Câmara enfrenta pressão sobre voto impresso, e Bolsonaro exalta militares após discurso de derrota

Análise da PEC que promove mudanças em eleições está prevista para esta terça, e expectativa é que seja rejeitada; presidente recebe desfile das Forças

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Brasília

Com a expectativa de análise da proposta que estabelece o voto impresso no país nesta terça-feira (10), aliados de Jair Bolsonaro ampliaram a pressão sobre deputados para tentar reverter o jogo e aprovar o texto, mas o próprio presidente já apresentava um discurso de derrota em relação ao tema.

Em meio às pressões de lado a lado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reafirmou a intenção de votar a proposta nesta terça, mas abriu brecha para que a análise da PEC seja adiada caso esse seja o desejo dos deputados e da população —sem explicar como mediria a expectativa popular.

Além das próprias declarações golpistas, com ameaças à realização das eleições do ano que vem caso o voto impresso não fosse aprovado, Bolsonaro mobilizou a militância para pressionar parlamentares e convocou as Forças Armadas para fazer um desfile de blindados nesta terça.

O ato do Ministério da Defesa, que colocará na rua mais de 150 equipamentos diferentes sob o pretexto de convidar Bolsonaro para um evento militar, foi visto no Parlamento como outra forma de o mandatário pressionar os deputados a votarem a favor da PEC do voto impresso.

Em entrevista na noite desta segunda, Lira admitiu que "cabe" neste momento a especulação de que o desfile foi convocado para pressionar os parlamentares a aprovarem o voto impresso, mas classificou a mobilização militar como uma "coincidência trágica".

O presidente da Câmara disse ter conversado com Bolsonaro a respeito do tema. Segundo ele, Bolsonaro negou que tenha sido essa a intenção do Ministério da Defesa. Ainda assim, Lira abriu a possibilidade de adiar a votação da proposta para evitar a coincidência de datas.

"Eu acredito que quanto à votação [da PEC do voto impresso] nós não vamos ter problema. Se os deputados quiserem e a população achar que é conveniente, a gente pode adiar a votação."

"Quero acreditar que esse movimento [desfile] já estava programado, só não é usual. Não sendo usual, num país que está polarizado, isso dá cabimento para que se especule algum tipo de pressão", afirmou Lira em entrevista ao site Antagonista.

À noite, em redes sociais, Bolsonaro anunciou um convite aos presidentes das Casas Legislativas e do Judiciário para que também participem do evento com os veículos militares.

"Sr. Presidente do ... STF, Câmara Federal, Senado, TCU, TSE, STJ, TST, Deputados, Senadores... : Como ocorre desde 1988, a nossa Marinha realiza exercícios em Formosa/GO. Como a tropa vem do Rio, Brasília é passagem obrigatória. Muito me honraria sua presença amanhã na Presidência (08h30), onde receberei os cumprimentos da Força e lhes desejarei boa sorte na missão", divulgou Bolsonaro, que se apresentou como "Chefe Supremo das Forças Armadas".

Apesar da fala do presidente da Câmara em relação ao projeto do voto impresso, a previsão na noite de segunda era a de que a votação ainda ocorresse nesta terça.

Já ensaiando um discurso de derrota, o presidente, pela manhã, atribuiu a uma interferência do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as chances de a proposta não vingar na Câmara.

"Se não tivermos uma negociação antes, um acordo, vai ser derrotada a proposta. Porque o ministro Barroso apavorou alguns parlamentares, e tem parlamentar que deve alguma coisa na Justiça, deve no Supremo. Então o Barroso apavorou", disse o presidente, em entrevista a uma rádio bolsonarista.

Nesta segunda-feira, à mesma rádio, Bolsonaro voltou a chamar Barroso, que é presidente do TSE, de "mentiroso". "Parece que o poder de persuasão, de intimidação do Barroso, está fazendo a diferença dentro do Parlamento brasileiro", disse Bolsonaro na entrevista.

À noite, disse a apoiadores que tem "outros mecanismos" para "colaborar para que não haja suspeita". "Está prevista amanhã [terça] a votação. Não sei o que vai acontecer. Vamos em frente aí", disse para apoiadores, ao chegar ao Palácio do Alvorada. Ele não explicou que mecanismos seriam esses.

Está em gestação entre a cúpula dos Poderes a possibilidade de ampliar o número de urnas eletrônicas que passam por teste de integridade.

Uma parte dos deputados avalia que a proposta de voto impresso a ser votada nesta terça não alcançará o apoio nem de 200 parlamentares —para aprovar o texto original, seriam necessários ao menos 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.

Alguns líderes partidários estimam que o respaldo não chegaria a 170, o que reproduziria o resultado da comissão especial, onde a PEC, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), teve o parecer favorável rejeitado por 23 votos a 11 (dois terços dos membros).

Durante a reunião de líderes da base com Arthur Lira nesta segunda, a avaliação majoritária foi a de que a matéria será derrotada. Deputados que participaram do encontro disseram, em tom de brincadeira, que o presidente da Câmara praticamente fez campanha para o voto contrário ao texto durante o almoço.

Líderes de dois partidos, porém, ponderaram que a pressão nas redes sociais estava intensa e temem que o placar seja apertado. Se isso ocorrer, avaliam, poderá ser dado novo combustível para que Bolsonaro questione o resultado do plenário.

Por isso, líderes partidários se articularam para buscar mais votos contrários com o intuito de consolidar uma derrota acachapante da PEC.

Ao longo desta segunda, parlamentares receberam enxurradas de mensagens pelas redes sociais e pelo WhastApp pedindo a aprovação da proposta.

Esta pressão angariou votos de última hora em partidos como o Patriota e o Podemos, cujas bancadas juntas somam 16 deputados. Outros partidos da base do governo mais numerosos, porém, decidiram não empunhar a bandeira do presidente.

Um exemplo é o PP, que é comandado pelo ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), licenciado da função. A bancada do partido, que está dividida, será liberada a votar como quiser no texto.

A decisão do presidente da Câmara de levar o tema ao plenário constituiu um gesto a Bolsonaro, que queria mais tempo para articular a aprovação e uma nova chance de aprovar a proposta depois de ela ter sido derrotada em comissão especial.

Por outro lado, Lira só levou o caso à análise de todos os deputados com a expectativa de que a proposta seja derrotada. A intenção do deputado, segundo aliados, é enterrar de vez o tema e esvaziar o discurso golpista de Bolsonaro.

Durante a reunião com deputados, Lira frisou aos pares que conversou com Bolsonaro e com a cúpula do Judiciário para pedir a ambos que respeitem o resultado da votação no plenário.

Mais cedo, em entrevista concedida à CBN, o presidente da Câmara disse que tomou a decisão de levar a PEC ao plenário após consultar ministros do STF, líderes partidários e deputados, além do aval do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

O presidente da Câmara argumentou que a discussão sobre o voto impresso cabe ao plenário da Casa, e não ao Judiciário ou ao Executivo, e disse esperar que a decisão dos deputados seja acatada com tranquilidade e respeitada pelos Poderes.

“Vai ser discutido, os deputados irão se expressar, e o resultado do plenário...a nossa expectativa é que as instituições, os Poderes, acatem com tranquilidade, respeitem e admitam que seu resultado será definitivo.”

Na avaliação de Lira, “nunca uma PEC criou tanta polêmica e esticou tanto a corda na relação entre os Poderes como a questão do voto impresso e do voto auditável.” Ele calcula que, com 15 a 16 partidos contrários ao tema na Casa, as chances de aprovação da PEC seriam pequenas.

“E nesse caso, também, quem for vencido tem que serenar”, disse Lira. Segundo ele, Bolsonaro garantiu a ele, em conversa por telefone na sexta, que respeitaria o resultado do plenário.

A expectativa do presidente da Câmara e de ministros do governo é que, uma vez que a proposta seja derrotada pela maioria dos deputados, Bolsonaro recue no discurso golpista de que não haverá eleição sem o voto impresso.

O presidente alimentou mais teorias da conspiração contestadas pelo TSE ou sem comprovação para alegar que, na verdade, ele teria recebido mais votos do que os computados no pleito de 2018.

Bolsonaro venceu o segundo turno das eleições de 2018, numa disputa com Fernando Haddad (PT). O resultado final foi 53,13% para o atual presidente contra 44,87% para o petista.

O presidente também disse, mais uma vez, que em um inquérito da Polícia Federal teria reconhecido que um hacker invadiu o sistema do TSE em 2018.

O TSE rebateu Bolsonaro na semana passada. Disse que o episódio foi divulgado na época em vários veículos de comunicação e não representou nenhum risco à integridade das eleições.

Em sua defesa voto impresso, Bolsonaro desencadeou uma série de declarações golpistas que colocaram em dúvida a realização das eleições no ano que vem. "Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”, disse Bolsonaro em 1º de agosto.

As falas contra as instituições do país abriram uma crise com o Judiciário.

Na tentativa de amenizar o clima entre os Poderes, Lira e integrantes do governo, como Ciro Nogueira, articulam junto a ministros do TSE uma contrapartida ao presidente da República, como um prêmio de consolação, para que não haja um clima de "vencidos e vencedores".

Uma ideia colocada sobre a mesa é aumentar o número de urnas que passam por teste de integridade, uma espécie de auditoria, nas eleições do ano que vem.

A mudança pode ser feita pelo próprio Judiciário e seria uma forma de alegar que houve aumento na segurança das votações do próximo pleito.

Nesta segunda (9), Lira disse que podem subir de 100 para até 2.500 o número de urnas que podem passar por testes de integridade em 2022.

Entenda a PEC do voto impresso

O que é
Estabelece a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica. O projeto obriga a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, que seriam depositadas em uma urna, de forma automática e sem contato manual

Tramitação
Na Câmara, depende da aprovação de ao menos 308 dos 513 deputados, em votação em dois turnos. Depois, segue para o Senado, onde precisa do aval de pelo menos 49 dos 81 parlamentares, também em dois turnos. Se aprovada nas duas Casas, a PEC é promulgada, sem necessidade de sanção presidencial

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