Bolsonaro ataca CPI da Covid e diz que 'acusação é arma que sobra' no caso Covaxin

Em live à noite, presidente diz que 'quem buscou armar isso daí vai se dar mal' e que deputado deve querer 'desgastar governo'

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Salvador , Jucurutu (RN) e Brasília

Acossado pelas suspeitas em torno da compra da vacina Covaxin, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fustigou integrantes da CPI da Covid, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre o imunizante indiano é a arma que sobra aos seus opositores.

"Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente nesta quinta-feira (24) na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte.

Repetindo o roteiro do discurso que fez mais cedo em Jucurutu (RN), Bolsonaro voltou a afirmar que não há suspeitas de corrupção em seu governo: "As poucas acusações que ocorrem são mentiras, são fake news".

À noite, Bolsonaro usou sua live semanal para voltar ao assunto. Ele disse que não entraria em detalhes por se tratar de "uma coisa tão ridícula".

"Está essa onda toda aí que 'agora pegamos o governo Bolsonaro! Corrupto! Negociando vacina com 1.000% de sobrepreço!'", afirmou.

O presidente disse que esteve com o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) —que apontou as suspeitas junto com o irmão, que é servidor do Ministério da Saúde—, mas que ele "não falou nada de corrupção em andamento" e que agora "ele deve falar isso para desgastar o governo".

"Vai ser apurado. Com toda certeza quem buscou armar isso daí vai se dar mal", disse Bolsonaro.

No RN, o presidente da República atacou a CPI da Covid e seu relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). "Não adianta inventarem CPI pra querer me tirar do poder. Sete senadores, tendo à frente Renan Calheiros, dizem que eu não dou bom exemplo por questão da pandemia. Renan Calheiros, siga o meu exemplo: seja honesto".

Bolsonaro cercado por apoiadores
Bolsonaro cumprimenta apoiadores em Jucurutu (RN) para liberação de recursos e vistoria da barragem de Oiticica - Reprodução - 24.jun.2021/@jairmessias.bolsonaro no Facebook

Mais cedo, em Jucurutu, Bolsonaro já havia falado indiretamente das suspeitas relacionadas à compra da vacina Covaxin. "Não adianta inventar vacina, porque não recebemos uma dose sequer dessa que entrou na ordem do dia da imprensa ontem. Nós temos um compromisso. Se algo estiver errado, apuraremos."

O presidente também voltou a defender o voto impresso, afirmando que, caso fosse aprovado pelo Congresso, já seria uma realidade nas eleições de 2022. “A gente anda por aí, e o pessoal fala muito do voto impresso. Isso passa pelo Parlamento brasileiro. E tenha certeza de uma coisa, se passar pelo Parlamento e for promulgada essa PEC, nós teremos voto impresso no ano que vem."

Bolsonaro disse ainda que em seu governo não existe espaço para a corrupção. “E para a tristeza de alguns poucos, o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação sequer de corrupção. Nós temos um compromisso, se algo estiver errado, apuraremos. Mas, graças a Deus, até o momento, não temos um só ato de corrupção. Quem podia esperar isso daí?”

O presidente disse não ter obrigação de "dar entrevista" para falar do caso Covaxin. "Eu não tenho que responder perguntas de muitos idiotas, que o tempo todo só vêm debaixo na gente. Não estou livre de errar, mas tenho humildade suficiente pra reconhecer, tudo isso acontece."

O presidente visitou o município de Jucurutu para participar de uma visita técnica à barragem de Oiticica, que, quando estiver pronta, atenderá 330 mil pessoas na região.

Em Pau dos Ferros, participou da assinatura da ordem de serviço do ramal do Apodi, canal que levará água da transposição do rio São Francisco até o Rio Grande do Norte.

Nos dois eventos, Bolsonaro estava acompanhado dos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Fábio Faria (Comunicações) —os três não usaram máscaras de proteção contra a Covid-19.

As suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin atingiram o Palácio do Planalto, com o relato de que o próprio Bolsonaro foi alertado há mais de três meses dos indícios de irregularidades.

O surgimento de novos fatos resultou em uma nova linha de investigação da CPI da Covid, que se tornou central e deve nortear as atividades da comissão pelas próximas semanas. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que talvez seja a denúncia mais grave já recebida pelo colegiado.

O Planalto, por sua vez, reagiu no fim da tarde desta quarta-feira (23) escalando um dos investigados pela CPI para explicar o caso Covaxin —Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde—, mas sem conseguir rebater o eixo das suspeitas.

Bolsonaro ainda pediu para que a Polícia Federal investigue o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), autores das acusações que o envolvem.

O caso em torno das suspeitas da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelado pela Folha na semana passada, com a divulgação do depoimento de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.

Ele disse ao Ministério Público Federal que recebeu uma "pressão atípica" para agilizar a liberação da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.

O contrato de R$ 1,6 bilhão entrou na mira da CPI, que suspeita de favorecimento para a vacina indiana e, em particular, para a empresa brasileira Precisa Medicamentos, que atuou como intermediária no negócio.

A Covaxin é a vacina mais cara negociada pelo governo federal, com valor de R$ 80 a dose. Além disso, as negociações foram concluídas em tempo recorde, quando comparada com os processos com a Pfizer e o Instituto Butantan.

COVAXIN: CRONOLOGIA, RAIO-X DA VACINA E QUEM É QUEM NESSA HISTÓRIA

Cronologia

1ª reunião (20.11)
É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech.

Comitiva (06.01)
Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a Bharat Biotech.

Carta ao 1º ministro (08.01)
O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que, no programa brasileiro de imunização, estão as vacinas da Bharat Biotech.

Ofício (18.01)
Ministério envia ofício a presidente da Precisa informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes.

Contrato assinado (25.02)
Contrato é assinado entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos para a aquisição de 20 milhões de doses.

Nova viagem (05.03)
Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde.

Pedido rejeitado (31.03)
Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério, por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável.

No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa.

Fim do prazo (06.05)
Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de doses. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Pedido aprovado (04.06)
Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Indícios de crime (16.06)
MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para ofício que cuida de combate à corrupção.

Raio-x:

  • Valor do contrato: R$ 1,61 bilhão
  • Doses a serem entregues: 20 milhões
  • Valor individual da dose: US$ 15 (R$ 80,70)

Preço das doses de outras vacinas contratadas:

  • Sputnik V: R$ 69,36
  • Coronavac: R$ 58,20
  • Pfizer: US$ 10 (R$ 56,30)
  • Janssen: US$ 10 (R$ 56,30)
  • AstraZeneca/Oxford: US$ 3,16 (R$ 19,87)

Quem é quem:

Precisa Medicamentos: é a empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech.

Francisco Emerson Maximiano: sócio-administrador da Precisa Medicamentos. É o empresário que foi à Índia para viabilizar a representação da vacina Covaxin no Brasil. Também se apresentou como representante de clínicas privadas de vacinação. Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde.

Global Gestão em Saúde: a empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e indevidos feitos pelo Ministério da Saúde. O valor soma R$ 20 milhões. Segundo a ação de improbidade, a Global não forneceu medicamentos para doenças raras e, mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. Catorze pacientes morreram, segundo o MPF.

Tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho: do grupo próximo do general Eduardo Pazuello, e indicado por ele ao cargo, Marinho foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Parte da pressão para tentar a importação da Covaxin, apesar da falta de documentos junto à Anvisa, partiu do tenente-coronel, segundo depoimento de servidor ao MPF.

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