Descrição de chapéu ameaça autoritária

Não desejo provocar rupturas, mas tudo tem limite, diz Bolsonaro em nova ameaça golpista

Presidente estimula evangélicos a participarem de atos no 7 de Setembro e projeta para o futuro 'estar preso, morto ou a vitória'

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Goiânia e Brasília

Em novo episódio da crise institucional provocada por ele mesmo, o presidente Jair Bolsonaro disse neste sábado (28), durante um culto em Goiânia, que não deseja dar golpe ou causar ruptura, mas que "tudo tem limite".

"Temos um presidente que não deseja nem provoca rupturas, mas tudo tem um limite em nossa vida. Não podemos continuar convivendo com isso", disse o presidente durante evento na Assembleia de Deus.

Bolsonaro voltou a sugerir que não aceitará o resultado das eleições de 2022 caso seja derrotado. Para isso, projetou três alternativas para seu futuro: "Estar preso, ser morto ou a vitória". Ele também já disse mais de uma vez que só Deus o tira da cadeira de presidente.

O presidente estimulou que líderes evangélicos participem de atos de viés golpista a favor do governo marcados para o feriado de 7 de Setembro.

O presidente Jair Bolsonaro (de camisa azul no palco) participa de culto com líderes evangélicos em Goiânia
O presidente Jair Bolsonaro (de camisa azul no palco) participa de culto com líderes evangélicos em Goiânia - Alan Santos/Presidência da República

Bolsonaro disse aos apoiadores no culto que não há chance de ser preso. "Nenhum homem aqui na terra vai me amedrontar". "Vivo? Dependo de Deus. Uma vitória, ao lado de vocês", afirmou.

Em outro trecho de seu discurso, declarou que não quer dar um golpe. "Eu já sou presidente. Vou querer dar um golpe em mim mesmo?"

Antes, ele criticava ações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que atingiram bolsonaristas.

"Sei que a grande, grande maioria dos líderes evangélicos vão participar desse movimento de 7 de Setembro. E assim tem de fazê-lo. Está garantido em nossa Constituição. Espero que não queiram tomar medidas para conter esse movimento", disse Bolsonaro.

O presidente tem feito declarações golpistas e sugerido que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso seja mantido o sistema de votação com as urnas eletrônicas —a PEC do voto impresso foi derrotada na Câmara.

Mais tarde, em encontro com políticos ainda na capital de Goiás, Bolsonaro disse, em tom de desafio, que os ministros do Supremo poderiam participar das manifestações. "Digo mais, convido também qualquer um dos 11 ministros do STF a ocupar o carro de som e falar com o povo brasileiro."

Durante o encontro, o presidente afirmou que "quase a totalidade" dos cerca de 6.000 indígenas que acampam em Brasília foi arrebanhada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e não sabe o que faz na capital federal.

O chefe do Executivo sugeriu que pode não aceitar eventual decisão do STF contrária à tese do marco legal para demarcação das terras indígenas. "Se aprovado, tenho duas opções. Não vou dizer agora, mas já está decidida a nossa posição. É aquela que interessa ao povo brasileiro."

O Supremo retoma na próxima semana o julgamento do marco temporal, que estabelece a promulgação da Constituição de 1988 como data-limite em que as terras indígenas deveriam estar ocupadas para ocorrer a demarcação.

Para Bolsonaro, se o pleito dos indígenas for aceito, isso iria inviabilizar o agronegócio brasileiro. Sem apresentar evidências, ele afirmou que uma área do tamanha do sul do Brasil pode ser demarcada.

A escalada do discurso autoritário provocou desgaste institucional e ocorre também em meio às crises sanitária da Covid-19 (que, apesar da redução de mortes e casos, ainda preocupa especialistas devido ao avanço da variante delta) e econômica (com temor de crescimento medíocre e inflação em alta).

O presidente ainda tem convocado a população para atos de viés golpista no feriado de 7 de Setembro. Ele chegou a citar no último dia 4 a hipótese de "antídoto" fora das "quatro linhas da Constituição".

Nesta sexta-feira (27), Bolsonaro estimulou a população a se armar e fez comparação entre compra do fuzil e do feijão, no momento em que o governo federal é criticado pela alta dos preços de alimentos. "Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado", disse a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

"Eu sei que custa caro. Daí tem um idiota que diz 'ah, tem que comprar feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar."

Mais cedo neste sábado, Bolsonaro respondeu comentários em rede social afirmando que fuzil garante liberdade para trabalhar e se alimentar.

"Garante a sua liberdade para você trabalhar e se alimentar. Sem ela, você poderá depender de migalhas do Estado", escreveu a um internauta que postou uma foto de um fuzil no prato com a frase "não alimenta".

Bolsonaro também rebateu um perfil que tem a hashtag #fiqueemcasa na foto de capa. "No mais, fique em casa que a economia a gente vê depois. Dessa forma, quem vai plantar feijão para você comer?", disse em comentário.

Outro internauta reclamou da inflação e pediu a demissão do ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente replicou com "fica em casa que a Economia a gente vê depois".

No evento com políticos em Goiânia, Bolsonaro segurou como se fosse arma uma viola que recebeu de presente. Disse, na sequência, que os CACs (Colecionador, Atirador e Caçador) "estão comprando fuzil" e repetiu que o "povo armado jamais será escravizado".

A agenda de Bolsonaro na capital goiana começou nesta sexta. Ele participou de evento militar e, em horário de expediente, de nova motociata. Além de políticos locais, o ex-piloto de F-1 Nelson Piquet acompanhou as atividades do presidente nos dois dias.

Os principais alvos das críticas de Bolsonaro são os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Nos discursos em Goiânia, ele não citou o nome dos ministros, mas disse que "uma ou duas pessoas tentam perverter a ordem pública com medidas arbitrárias e revanchistas".

"Quando a gente fala o que pode acontecer com o Brasil e alguns não acreditam, recomendo a vocês: olhem a Venezuela", disse Bolsonaro. Ele também declarou que a Argentina "não tem como não dar errado".

As Forças Armadas estão no centro da crise institucional. Bolsonaro promoveu no último dia 10 um desfile de blindados em frente ao Palácio do Planalto horas antes de a Câmara rejeitar proposta de voto impresso, ato lido como tentativa de intimidar o Congresso.

Além disso, o ministro da Defesa, Braga Netto, defendeu a discussão sobre a mudança no sistema de votação, ampliando a crise.

Não é de hoje que o presidente flerta com o golpismo ou faz declarações contrárias à democracia. Como governante, ele mantém este tipo de discurso.

"Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil”, afirmou em uma formatura de cadetes em fevereiro deste ano.

Em 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam a intervenção militar. No passado, em uma entrevista em 1999 quando ainda era deputado, Bolsonaro disse expressamente que, se fosse presidente, fecharia o Congresso.

Hoje, por um lado, há incerteza quanto a se Bolsonaro teria ou não apoio suficiente para ser bem-sucedido em eventual tentativa de se manter no poder ao arrepio da lei.

Por outro lado, torna-se cada vez mais próxima da unanimidade a avaliação de que é preciso levar a sério o risco de que, em um cenário desfavorável, ele saia da retórica e chegue às vias de fato.

O presidente usa e abusa de retórica golpista como forma de manter o fantasma vivo, e se apresenta como um corpo único com os militares. A realidade é bem mais complexa.

Não há pilares para um golpe clássico, como alinhamento entre as três Forças e parte significativa da sociedade civil, seja para tirar Bolsonaro, seja para transformá-lo num ditador. Há uma compreensão clara de que isso não seria digerido pelas elites, pela população e no exterior.

Bolsonaro claramente sonha com isso, e um roteiro de ruptura foi desenhado por seu ídolo Donald Trump, que viu hordas de apoiadores invadirem o Congresso para tentar impedir a validação da eleição de Joe Biden em 6 de janeiro.

Toda a defesa de que eleição sem voto impresso é fraude busca criar um arcabouço para, na visão dos mais pessimistas, forçar uma situação de conflito nas ruas caso Bolsonaro derreta de vez e seja derrotado nas urnas em 2022.

Isso levaria a impasses, como a decretação de uso de força federal ou mesmo estado de defesa em alguns locais. Há dúvidas se Bolsonaro iria atender a pedidos de ajuda de governadores opositores, por exemplo, o que levaria a crise para o Judiciário.

Comandantes são unânimes em dizer, durante conversas reservadas, que não há espaço para golpismos, mas o fato é que não houve nenhum teste de realidade sobre isso para atestar tal comprometimento.

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