Descrição de chapéu Coronavírus Governo Bolsonaro

Inauguração por Bolsonaro de obra inacabada no AM vira ato em desagravo a Pazuello, alvo da CPI da Covid

No auge da pandemia do coronavírus, Bolsonaro inaugura centro de convenções para 10 mil pessoas em Manaus

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Manaus , Belém e Brasília

No momento em que o Brasil se aproxima dos 400 mil mortos pela Covid, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) viajou até Manaus nesta sexta-feira (23) para inaugurar um centro de convenções inacabado com capacidade para 10 mil pessoas.

A visita virou um ato de desagravo ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que é de Manaus. Ovacionado cinco vezes por dezenas de simpatizantes de Bolsonaro aglomerados em um dos cantos do centro de convenções, o general foi elogiado por Bolsonaro e pelo ministro do Turismo, Gilson Machado.

Ao final, os simpatizantes gritaram “Pazuello governador”. O ex-ministro é dos principais alvos da CPI da Covid, que será instalada no Senado na próxima terça-feira (27) e que irá apurar ações e omissões do governo federal na pandemia, além de repasses da União a estados e municípios.

Bolsonaro com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em evento em Manaus nesta sexta-feira (23)
Bolsonaro com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em evento em Manaus nesta sexta-feira (23) - Alan Santos/Presidência da República

O presidente falou por apenas cinco minutos. Além da menção positiva a Pazuello, presente entre as autoridades do evento, Bolsonaro repetiu que o país “começou a sair das garras da nefasta esquerda brasileira” e que, se o petista Fernando Haddad fosse presidente, "estaríamos em um lockdown nacional. Graças a Deus, isso não aconteceu".

A agenda presidencial desta sexta-feira em Manaus incluiu um encontro com líderes evangélicos e a distribuição simbólica de cestas básicas.

Mais efusivo, o ministro do Turismo chamou Pazuello para o centro do palco em meio a elogios: "Cadê o general Pazuello? Cadê ele? Venha cá. Eu fui testemunha da luta desse homem pela erradicação da doença no nosso país”.

Esta foi a primeira viagem de Bolsonaro ao Amazonas desde que o sistema local de saúde colapsou, em janeiro, devido à segunda onda da epidemia. O presidente, porém, não fez nenhuma referência à morte de 6.600 pessoas no primeiro trimestre, um dos índices de óbito per capita mais elevados do mundo.

O evento teve uma gafe do ministro de Turismo. Com a sanfona em mãos no palco, Machado anunciou que tocaria uma música da banda amazonense Carrapicho. Mas ele acabou fazendo uma versão quase irreconhecível da lambada “Chorando se Foi”, uma adaptação do grupo Kaoma de uma canção boliviana.

Na entrada do centro de convenções, Bolsonaro falou brevemente aos jornalistas para agradecer o título de Cidadão Amazonense concedido pela Assembleia Legislativa, aprovado com 14 votos a favor e apenas um contrário.

O Centro de Convenções do Amazonas Vasco Vasques começou a ser construído em 2015 e custou R$ 40 milhões, pagos pelo Ministério do Turismo, além de R$ 224 mil do governo estadual.

O espaço faz parte do complexo da Arena da Amazônia, erguido para a Copa do Mundo de 2014, no governo Dilma Rousseff (PT). Desde então, a estrutura tem sido subutilizada.

Apesar da inauguração com Bolsonaro, o saguão da cerimônia ainda estava sem acabamento. As paredes, de blocos de concreto, não tinham reboco. Cinco pilares e uma parede apresentavam remendos de cimento à vista. O governo estadual diz que 99% das obras estão prontas.

No salão, havia distanciamento entre cadeiras reservadas a jornalistas e convidados, mas a organização permitiu a entrada de dezenas de simpatizes de Bolsonaro, que se aglomeraram em um dos lados do espaço, com bandeiras do Brasil e de Israel.

Alguns tiravam a máscara para gritar em coro “mito”, “eu vim de graça” e “fora, Globo lixo”, além do Hino Nacional.

​Por causa da epidemia, as convenções estão proibidas no Amazonas por tempo indeterminado. O local, com quatro andares, tem capacidade para receber 10 mil pessoas.

A alguns quilômetros do evento, um pequeno grupo de manifestantes de organizações de esquerda se reuniu na Assembleia Legislativa para protestar contra a homenagem dos deputados estaduais a Bolsonaro.

Dali, eles caminharam até o centro de convenções carregando diplomas falsos de "Fuleiro" e cruzes em alusão aos mortos pela epidemia.

Bolsonaro, no entanto, já havia deixado o local. Antes de embarcar para Belém, ele concedeu entrevista a Sikera Jr., simpatizante do presidente e apresentador do programa de notícias policiais Alerta Nacional.

O turismo no Amazonas tem interessado o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Em setembro, os dois filhos do presidente inspecionaram as obras na companhia do governador Wilson Lima (PSC), em uma agenda focada no turismo.

À época, Flávio defendeu a abertura de cassinos na Amazônia. “O que nós ouvimos em Las Vegas é que há um grande interesse que esses grandes players do turismo invistam pesado nessa área em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas”, disse, em evento para a “retomada turística” no estado.

A viagem desta sexta ocorreu um dia após Bolsonaro ter participado da Cúpula do Clima, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e realizada de forma virtual. No discurso, o brasileiro disse que é preciso solucionar o “paradoxo amazônico” de melhorar o baixo índice de desenvolvimento humano na "região mais rica do país em recursos naturais”.

Bolsonaro também fez a entrega simbólica de cestas básicas. O Ministério da Cidadania promete distribuir a 121 mil famílias de comunidades tradicionais do Amazonas.

Grupo de pessoas dentro de cercadinho aglomerado com guarda-chuvas
Moradores de Belém aguardam distribuição de cestas básicas em evento com Bolsonaro nesta sexta-feira (23) - Igor Mota/Futura Press/Folhapress

Em Belém, Bolsonaro transferiu uma visita que faria a um depósito de suprimentos das Forças Armadas para a base aérea da capital do Pará na tarde desta sexta. Ele entregou 468 mil cestas básicas do programa Brasil Fraterno que serão distribuídas para todo o estado.

Do lado de fora do local do evento, no bairro da Pratinha, um dos mais pobres de Belém, dezenas de pessoas esperavam pela entrega de cestas básicas desde a madrugada.

O Exército, que estava no local, improvisou dois cercados com grades de ferro: de um lado da rua para os manifestantes, que ameaçaram fechar a rua até as cestas básicas chegarem e, do outro, um grupo de apoiadores do presidente que o aguardava apesar do sol e do calor.

O evento foi transferido para a base aérea de Belém, a três quilômetros de distância. Procurada, a Polícia Militar do Pará não confirmou o motivo da mudança de endereço do evento.

No novo local, apoiadores que chegaram em vans e ônibus aguardavam a chegada de Bolsonaro, inicialmente prevista para as 15h.

Dezenas de pessoas desceram de ônibus escuros com logotipo do Primeiro Comando Aéreo Regional (Comaer) no local do evento. Dois veículos estavam disponíveis e ambos fizeram duas viagens cada.

Para entrar no ônibus, o Exército organizou uma fila em uma tenda verde que foi colocada na frente da Base Área na rodovia Arthur Bernardes. Oficiais do Exército organizavam o fluxo.

Todos os passageiros portavam bandeiras e camisas alusivas a Bolsonaro. Além de gritar "mito" para o presidente, também entoavam "Helder ladrão, teu lugar é na prisão" no momento em que o governador do Pará cumprimentou o presidente.

A reportagem não conseguiu ouvir a Aeronáutica a respeito do uso dos veículos do Comaer para o evento.

Ônibus da Aeronáutica transporta apoiadores de Bolsonaro na entrada da base aérea de Belém, onde o presidente participou de evento nesta sexta (23)
Ônibus da Aeronáutica transporta apoiadores de Bolsonaro na entrada da base aérea de Belém, onde o presidente participou de evento nesta sexta (23) - Igor Mota/Futura Press/Folhapress

Acompanhado de ministros e deputados federais, Bolsonaro falou por quatro minutos e reiterou posicionamento contra as medidas de combate à pandemia, como lockdowns e toques de recolher. Ele voltou a criticar a atuação de governadores e prefeitos ao longo da crise.

"Estamos atendendo essas pessoas, diferente daqueles que retiraram os empregos e não fizeram quase nada por aqueles que estão desempregados e passando fome”, afirmou, pouco depois de cumprimentar o governador Helder Barbalho (MDB), que passou rapidamente para recepcionar o presidente na descida do avião.

Bolsonaro também elogiou o trabalho de Pazuello. Segundo o presidente, foi graças à "responsabilidade" do ministro que a vacinação iniciou semanas depois de países como Israel, Reino Unido e Estados Unidos.

"Ele fez o dever de casa lá atrás e não comprou [vacinas] no ano passado, apenas fez muitos contatos, porque precisava passar pela Anvisa. Seria uma irresponsabilidade do governo despender recurso para algo que ninguém sabia o que era ainda porque não estava no mercado. Alguns poucos países começaram a vacinar em dezembro. O Brasil começou em janeiro", disse.

Desde o início deste ano, período de recrudescimento da pandemia no Brasil, Bolsonaro realizou viagens para uma dezena de estados, para participar, entre outros atos, de cerimônias de entrega de obras e solenidades militares.

De acordo com a agenda do Palácio do Planalto, o único deslocamento de Bolsonaro para fora de Brasília em agenda oficial sobre a Covid ocorreu em 7 de abril. Na ocasião, ele foi a Chapecó (SC) para encontro com o prefeito João Rodrigues (PSD), defensor do chamado tratamento precoce contra a doença —que consiste na administração de remédios como a hidroxicloroquina, sem eficácia comprovada contra o vírus.

Na ocasião, além de rechaçar a adoção de um lockdown nacional, Bolsonaro elogiou o suposto tratamento precoce ao dizer que médicos têm autonomia para prescrever qualquer medicamento.

“Fui acometido de Covid. Procurei não me apavorar. Tomei um medicamento [hidcroxicloroquina] que todo mundo sabe qual foi e no outro dia estava bom. Muitos fizeram isso. Mas não podemos admitir impor limite ao médico. O ‘off label’, fora da bula, é entre médico e paciente. Hoje tem aparecido medicamentos ainda não comprovados que estão sendo testados”, disse Bolsonaro na ocasião.

Neste ano, as demais agendas de Bolsonaro fora de Brasília não foram —ao menos oficialmente— sobre o enfrentamento à doença. Mas em diversos casos ele aproveitou seus pronunciamentos para tratar da crise sanitária, frequentemente atacando medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos.

No mesmo dia da visita a Chapecó, Bolsonaro foi a Foz do Iguaçu (PR) para acompanhar obras no aeroporto e participar da posse do novo diretor da usina de Itaipu. À noite, teve reunião com empresários em São Paulo.

Antes da visita desta sexta a Manaus, Bolsonaro esteve em São Paulo para a passagem do Comando Militar do Sudeste. A cerimônia ocorreu em 15 de abril.

Em março, o presidente teve apenas uma viagem oficial, para participar da inauguração de trecho da Ferrovia Norte-Sul, em São Simão (GO).

“Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?", disse ele na ocasião.

Em fevereiro foram sete viagens, dentre visitas a obras, entrega de títulos de propriedades, sobrevoo a regiões inundadas no Acre e participação em cerimônia da escola preparatória de cadetes, em Campinas (SP).

Durante o Carnaval, o presidente viajou para São Francisco do Sul (SC). A exemplo do que fez no recesso de fim de ano, Bolsonaro provocou aglomerações ao interagir com apoiadores na praia.

No mês de janeiro, ainda de acordo com a agenda oficial do Planalto, viajou para uma cerimônia alusiva à liberação do tráfego de ponte sobre o rio São Francisco, em Própria (SE); e para entrega de obras da BR-135 em Coribe (BA).

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desta reportagem afirmou incorretamente que Sikera Jr. apresenta o programa Cidade Alerta. Ele é apresentador do Alerta Nacional. O texto foi corrigido.

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