Descrição de chapéu Folhajus ameaça autoritária

Oposição a Bolsonaro vai à Justiça contra veto de Doria a protesto em SP no dia 7 e mantém convocação

Organizadores pedem liberação de ato no Anhangabaú na mesma data da mobilização bolsonarista; juiz decide que manifestação concomitante só pode ser impedida na Paulista

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São Paulo

As entidades que convocam um ato contra Jair Bolsonaro para 7 de Setembro acionaram nesta sexta-feira (27) a Justiça de São Paulo para tentarem derrubar a decisão da gestão João Doria (PSDB) que vetou a realização nessa data de protestos contrários ao presidente no território estadual.

Com a determinação da SSP (Secretaria da Segurança Pública), apenas apoiadores de Bolsonaro terão o direito de saírem às ruas no Dia da Independência. Bolsonaristas farão um ato na avenida Paulista com a presença do presidente e bandeiras que flertam com o autoritarismo e o golpismo.

No pedido à Justiça, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro —fórum de partidos, movimentos sociais e centrais sindicais que fazem oposição ao governo e promoveram desde março quatro mobilizações— diz que a decisão de Doria contraria o direito de manifestação garantido pela Constituição.

Também nesta sexta, uma decisão do juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública da Capital, afirmou que "não há vedação possível" à realização de ato antagônico fora da Paulista. A sentença, que contraria a visão do governo, diz que a restrição só vale para a avenida.

Emitida antes do pedido feito pela campanha, a decisão animou os representantes da oposição, que anunciaram na quarta-feira (25) a transferência de seu ato para o vale do Anhangabaú (região central). A demanda das organizações deverá ser analisada pelo mesmo magistrado.

Na petição, o grupo afirma que Doria "incorre em patente ilegalidade" e que a atuação dele, "ao proibir o direito de reunião e manifestação pacífica em localidade diversa da avenida Paulista (vale do Anhangabaú), é inconstitucional e merece ser coarctada [restringida] pelo Poder Judiciário".

O documento sustenta ainda que a medida é desproporcional e representa "aberrante ilegalidade e perigosíssimo precedente à higidez do regime democrático".

O governador afirmou nesta quinta-feira (26), em entrevista coletiva, que a SSP daria resposta negativa à marcha da oposição. Ele rebateu as críticas à iniciativa nesta sexta (27) e disse que está "plenamente de acordo com a decisão" da secretaria de proibir protestos antagônicos no mesmo dia.

Segundo o tucano, que também rivaliza com o presidente e quer enfrentá-lo nas urnas nas eleições de 2022, o objetivo do veto é garantir a segurança e "proteger a vida dos manifestantes".

O pedido de liminar foi protocolado pelos detratores de Bolsonaro na 14ª Vara de Fazenda Pública, no âmbito de uma ação civil pública aberta em 2020 que determinou a proibição de utilização da avenida Paulista, em uma mesma data, por movimentos adversários no debate político nacional.

Foi nesse processo que o juiz Randolfo Campos reafirmou nesta sexta que a alternância entre os lados só é aplicável à via: "Já para local distinto, em respeito à regra constitucional, não há vedação possível, tanto por este juízo como por qualquer outro órgão público (ou mesmo por particulares)".

A oposição não descarta recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para assegurar a promoção do ato em outro lugar que não seja a Paulista. A proibição de Doria foi atacada também por especialistas da área do direito e políticos de partidos de esquerda, que apontaram inconstitucionalidade.

A Campanha Fora Bolsonaro mantém a convocação para as 14h do dia 7 no Anhangabaú. Panfletagens e outras atividades de divulgação que já estavam previstas para este fim de semana não foram suspensas. Além de São Paulo, a previsão é fazer protestos em outras cidades do país e do exterior.

A mobilização é preparada em conjunto com o Grito dos Excluídos, tradicional levante promovido no feriado da Independência por alas da Igreja Católica em todo o país. O ato na capital paulista é coordenado pela CMP (Central de Movimentos Populares), que também integra a campanha.

Os líderes da manifestação notificaram a Polícia Militar sobre a intenção de fazerem o evento no Anhangabaú. A PM enviou uma resposta nesta sexta convidando os representantes para uma reunião na terça-feira (31).

A SSP disse em nota neste sábado (28) que, "em relação à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito das manifestações de 7 de Setembro, reforça seu compromisso com a segurança de todas as pessoas e com sua missão de zelar pelo bom andamento dos atos e pela ordem pública, independentemente de posição ideológica dos organizadores".

"A SSP se posicionou de forma contrária à realização de atos conflitantes no mesmo dia levando em consideração os riscos de confronto entre os grupos e de possíveis violações à integridade física dos participantes. Como de praxe, entretanto, as forças de segurança estarão preparadas para acompanhar os atos públicos e irá adotar as medidas necessárias para assegurar o direito de todos à livre manifestação política."

A marcha contra o presidente estava marcada originalmente para ocorrer na avenida Paulista, mas a PM, que precisa ser comunicada previamente e faz o acompanhamento de manifestações, entendeu que a vez no dia 7, pela regra de alternância no uso da via, cabe aos bolsonaristas.

A campanha contestou o entendimento da PM e abriu uma disputa pela Paulista. Depois de pressionar Doria na tentativa de reverter o quadro e fracassar, o grupo desistiu da briga e transferiu a concentração para o Anhangabaú.

Ao iniciar as tratativas com a Prefeitura de São Paulo, que responde pelo uso do espaço, os organizadores foram avisados informalmente por integrantes da gestão Ricardo Nunes (MDB) que a SSP vetaria a realização de atos antagônicos na mesma data, o que se confirmou nesta quinta.

Apesar da proibição, a frente anti-Bolsonaro reafirmou a convocação sob o argumento de que a decisão judicial que balizou o encaminhamento da PM impede atos simultâneos apenas na avenida Paulista e libera a concentração em outros locais.

As mobilizações da Campanha Fora Bolsonaro, coalizão formada majoritariamente por movimentos e legendas de esquerda, como PT e PSOL, ganharam recentemente a adesão de forças de outras colorações ideológicas, como o movimento Acredito e o diretório municipal do PSDB na capital.

O grupo já tinha entrado com uma representação no Ministério Público Estadual, na semana passada, questionando a decisão da PM que priorizou o ato bolsonarista em detrimento da marcha contrária ao governo. Para a oposição, o critério adotado pela corporação foi errôneo.

A Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital encaminhou a solicitação ao juiz do caso, que se pronunciou nesta sexta sem entrar no mérito da interpretação feita pela PM. O magistrado, no entanto, considerou não haver problema na realização de ato com pauta oposta em outro local.

A SSP e o Palácio dos Bandeirantes endossaram a análise do comando de policiamento da área da Paulista.

Doria tem afirmado que as pessoas contrárias a Bolsonaro poderão usar a avenida Paulista para protestar no dia 12, domingo seguinte ao Dia da Independência. Para esse dia está marcado um ato articulado por MBL (Movimento Brasil Livre), VPR (Vem Pra Rua) e líderes de partidos como Novo e PSL.

A iniciativa, ligada a setores da direita, também expressará apoio a uma terceira via para as eleições de 2022, como opção a Bolsonaro a ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O governador paulista busca se colocar como o presidenciável do PSDB e ocupar esse espaço.

A proposta é rechaçada pela Campanha Fora Bolsonaro, que recusa a aglutinação e acusa o tucano de fazer jogada política ao sugerir a unificação. Doria está incentivando a concentração no dia 12 com a intenção de que o ato contrário ao presidente seja mais volumoso do que o dos apoiadores.

A SSP afirmou em nota que se posicionava contrariamente à realização de atos simultâneos e orientava a que ocorressem em datas distintas "em razão do elevado potencial de conflitos entre grupos antagônicos e do risco à integridade física de manifestantes e populares".

Doria afirmou nesta quinta que a proibição de manifestações contra Bolsonaro no 7 de Setembro foi decidida pelo Conselho de Segurança Pública, ligado à SSP, e que "não há conveniência de que grupos antagonistas se manifestem no mesmo dia, ainda que em locais diferentes".

Também argumentou que a ocorrência de ações concomitantes "põe em risco a segurança dos manifestantes" e "divide o esforço de segurança pública", já que o aparato da PM teria que ser mobilizado para acompanhar os dois atos.

O secretário de Segurança Pública em exercício, coronel Alvaro Batista Camilo, que estava ao lado de Doria durante o anúncio, disse que chamaria os opositores de Bolsonaro para uma conversa. Ele também sugeriu que, com a unificação no dia 12, o ato "ganharia até mais vulto".

Líderes da Campanha Fora Bolsonaro afirmaram nesta sexta que não foram procurados pela cúpula da SSP para nenhuma reunião de mediação. Camilo disse à reportagem que "a intenção de dialogar sempre existe".

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que "atenderá ao pedido para manifestação cívica no vale do Anhangabaú em 7 de Setembro desde que a proposta apresentada por partidos políticos e movimentos sociais seja devidamente aprovada pela SSP".

O Governo de São Paulo tem demonstrado preocupação com a agitação bolsonarista prevista para o dia 7. Como mostrou a Folha, as convocações para a data substituíram palavras de ordem com mensagens anticonstitucionais e autoritárias por termos que dão um verniz democrático às manifestações.

A possível presença de agentes de segurança pública e pessoas armadas entre os apoiadores do presidente alarmou autoridades. No início da semana, Doria alertou outros governadores sobre o risco de ações violentas.

A convocação une alas radicais de setores que ajudaram a levar o mandatário ao poder em 2018, como evangélicos, ruralistas, policiais e caminhoneiros, em meio às ameaças de Bolsonaro ao sistema democrático e às instituições, com ataques às urnas eletrônicas e ofensiva a ministros do STF.

A Polícia Militar de São Paulo afastou nesta semana o coronel Aleksander Lacerda, punido a pedido de Doria por ter feito uma convocação para o ato bolsonarista de 7 de Setembro e disparado uma série de críticas a políticos e ao Judiciário. O governador disse que não aceita indisciplina na PM.

A corporação também instaurou um procedimento disciplinar para apurar o caso. A conduta do coronel simboliza a percebida politização e bolsonarização das forças policiais do país, um dos elementos que impulsionam o temor de que os atos do dia 7 deem ensejo a algum tipo de ruptura institucional.

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