras quatro covereadoras poderão eleger como quartel-general do trabalho diário o gabinete na Câmara Municipal, também no centro da capital. Gabinete, não —“gabineta”.

“Estaremos todas lá, na gabineta. Espera, não sei se você pode colocar assim na entrevista. Pode?”, pergunta. “Porque é um diferencial que eu acho importante, para causar uma provocação. Queremos subverter todo o modo masculino de fazer as coisas”.

Raio-X

  • Silvia Ferraro (PSOL)
  • 51 anos
  • Professora de história
  • Nascida em Campinas (SP)
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