Descrição de chapéu

Antonio Paim: tributo ao mestre

Professor experimentou conversão ao liberalismo ao ter a honestidade intelectual de não se cegar aos horrores stalinistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lucas Berlanza

Jornalista, escritor e diretor-presidente do Instituto Liberal

Até o último dia 30 de abril, um adorável e arborizado lar de idosos em São Paulo abrigava um dos maiores patrimônios vivos da intelectualidade brasileira.

Nem de longe, apresso-me em dizer, um espécime daquele gênero de intelectualidade que apenas existe a reboque de um partido ou de uma palavra de ordem, apequenando-se perante apelos de turba. Muito ao contrário; uma intelectualidade lúcida, transparente quanto às premissas e conclusões que adotou, mas ao mesmo tempo aberta ao diálogo construtivo e impermeável ao sectarismo imbecilizante, consciente de que os melhores posicionamentos não podem ser construídos sobre caricaturas e reducionismos.

O corpo já afetado pelas mais de nove décadas de existência poderia transmitir uma falsa impressão de inatividade. O professor Antonio Paim, falecido aos 94 anos, na verdade permaneceu laborioso até os últimos instantes, retocando obras e refletindo sobre as grandes questões nacionais.

Em sua vasta biografia como pensador, não cessou em nenhum momento de atuar pelo arejamento das ideias, amealhando uma legião de ilustres discípulos.

O filósofo Antonio Paim - Reprodução/Canal livres no YouTube

Egresso do marxismo, tendo travado contato direto com a realidade da União Soviética ao cursar Filosofia na Universidade Lomonosov, Paim experimentou sua conversão ao liberalismo ao ter a honestidade intelectual, infelizmente não compartilhada por muitos de seus contemporâneos, de não se cegar aos horrores stalinistas.

Vencedor do prêmio Jabuti de 1985 com seu clássico A História das Ideias Filosóficas no Brasil, esse baiano da cidade de Jacobina se notabilizou por dedicar a vida não apenas a produzir, ele próprio, centenas de páginas perfazendo diversos ramos das ciências sociais, mas também a preservar o mais amplo acervo do pensamento nacional.

A diversidade das obras que prefaciou e editou não deixa mentir: desde trabalhos do sociólogo antiliberal Oliveira Vianna, passando por obras de Tobias Barreto, ícone da Escola de Recife, até o marxista Leônidas de Rezende, lá estava sua marca registrada.

Movido por esse espírito de devoção ao conhecimento, Paim fundou o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, doando a essa instituição toda a sua biblioteca.

Como historiador das ideias, aplicou aos seus trabalhos a metodologia de considerar a relação entre os problemas reais enfrentados pelos diversos autores e as doutrinas que desenvolveram em resposta a esses problemas. Com essa ferramenta, deixará de legado uma obra incalculável de arqueologia do pensamento pátrio.

Embora seu campo temático seja muito mais abrangente do que isso, ele será particularmente lembrado pela sua importância para o liberalismo brasileiro.

Entre os últimos apelos de Antonio Paim aos jovens liberais, esteve o de que não deixassem que suas diferenças impedissem a atuação conjunta para influir no rumo dos acontecimentos.

Crítico do patrimonialismo –entrave persistente de nossa cultura política, em que insiste em sobreviver a confusão viciosa entre público e privado–, ele também teve a rara virtude de não endossar narrativas que glorificassem apenas aquilo que esbanja ares de novidade.

É o principal responsável pela preservação da memória da tradição liberal brasileira, fornecendo, em História do Liberalismo Brasileiro, contribuições originais, como o realce da figura do teórico português Silvestre Pinheiro Ferreira para a constituição do sistema representativo no período imperial.

O gigante baiano era motivado pela convicção de que os liberais, de todas as vertentes, só obteriam sucesso caso se conectassem com as raízes de sua corrente de opinião no próprio país, recuperando as lutas dos que lhes antecederam. Conforme preconizou em A Querela do Estatismo, nenhuma tradição de pensamento –e com o liberalismo não é diferente– existe desencarnada, sem personagens e histórias.

Certo filósofo de Jacobina, agora e para sempre, figura nas páginas dessas histórias como um de seus mais fulgurantes protagonistas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.