Email entregue à CPI revela alerta da Pfizer a Bolsonaro já em março de 2020 sobre soluções para a pandemia

Presidente mundial da empresa informou mandatário brasileiro sobre esforços para combater Covid-19

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Brasília

Com assunto "COVID-19-Pfizer Update", um email do presidente mundial da Pfizer foi enviado à chefia de gabinete da Presidência da República no dia 17 de março de 2020 informando ao presidente Jair Bolsonaro medidas em andamento para ajudar no combate da pandemia.

O email, ao qual a Folha teve acesso, foi entregue à CPI da Covid do Senado em caráter sigiloso. A mensagem foi enviada aos endereços gabinetepessoal@presidencia.gov.br, agendapr@presidencia.gov.br e pedro.cesar@presidencia.gov.br. Pedro César era o chefe de gabinete de Bolsonaro na época. Hoje, ele é subchefe para assuntos jurídicos da Presidência.

A comunicação ocorreu seis dias depois de a OMS (Organização Mundial de Saúde) decretar estado de pandemia no mundo.

No email, Albert Bourla, CEO da Pfizer, se dirige diretamente a Bolsonaro e informa que a empresa, naquele momento, já buscava soluções contra o vírus para ajudar o mundo durante "tempos sem precedentes". Diz ainda que anexou documento com os principais pontos de compromissos adotados naquele momento.

O texto foi encaminhado com cópia para, além do gabinete presidencial, a chefia de gabinete do Ministério da Saúde, o gabinete da secretaria-executiva da pasta e o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster.

"A Pfizer continua a manter suprimentos de medicamentos críticos hospitalares e está em busca de soluções médicas contra a Covid-19. Ela também anunciou um plano de cinco compromissos para avançar nesse processo", diz o email.

A existência ou não de respostas do governo a Pfizer se tornou um dos temas centrais da CPI.

A Folha revelou que uma série de emails entregue pela Pfizer à CPI da Covid em caráter sigiloso mostra a insistência da farmacêutica para negociar vacinas com o governo e a ausência de respostas conclusivas do Ministério da Saúde à proposta apresentada pela empresa no meio do ano passado.

No intervalo de um mês, de 14 de agosto a 12 de setembro de 2020, quando o presidente mundial do laboratório mandou carta ao Brasil com uma oferta de doses de vacina, foram ao menos dez emails enviados pela farmacêutica discutindo e cobrando resposta formal do governo.

Em depoimento à CPI da Covid na semana passada, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, relatou esse pacote de cinco medidas, citado no email de março de 2020, a serem tomadas durante a pandemia que havia sido desenhado pelo CEO da companhia e enviado ao governo.

O primeiro ponto era tornar as ferramentas e conhecimentos da empresa abertas a cientistas. O segundo envolvia mobilizar os cientistas da empresa para buscarem soluções de enfrentamento da pandemia.

"O terceiro ponto desse plano consistia em colocar à disposição toda a nossa expertise, como companhia, no desenvolvimento de uma solução terapêutica, especialmente para as companhias biotecnológicas menores", contou Murillo. O quarto ponto previa colocar à disposição a "expertise e capacidade de fabricação de medicamentos" mesmo que a solução fosse encontrada por outra empresa.

O quinto era o que eles chamaram de "colaboração sem precedentes" tanto no nível privado como público-privado. "Talvez o melhor exemplo do resultado dessa colaboração foi a parceria da Pfizer com a empresa biotecnológica BioNTech", disse Murillo à CPI. "Hoje estamos aqui e temos esta possibilidade de falar de vacinas em grande medida como resultado dessa colaboração sem precedentes."

"Como consequência desse esforço sem precedentes, nós fomos capazes de oferecer para o mundo a primeira vacina eficaz e segura contra a Covid-19", afirmou Murillo. Não é possível saber se houve resposta da Presidência. O Palácio do Planalto foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.

Segundo documentos da Pfizer que estão na CPI da Covid, o próximo contato que a farmacêutica fez com o governo foi no dia 20 de maio, dois meses, portanto, do primeiro email enviado a Bolsonaro.

Naquela data, a empresa pede audiência ao ministro da Saúde e ao vice-presidente da República com o então presidente da Pfizer no Brasil para tratar de avanços da farmacêutica no combate da Covid.

Daquela troca de emails é agendada uma reunião virtual entre representantes da Pfizer e técnicos do governo brasileiro para o início de junho. No final daquele mês, a farmacêutica procura novamente o Ministério da Saúde, desta vez para falar sobre o desenvolvimento da vacina.

Pouco tempo depois, o laboratório assina Termo de Confidencialidade com o governo brasileiro, em 14 de julho, e, no dia 21 daquele mês, a Pfizer envia ofício ao ministério confirmando a participação do Brasil no estudo clínico de estágio final da vacina, que havia sido aprovado pela Anvisa.

Ainda no dia 21, a Pfizer reitera solicitação de audiência para apresentar uma proposta da Pfizer de fornecimento de vacinas. Um email do laboratório indica que uma audiência ocorreu no dia 29 daquele mês.

Outros emails são trocados até que nova reunião acontece no início de agosto. Depois desta audiência, no dia 14 daquele mês, como mostrou reportagem da Folha, a Pfizer formaliza por email enviado a autoridades e técnicos do Ministério da Saúde duas propostas de fornecimento de vacinas: uma com 30 milhões de doses e outra, com 70 milhões, cujos termos eram válidos por 15 dias, encerrados em 29 de agosto.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

As informações da CPI mostram que os emails enviados pela Pfizer ao Ministério da Saúde, evidenciam a insistência da farmacêutica para negociar vacinas com o governo federal, ao mesmo tempo que deixam clara a ausência de respostas conclusivas às propostas apresentadas pela empresa.

Houve dois contatos telefônicos no período entre técnicos do Ministério da Saúde e representantes da Pfizer, mas os documentos da farmacêutica indicam que não houve nenhuma resposta conclusiva do governo sobre a oferta que havia sido feita.

Passada a data limite para assinatura do contrato, em 29 de agosto, houve novo email da Pfizer a técnicos do ministério respondendo a pedido de informação com dados sobre a vacina até que, em 12 de setembro, foi encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro com cópia para outras autoridades a carta do presidente mundial da Pfizer, Albert Bourla, na qual ele afirma que não houve resposta do governo brasileiro à proposta apresentada pela farmacêutica.

As tratativas só são intensificadas novamente no final de outubro, passando por negociacões em novembro, até o Brasil finalmente apresentar uma contraproposta à oferta da Pfizer em dezembro.

Durante a troca de emails, representantes do laboratório deixam claro que o fato de não terem ainda o registro da vacina na Anvisa não seria um problema ao Brasil, já que o contrato só seria assinado após a autorização para uso do imunizante. Ou seja, não haveria prejuízo financeiro ao país.

A oferta da Pfizer previa início de imunização em dezembro do ano passado, com 1,5 milhão de doses e mais 3 milhões no primeiro trimestre deste ano.

O Ministério da Saúde brasileiro só firmou acordo com o laboratório em março de 2021, quando adquiriu 100 milhões de doses —das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e o restante até setembro deste ano.​

Em depoimento à CPI nesta semana, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi questionado sobre o assunto e classificou a insistência do laboratório como “agressiva”.“Eu acredito que a estratégia de venda da Pfizer, a forma agressiva da publicidade, aquilo ali é uma estratégia de empresa. Então, ela veio muito forte para vender no Brasil, no boom da América Latina, o que é normal”, disse.

Senadores que integram o grupo majoritário da CPI da Covid, formado por independentes e oposição, consideram que os emails enviados pela Pfizer comprovam a omissão do governo nas tratativas para comprar vacinas contra a Covid-19.

O lado governista da comissão, por sua vez, considera que essas comunicações fazem parte de um esforço para se criar uma narrativa falsa contra o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Cronologia dos emails entre Pfizer e Ministério da Saúde

31 de julho de 2020
Pfizer pede audiência urgente com a pasta. País registrava cerca de 92,5 mil mortes

4 de agosto de 2020
Ministério confirma reunião para dia 6 de agosto

8 de agosto de 2020
País ultrapassa marca ​ de 100 mil mortos por Covid-19

14 de agosto de 2020
Empresa envia a proposta formal para fornecimento de futura vacina. Previsão era de 70 milhões de doses, acima das 30 milhões discutidas anteriormente

17 de agosto
Envia um email a técnicos da Saúde um link para acessar documentos com informações sobre a vacina e a proposta. Envia um segundo email a técnicos da Economia informando sobre a proposta que havia sido feita.

18 de agosto de 2020
​Pfizer afirma que consegue antecipar 1 milhão de doses para entrega em ainda 2020, após aval da Anvisa. Email reforça que a validade da proposta era 29 de agosto e pede urgência para resposta

19, 21, 25 e 26 de agosto de 2020
Pfizer faz contato telefônico e eletrônico e pede uma posição do ministério. Envia proposta com revisão no cronograma e entrega de doses

29 de agosto de 2020
​Data limite da primeira oferta. Não há documento entregue pela Pfizer à CPI referente a este dia. Mortes por Covid-19 passam de 120 mil

2, 12 e 15 de setembro de 2020
Pfizer faz novo contato com ministério e se coloca à disposição para reunião sobre o andamento dos estudos da vacina. No período, presidente mundial da Pfizer encaminha mensagem a Bolsonaro e Pazuello. Empresa diz que fechou acordo com os Estados Unidos e reforma que celeridade é crucial, pois há número limitado de doses em 2020. Email enviado ao presidente Bolsonaro e ministros é encaminhado a integrantes do Ministério da Saúde

14 de outubro de 2020
Número de mortes já passava de 150 mil no país. Empresa envia dados ao Programa Nacional de Imunizações

27 de outubro de 2020
Reunião entre Pfizer e governo para retomar as negociações

​10 de novembro de 2020
Pfizer tem reunião com Bolsonaro, Guedes e Wajngarten. Foi reapresentada a proposta de 70 milhões de doses, com um mínimo a ser adquirido no primeiro semestre e o restante no segundo semestre. Empresa reforça que contrato será efetivado somenta após aval da Anvisa, “sem qualquer risco/prejuízo financeiro ao país caso nossa vacina não receba o registro”

13 de novembro de 2020
Número de mortes chega a quase 165 mil. Ministério confirma reunião com a empresa para 17 de novembro

​Dia 24 de novembro de 2020
Pfizer manda termos atualizados do acordo. Validade da proposta é 7 de dezembro. Depois disso, doses serão distribuídas a outros países

​2 e 3 de dezembro de 2020
Empresa tenta contato telefônico e eletrônico, relata ter deixado inúmeras mensagens, mas não obteve a resposta

4 de dezembro de 2020
Ministério enviar uma contraproposta à empresa

6 e 9 de dezembro de 2020
Pfizer pede reunião para discutir contraproposta e mostra que memorando de entendimento depende de medida provisória do governo, ainda a ser editada

​10 de dezembro de 2020
Ministério fecha memorando de entendimento com a Pfizer. ​Brasil chega perto de 180 mil mortes

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