Parado, trem da alegria do Senado completa 36 anos com prejuízo de R$ 20 bi e longe de um fim na Justiça

Autor da ação já morreu, a maioria dos funcionários se aposentou e processo não está nem perto de terminar

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Brasília

O processo que questiona o maior trem da alegria da história do Senado, que efetivou 1.554 pessoas aos quadros da gráfica da Casa sem concurso público, está em tramitação na Justiça há 36 anos. Em 2021, completam-se oito anos de sua paralisação.

A medida do Legislativo, de dezembro de 1984, beneficiou diversos filhos e auxiliares da elite política da época. O caso é visto como um símbolo da morosidade do Judiciário brasileiro.

O autor da ação já morreu. A maioria dos funcionários efetivados se aposentou. O processo, porém, não está nem perto de chegar ao fim.

Servidores no galpão de acabamento do centro gráfico do Senado, em Brasília (DF), em 2010 - Lula Marques - 28.nov.2010/Folhapress

O ato foi assinado pelo então presidente do Senado, Moacyr Dalla (ES), às vésperas do recesso parlamentar daquele ano, e transformou funcionários celetistas em estatutários. O ato não passou nem pelo plenário.

O atual advogado da causa, Pedro Calmon Filho, decidiu acionar o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) na tentativa de destravar o processo. Ele defende o fim do benefício.

Calmon Filho afirma que praticamente todos os beneficiados passaram a ganhar salários superiores a R$ 30 mil. Segundo ele, somados, geraram um prejuízo superior a R$ 20 bilhões desde a efetivação.

Duas sentenças de primeira instância já foram dadas, uma em 2002 e outra em 2012. Ambas são contrárias aos servidores.

Na primeira, o juiz determinou a perda do cargo de todos os beneficiados. Em segundo grau, porém, essa decisão sobre o caso foi revogada pela 1ª Seção do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), por 3 votos a 2, que mandou o processo ser retomado do zero.

A maioria do colegiado entendeu que o julgamento de primeiro grau estava viciado porque dois herdeiros de um dos servidores que já havia falecido na época não tinham sido notificados no processo. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) referendou a decisão.

Só o processo de citação dos envolvidos, que foi retomado do zero, havia levado quase cinco anos.
Depois disso, a Justiça levou mais alguns anos até intimar todos os beneficiados novamente e, em 2012, o juiz federal Bruno César Bandeira Apolinário deu nova decisão em desfavor dos servidores.

O magistrado determinou que todos os funcionários retornassem ao regime privado de contratação e que os aposentados tivessem o benefício cassado e fossem integrados ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), cujo teto atual é de R$ 6.400.

Na decisão, Apolinário destacou que as nomeações ocorreram à revelia do plenário do Senado. Além disso, afirmou que a medida teve "por finalidade beneficiar filhos, afilhados e esposas de políticos influentes, em atentado à moralidade pública e em detrimento dos cofres do país".

Em segunda instância, no entanto, o processo estagnou. "Não há meio de haver julgamento desse processo, não existe interesse nisso. Os mesmos poderosos de 30 anos atrás continuam no poder", diz o advogado.

Advogado da causa, Calmon Filho afirma que o ex-juiz Jonas Candeia apresentou a ação e tinha como advogado seu pai, Pedro Calmon, hoje com 82 anos. Candeia já morreu.

"Já pedimos preferência de julgamento por ele ser idoso, é um dos processos mais antigos da Justiça Federal de Brasília, mas nunca entra na pauta. Hoje a causa é uma homenagem ao meu pai, que a vida inteira trabalhou com isso. Está cansado, um pouco doente, talvez nem veja o processo solucionado."

Ele afirma que estimativa do próprio CNJ aponta que o tempo médio de tramitação de ações no TRF-1 é de oito anos e que, portanto, na sua avaliação, o processo deveria ter sido julgado pela corte em 1993.

Calmon Filho estima, no entanto, que a ação não transitará em julgado antes de 2030. "Mesmo que o tribunal de segunda instância resolva neste ano, com todos os recursos disponíveis na Justiça, duvido que dure menos de nove antes para ser encerrado definitivamente."

"A maioria ganha próximo do teto, salários superiores a R$ 30 mil, fora o custo trabalhista para o Estado além do vencimento. Esse número multiplicado por 432 meses, que é o tempo em que estão recebendo indevidamente os salários do Senado, resulta num prejuízo aos cofres públicos superior a R$ 20 bilhões."

Na época da medida, o ato ficou conhecido como "Trem Dalla", em referência ao então presidente da Casa. Foram beneficiados diversos filhos, parentes e assessores da elite política da época.

Entre eles, estava o próprio filho do presidente, Ricardo Augusto Rezende Dalla, e o atual deputado distrital Agaciel Maia (PL-DF), que já foi diretor-executivo da gráfica e diretor-geral do Senado.

O professor da FGV Direito São Paulo Carlos Ari Sundfeld afirma que esta ação é um exemplo de caso em que a máquina da Justiça tem "pouco interesse em ser eficiente por se tratar de pessoas que têm relações sociais e políticas sólidas".

Na visão dele, o Ministério Público deveria ter proposto desdobrar o caso em 1.554 processos individualizados.

"Onde está o Ministério Público, que deve zelar pelo respeito à Constituição? O ideal era propor uma ação contra cada um, contra cada efetivação. Uma ação única para anular a efetivação de milhares de servidores gera problema, o processo só anda depois de intimar todos eles, morre gente, a ação fica inviável", afirma.

Sundfeld diz que é comum haver manobras similares nas esferas administrativas municipal e estadual.

Além da contratação definitiva de funcionários que ocupam cargo em comissão, o professor afirma que há casos em que servidores públicos são promovidos a cargos que exigiriam concurso sem a realização de provas.

"Aprovam leis e pessoas que passaram em um concurso inferior são efetivadas em cargos que têm salário até dez vezes maior", diz.

Questionada pela reportagem, a assessoria do Senado afirmou que "cumprirá a decisão judicial que vier a prevalecer".

O Sindilegis (Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e Tribunal de Contas da União), que representa os servidores, afirmou que não irá comentar o assunto.

Agaciel Maia, por sua vez, nega que tenha sido beneficiado pelo trem da alegria e afirma que o assunto vem sendo usado politicamente contra ele.

"Eu entrei no Senado em 1977, completei 44 anos agora em 10 de fevereiro. Não tenho nada com o assunto. A Constituição de 1988 considerou efetivo quem tinha 5 anos à época. Eu já tinha 11 anos. Esse assunto vem sendo usado politicamente com muitas mentiras e desinformações", afirmou por mensagem.

O ex-diretor geral do Senado Agaciel Maia
O ex-diretor geral do Senado Agaciel Maia - Moreira Mariz -16.fev.2018/Agência Senado

Colaborou Renato Machado  

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