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Justiça Eleitoral absolve Haddad da acusação de caixa dois nas eleições de 2012

Ex-prefeito de São Paulo havia recebido pena de quatro anos e seis meses de prisão

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São Paulo

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) absolveu por unanimidade o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) da acusação de prática de caixa dois nas eleições municipais de 2012, derrubando condenação de primeira instância que havia sido imposta ao petista.

A pena aplicada a Haddad em agosto de 2019 havia sido de quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto, mas o petista recorreu em liberdade ao TRE.​

No julgamento desta terça-feira (27), o relator do processo na corte, Afonso Celso da Silva, afirmou em seu voto que nos autos da causa não há provas suficientes para demonstrar que o ex-prefeito cometeu o suposto delito.

Também votaram favoravelmente a Haddad no caso os juízes Paulo Galizia, Marcelo Vieira, Mauricio Fiorito, Manuel Marcelino e Nelton dos Santos, e assim o placar do julgamento foi de 6 a 0.

Na primeira instância, o juiz eleitoral Francisco Carlos Shintate havia condenado Haddad sob o argumento de que duas gráficas emitiram notas fiscais frias para a campanha vitoriosa dele à Prefeitura de São Paulo em 2012, e o petista cometeu crime eleitoral ao incluir esses documentos em sua prestação de contas.

Para fundamentar a punição, o magistrado apresentou na sentença uma avaliação do consumo de energia elétrica das gráficas e alegou que a estimativa indicava que as empresas não prestaram os serviços descritos nas notas ficais, e isso demonstrava que os documentos fiscais eram falsos.

Porém, cerca de um mês após a decisão de primeira instância, a Folha mostrou que a avaliação do juiz não teve base em perícia técnica e resultou de uma análise equivocada de gastos de eletricidade na impressão de material de campanha.

Na decisão desta terça-feira, o relator do processo no TRE criticou a falta de perícia técnica no caso. “A questão relativa ao consumo de energia estava a reclamar dilação probatória específica, com a realização de prova pericial própria, de modo que fosse atribuída certeza a fatos que dependem de conhecimento técnico específico”, disse Silva.

O juiz do TRE também reconheceu a falha na estimativa do magistrado de primeira instância. “A análise das contas de energia apresentadas tal como ocorrida no decisum condenatório não conduz à conclusão ali apresentada, no tocante à capacidade de produção ou efetiva produtividade das gráficas”, afirmou.​

O tesoureiro da campanha de Haddad em 2012, Francisco Macena, também foi absolvido por insuficiência de provas.

Por razões técnicas diferentes no processo, o TRE anulou a parte de sentença de Shintate que havia condenado o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pelos crimes comuns de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Os magistrados do tribunal entenderam que o juiz de primeira instância julgou em desconformidade com a lei ao punir Vaccari por delitos que não constavam na denúncia inicial do Ministério Público.

Os advogados Pierpaolo Bottini, Fernando Neisser e Tiago Rocha, defensores de Haddad, afirmaram em nota que a “decisão põe fim a uma grande injustiça, que lançava uma sombra injusta sobre a integridade do ex-prefeito. A denúncia alegava a inexistência de materiais de campanha, que foram comprovadamente produzidos, por gráficas que atuaram para mais de 20 partidos políticos”.

Para a defesa de Macena, composta pelos advogados Leandro Raca e Danyelle Galvão, com a decisão "o tribunal repôs a verdade, após amplo uso político da condenação dissociada das provas dos autos, nas eleições de 2016 e 2018".

Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado de Vaccari, afirmou que o julgamento do TRE “restabelece a Justiça buscada por meio dos recursos impetrados pela defesa”.

No processo na primeira instância na Justiça Eleitoral, foram examinados os envolvimentos da LWC Editora Gráfica e da Cândido Oliveira Gráfica, apontadas como as emissoras de notas fiscais falsas à campanha de Haddad.

No caso da LWC, o juiz Shintate afirmou, sem parecer técnico, que a gráfica não teve aumento substancial de consumo de energia no período eleitoral de 2012 e isso indicou que a empresa não produziu efetivamente o material de propaganda eleitoral registrado nos documentos fiscais fornecidos para o petista.

A tabela usada pelo juiz como fundamento para a decisão foi incluída na sentença. Com ela, é possível comparar os gastos de energia da gráfica nos meses de agosto e setembro de 2012, bimestre de pico das campanhas, com os dados relativos ao mesmo período do ano anterior, quando não houve eleição.

Assim, em relação a agosto, a elevação foi de 50% na comparação entre os consumos de 2011 e 2012 (46,3 mil kWh e 69,4 mil kWh, respectivamente). Quanto a setembro, o acréscimo foi de 33% (62 mil kWh em 2011 e 82,6 mil kWh em 2012). ​

Segundo a decisão judicial de primeiro grau, agora revertida pelo TRE-SP, esses aumentos na conta de luz não foram significativos, conclusão que foi uma das bases da condenação de Haddad.

Mas três técnicos do setor de gráficas e um de uma fabricante de máquinas ouvidos pela Folha afirmaram que o acréscimo de pelo menos 20 mil kWh verificados nesses dois meses seriam suficientes para a produção do material declarado por Haddad.

Segundo levantamento feito pela reportagem nas notas fiscais declaradas pelo petista, a LWC produziu 4,8 milhões de panfletos e 3,7 milhões de cards (propaganda em papel duro, do tamanho de um cartão de visita) em agosto de 2012. No mês seguinte, a produção foi de 300 mil panfletos, 900 mil folhetos e 3 milhões de cards.

A Folha também pediu à defesa de Francisco Carlos de Souza, conhecido como Chicão, dono da gráfica, a relação de equipamentos que a firma usava à época. Com base nesses dados, a reportagem procurou uma das fabricantes das máquinas e solicitou um cálculo do consumo de energia para produção da quantidade de material de campanha que consta nas notas fiscais de Haddad.

Segundo a estimativa da fabricante, que preferiu não ser identificada, a produção de 4,8 milhões de panfletos e 3,7 milhões de cards consumiria ao todo 10,7 mil kWh em 204 horas de trabalho. Já a confecção de 300 mil panfletos, 900 mil folhetos e 3 milhões de cards empregaria 2.800 kWh em 53 horas de trabalho, de acordo com a estimativa.

Assim, para os técnicos ouvidos pela reportagem, a sentença apresentava dois problemas: não houve perícia técnica no processo e houve equívoco no argumento de que o aumento no consumo de energia da gráfica LWC não foi significativo em agosto e setembro de 2012.

Em relação à outra empresa acusada, a Cândido Oliveira Gráfica, a defesa da firma apresentou uma alteração de contrato social e disse que meses antes das eleições ocorreu uma mudança no local de produção de material de campanha, mas essa situação não foi registrada na concessionária de energia.

A gráfica juntou aos autos uma conta de energia de seu novo endereço, que ainda estava em nome de outra empresa, do mês de setembro de 2012, período de campanha, com consumo de 55 mil kWh.

O magistrado de primeira instância, porém, entendeu que tais documentos não serviram para comprovar que a gráfica prestou os serviços descritos nas notas que emitiu para Haddad.

Na decisão judicial de primeiro grau, o juiz ainda argumentou que um levantamento da Polícia Federal mostrou que a empresa tinha seis funcionários à época da eleição, e tal número seria insuficiente para produzir o material. Mas, a exemplo da avaliação sobre o consumo de energia elétrica, não usou nenhuma perícia específica e teve por base apenas dados levantados pela PF.

Uma outra justificativa apresentada pelo juiz foi a de que as gráficas não utilizaram insumos suficientes para a realização dos trabalhos, novamente sem um laudo sobre o tema.

De acordo com o magistrado, em interrogatório, Haddad disse que não se preocupava em controlar diretamente as despesas de campanha e delegava tal atividade a Francisco Macena, o tesoureiro responsável pelas contas do petista. Para o juiz, foi essa postura de Haddad que permitiu a responsabilização dele no caso.

“Ao se desinteressar do controle das despesas e não conferir as notas fiscais e respectivos recibos, criou o risco não permitido de falsidade ideológica para fins eleitorais, com o uso de notas fiscais falsas na prestação de contas, o que veio a se concretizar, sabido que tem havido grande incidência de processos por caixa dois eleitoral, em razão de doações não contabilizadas e de despesas inexistentes lançadas”, sentenciou o magistrado.

Shintate entendeu em 2019 que o fato de a prestação de contas de Haddad trazer essas notas levou à configuração do crime que, no jargão técnico, é denominado falsidade ideológica para fins eleitorais, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. Esse foi o delito expressamente mencionado no pedido de condenação que consta na denúncia oferecida pelo Ministério Público em maio de 2018.

O magistrado de primeira já havia absolvido Haddad quanto à prática de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, improbidade e quadrilha. Para tratar desses outros delitos, invocou decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) que autorizam juízes eleitorais a apreciarem crimes comuns conexos às condutas delituosas de natureza eleitoral.

Apesar de a denúncia somente ter requerido a punição de Haddad pelo crime de falsidade ideológica para fins eleitorais, a peça acusatória descreveu outras situações, como o suposto repasse de dinheiro oriundo do esquema de corrupção na Petrobras, investigado na Operação Lava Jato, para pagar dívidas de campanha do ex-prefeito.

Com base nesse relato da denúncia e nas decisões recentes do STF sobre crimes conexos, o juiz eleitoral de primeira instância já havia absolvido Haddad.

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