Descrição de chapéu Folhajus STF

Toffoli cita liberdade de expressão e vota contra criação do direito ao esquecimento no Brasil

Ministro defende que garantia não está prevista na Constituição e que poderia limitar atuação da imprensa; julgamento será retomado no dia 10

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Brasília

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quinta-feira (4) para que a corte não reconheça a existência do direito ao esquecimento no Brasil. O julgamento será retomado na próxima quarta-feira (10).

Em um voto que durou mais de três horas, o magistrado ressaltou que a criação desse instituto no país poderia violar a liberdade de expressão e disse que não há previsão dessa garantia na Constituição ou em alguma lei.

O ministro frisou que admitir a existência do direito ao esquecimento “seria uma restrição excessiva e peremptória à liberdade de expressão” e ao “direito dos cidadãos de se manterem informados de fatos relevantes da história social”.

“Tal possibilidade equivaleria a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição”, observou.

Toffoli propôs que a decisão do Supremo valha para todas as plataformas, apesar de o caso concreto tratar de um programa de televisão.

Em resumo, o STF está discutindo se a Justiça pode proibir um fato antigo de ser exposto ao público em respeito à privacidade e à intimidade da pessoa envolvida ou se um veto nesse sentido configuraria censura e violaria a liberdade de expressão.

O caso em análise no STF é um recurso movido por irmãos de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O programa Linha Direta, da TV Globo, exibiu, 50 anos depois, um episódio em que reconstituiu o crime.

Atores encenam versão do caso do assassinato de Aída Curi em episódio de 2004 do programa Linha Direta
Atores encenam versão do caso do assassinato de Aída Curi em episódio de 2004 do programa Linha Direta - Gianne Carvalho/TV Globo

Os familiares dela, que foi violentada e assassinada e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época, pedem uma indenização ao canal de televisão. Eles perderam a causa em todas as instâncias antes de chegar ao STF.

Toffoli votou para que a família não seja indenizada pelo veículo de comunicação. O magistrado ressaltou que, embora se trate de uma tragédia familiar, os fatos são verídicos e compõem o rol dos casos notórios de violência na sociedade brasileira, além de terem sido licitamente obtidos à época de sua ocorrência, "não tendo o decurso do tempo, por si só, tornado ilícita ou abusiva sua (re)divulgação".

O veto à veiculação do programa poderia "restringir, desarrazoadamente, o exercício pela ora recorrida do direito à liberdade de expressão, de informação e de imprensa", disse o ministro.

O magistrado explicou que escreveu seu voto a partir do conceito que trata o direito ao esquecimento como uma “pretensão apta a impedir a divulgação de fatos verídicos e licitamente obtidos, mas que em razão da passagem do tempo teriam se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse público relevante”

O tema é considerado um dos mais relevantes a ser deliberado pelo Supremo nos últimos anos porque estabelecerá um precedente importante em relação à atividade da imprensa e aos limites do direito à informação e do direito à personalidade dos cidadãos.

Toffoli defendeu que o ordenamento jurídico brasileiro está “repleto de previsões voltadas à proteção da personalidade” e que não é necessário criar mais uma.

“Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restrição, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que afetados outros direitos fundamentais, mas não como decorrência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos ou dados por alegada descontextualização das informações em que inseridos, por força da passagem do tempo”, ressaltou.

Segundo o ministro, não se protege informações e dados pessoais com obscurantismo.

Na visão de Toffoli, a possibilidade de a passagem do tempo impor restrição à divulgação de informação verdadeira e obtida de maneira lícita precisa estar prevista em lei de modo pontual e clarividente e sem anular a liberdade de expressão.

O ministro sugeriu que sempre há melhor alternativo ao veto à publicação de determinado conteúdo.

“Tanto quanto possível, portanto, deve-se priorizar: o complemento da informação, em vez de sua exclusão; a retificação de um dado, em vez de sua ocultação; o direito de resposta, em lugar da proibição ao posicionamento, o impulso ao desenvolvimento moral da sociedade, em substituição ao fomento às neblinas históricas ou sociais”, frisou.

O julgamento foi iniciado na quarta-feira (3). Antes de Toffoli, usaram a palavra os advogados das partes e representantes de associações que figuram como amici curiae no processo.​

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, falou em nome da PGR (Procuradoria-Geral da República) e defendeu a rejeição do recurso da família de Aída Curi

“A pretensa ideia de um direito ao esquecimento é extrair do transcurso do tempo uma possibilidade de afetar a liberdade de expressão”, criticou.

O advogado da família de Aída Curi, Roberto Algranti Filho, defendeu que o direito à informação não pode ser sempre mais importante do que a dignidade da pessoa humana.

“Nossos traumas do passado devem nos impulsionar um presente mais humano e não nos petrificar de medo. Não podemos incorrer num passadismo jacobino, não podemos aprisionar as próximas gerações nas celas dos nossos próprios ressentimentos”, disse.

O advogado da TV Globo, Gustavo Binenbojm, por sua vez, destacou que a decisão da União Europeia diz respeito apenas a buscadores de internet e que a discussão em curso no Supremo é mais ampla e envolve também a atuação da imprensa e a liberdade de expressão na internet.

Ele lembrou que o irmão de Aída Curi escreveu dois livros sobre o crime e afirmou que não há motivo para o veículo de comunicação indenizar a família.

“O mero desejo de alguém de não ser lembrado sobre fatos desagradáveis ou embaraçosos resolvidos no passado pode configurar, quando associado ao decurso do tempo, um direito fundamental? A resposta da Constituição é claramente negativa”, disse.​

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