Teich cita dado incorreto sobre OMS e cloroquina na CPI da Covid; veja checagem

Ex-ministro da Saúde respondeu a perguntas de senadores sobre seus 29 dias à frente da pasta

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Agência Lupa

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestou depoimento na CPI da Covid no Senado nesta quarta-feira (5).

Em uma breve apresentação, ele falou sobre as ações que desempenhou à frente da pasta, onde permaneceu menos de um mês, entre 17 de abril e 15 de maio de 2020. Parte de sua explanação e das perguntas dos senadores se concentrou no uso de cloroquina contra a Covid-19.

As divergências sobre o tema entre Teich e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levaram à sua saída do Ministério da Saúde. Na terça-feira (4), o antecessor de Teich no ministério, Luiz Henrique Mandetta, já havia prestado depoimento à CPI.

A Lupa verificou algumas das declarações de Teich. A reportagem contatou o ex-ministro a respeito das verificações, e irá atualizar essa reportagem assim que tiver respostas.

Confira a seguir o trabalho de verificação:

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich durante depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (5)
O ex-ministro da Saúde Nelson Teich durante depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (5) - Pedro Ladeira/Folhapress

“A Organização Mundial de Saúde, em 5 de junho, coloca que a hidroxicloroquina e a cloroquina não deviam ser recomendadas”

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

FALSO

A OMS (Organização Mundial da Saúde) só publicou uma recomendação contrária ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra a Covid-19 em 1º de março de 2021.

A decisão foi tomada com base em seis estudos clínicos randomizados distintos, envolvendo mais de 6 mil voluntários.

Antes disso, a OMS reiterou diversas vezes que não havia comprovação científica de que estes medicamentos são eficazes contra o novo coronavírus, mas também não disse, explicitamente, que eles eram ineficazes.

No período citado por Teich, a OMS suspendeu, retomou e, depois, cancelou de forma definitiva ensaios clínicos com hidroxicloroquina no âmbito do Solidarity Trials —uma série de estudos em larga escala visando testar diferentes medicamentos para casos graves de Covid-19.

Na época, a própria OMS ressaltou que a decisão não valia para casos leves ou moderados da doença, nem para profilaxia.

No dia 25 de maio de 2020, o braço da pesquisa que avaliava esse medicamento foi suspenso temporariamente pela OMS, após a divulgação de um estudo observacional no periódico The Lancet que apontava para a ineficácia e insegurança do uso do remédio contra a Covid.

No entanto, após a publicação, pesquisadores encontraram inconsistências nos dados utilizados no artigo. Por causa disso, os próprios autores decidiram remover a publicação da plataforma. Assim, a OMS retomou a pesquisa em 3 de junho.

Contudo, em 17 de junho, a instituição voltou a suspender os testes com hidroxicloroquina. Desta vez, a decisão foi tomada com base nos dados da própria pesquisa, assim como em dois outros estudos clínicos que estavam sendo realizados paralelamente. Os testes foram cancelados definitivamente em 4 de julho.

“Taiwan fez 23 mil testes por milhão. O Brasil fez 217 mil. Isso são dados de hoje, de ontem. Então esses lugares fizeram pouco teste. Então na verdade não é o teste que faz a diferença, é o programa de controle de transmissão, do qual o teste faz parte”

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

VERDADEIRO, MAS

Os dados mencionados pelo ex-ministro Nelson Teich estão corretos e constam no Worldometers, base de dados criada a partir de informações fornecidas por órgãos oficiais dos países.

Contudo, o país asiático, que tem 23,5 milhões de habitantes (o equivalente a cerca de 11% da população brasileira), confirmou 1.160 casos de Covid-19 desde o início da pandemia. Ou seja, os casos da doença registrados em Taiwan desde 21 de janeiro de 2020, data em que o primeiro caso foi registrado ilha, equivalem a 0,008% dos casos registrados no Brasil durante a pandemia, ou 1,5% dos casos registrados em solo brasileiro somente no dia 4 de maio de 2021.

Desde o início da pandemia, Taiwan realizou 555.429 testes. Isso significa que, para cada caso confirmado da doença, foram realizados 479 testes. Já o Brasil fez 46,4 milhões de testes, e teve, desde o início da pandemia, 14,8 milhões de casos. Ou seja, para cada caso, foram realizados três testes.

O país asiático impôs medidas severas para barrar a disseminação do novo coronavírus. Antes mesmo da confirmação do primeiro caso, Taiwan estabeleceu um rígido controle de fronteiras, inicialmente com a China continental, e posteriormente com outras áreas afetadas pela pandemia.

Ao contrário do que sugere Teich, a orientação do governo do país foi de testar não só os casos suspeitos, mas também seus contatos. Pessoas com sintomas da doença foram obrigadas a ficar isoladas mesmo sem diagnóstico confirmado.

Desde o início, foram tomadas também medidas de distanciamento social e higiene. As medidas tomadas por Taiwan foram bem sucedidas, como mostra o baixo número de casos, e a ilha se tornou um exemplo de boas práticas contra a Covid-19.

"Existia um entendimento diferente do presidente [sobre a eficácia e extensão do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19], que era amparado na opinião de outros profissionais, até do Conselho Federal de Medicina, que naquele momento autorizou a extensão do uso"

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

VERDADEIRO

Cinco dias depois de Nelson Teich deixar o Ministério da Saúde, o governo mudou o protocolo e autorizou o uso de hidroxicloroquina para casos leves de Covid-19, apesar da falta de comprovação científica de eficácia do medicamento.

A nota informativa assinada pelo então ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, do dia 20 de maio de 2020, permitiu a aplicação do medicamento desde o primeiro dia dos sintomas.

Essa medida foi referendada pelo Conselho Federal de Medicina. Em 16 de abril, o conselho publicou o parecer nº 04/2020, no qual recomenda que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em casos leves e graves da doença seja “considerado” pelos médicos.

Entretanto, o mesmo documento reconhece que “não existem evidências robustas”, e que outras instituições, como a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, recomendava o uso desses medicamentos somente sob protocolo clínico de pesquisa.

Em seu depoimento à CPI da Covid, Teich explicou o que levou à sua saída do cargo de ministro da Saúde.

“As razões da minha saída do ministério são públicas. Elas se devem [...] à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina no tratamento da Covid-19. Enquanto minha convicção pessoal, baseada nos estudos, é que naquele momento não existia evidência de eficácia para liberar.”

“Naquela semana, teve uma fala do presidente ali na saída do Alvorada. Ele fala que o ministro tem que estar afinado. Ele cita o meu nome especificamente"

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

VERDADEIRO

No dia 13 de maio de 2020, dias antes de Teich deixar o cargo de ministro da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que todos os seus ministros deveriam estar “afinados” com os seus posicionamentos.

Essa fala surgiu após jornalistas mencionarem a opinião de Teich sobre o uso da cloroquina para tratar pacientes com Covid-19. Em sua declaração, Bolsonaro cita o então ministro da Saúde.

"Olha só, todos os ministros, eu já sei qual é a pergunta, têm que estar afinados comigo. Todos os ministros são indicações políticas minhas e quando eu converso com os ministros eu quero eficácia na ponta. Nesse caso, não é gostar ou não do ministro Teich, é o que está acontecendo", disse o presidente.

“Mesmo em um estudo clínico em geral, quando você tem o recrutamento das pessoas que vai fazer o estudo, aquelas pessoas com maior risco de ter complicação são excluídas. Então na prática você só consegue ter o teste real quando ele é usado em larga escala"

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

VERDADEIRO

Estudos clínicos devem ser testados em pessoas o mais saudáveis possível. De acordo com o professor e chefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Aguinaldo R. Pinto, esse padrão é adotado justamente porque em voluntários com mais possibilidade de complicações o perigo é maior.

"E como existe risco, seria eticamente inaceitável corrê-lo. Além do mais, ter outras doenças pode ser um fator confundidor, um fator a mais que pode levar a confundir a interpretação dos resultados. Quanto mais homogêneo o grupo em que o teste é realizado, melhor", disse.

No caso de testes de vacinas, o professor explicou, por WhatsApp, que “quando o imunizante vai para o mundo real, onde tem hipertensos, diabéticos, pessoas que tomam medicamentos etc, aí sim é que a ‘verdade’ aparece”.

"Eu vi um número que saiu na imprensa dizendo que 86% das pessoas não conseguem fazer home office, o que quer dizer que a maioria delas tem que interagir durante o dia, talvez indo para o trabalho"

Nelson Teich

Em depoimento à CPI da Covid

VERDADEIRO

Uma pesquisa realizada pela consultoria IDados em março deste ano mostrou que 86% do total de pessoas que estavam empregadas no final de 2019 não têm como trabalhar de casa.

O levantamento levou em consideração as vagas de trabalho, formais e informais, que têm como característica o trabalho presencial, como garçons, vendedores de lojas, manicures e empregadas domésticas.

Essas vagas somavam 79,7 milhões de trabalhadores, ou 86% do total de pessoas empregadas na época.

O trabalho doméstico, por exemplo, foi um dos setores mais atingidos em 2020. Segundo o IBGE, só entre setembro de novembro do ano passado, 1,5 milhão de profissionais dessa área perderam o emprego.

Carol Macário , Marcela Duarte , Maurício Moraes e Nathália Afonso
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