PGR pretende fatiar relatório da CPI da Covid para ações em curso no Ministério Público Federal

Equipe de Aras fez levantamento preliminar de procedimentos e procuradorias; análise sobre possíveis crimes de Bolsonaro é incerta

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Brasília

A PGR (Procuradoria-Geral da República) já tem um levantamento feito de procedimentos e áreas no MPF (Ministério Público Federal) para destinar fatias do relatório final da CPI da Covid no Senado, aprovado pelos senadores na noite desta terça-feira (26).

A elaboração do levantamento foi feita pelo Giac (Gabinete Integrado de Acompanhamento da Covid-19), uma unidade criada pela PGR para acompanhar medidas administrativas na pandemia e coordenar ações do MPF.

O relatório da CPI, que pede o indiciamento de duas empresas e 78 pessoas, entre elas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi entregue em mãos, nesta quarta-feira (27), ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

Senadores entregam a Aras nesta quarta-feira (27) relatório aprovado pela CPI da Covid, com pedido de indiciamento de Bolsonaro
Senadores entregam a Aras nesta quarta-feira (27) relatório aprovado pela CPI da Covid, com pedido de indiciamento de Bolsonaro - Pedro Ladeira - 18.ago.21/Folhapress

O levantamento já feito pela PGR levou em conta que a CPI entregaria o relatório final completo aprovado pelo colegiado, o que de fato ocorreu.

Assim, além de decisões sobre investigações da atuação de Bolsonaro, de seus ministros e de parlamentares aliados na pandemia, Aras e sua equipe teriam a prerrogativa de definir para onde serão remetidos os demais apontamentos do documento.

A CPI, porém, também tem a intenção de enviar fatias do relatório diretamente a procuradorias nos estados. Senadores entendem que essa prerrogativa é da comissão.

Caberá ao procurador-geral e à sua equipe tocar as investigações e diligências envolvendo as autoridades com foro especial junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Têm foro no STF Bolsonaro e seus quatro ministros com proposta de indiciamento: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Walter Braga Netto (Defesa) e Wagner Rosário (CGU).

O mesmo ocorre com dois filhos do presidente —senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)— e parlamentares federais aliados.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), tem foro junto ao STJ. Acusações que podem ser entendidas como improbidade administrativa teriam como destino a primeira instância da Justiça Federal.

Até o momento, o entorno de Aras não prevê a formação de uma força-tarefa para a análise do relatório aprovado e para definições sobre futuras investigações.

Os pedidos de indiciamento, embasados por provas reunidas ao longo de seis meses de investigação parlamentar, serão analisados especialmente pela assessoria criminal de Aras e pelo Giac.

A assessoria criminal é formada por subprocuradores-gerais da República da estrita confiança de Aras, em especial o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, e a coordenadora do grupo de trabalho para operações criminais no STF, Lindôra Araújo.

Existem procedimentos abertos em diferentes procuradorias da República, em especial em Brasília e no Amazonas.

O MPF no DF já havia pedido compartilhamento de provas —cópias de depoimentos prestados na CPI—para embasar um procedimento de investigação criminal que apura suspeitas de corrupção no contrato da vacina indiana Covaxin.

Os senadores que controlaram a CPI durante os seis meses de existência —o chamado G7— temem arquivamentos automáticos de acusações por Aras, em razão de sua atuação a favor de Bolsonaro e do governo ao longo do exercício do cargo de procurador-geral.

Lindôra, a principal aliada de Aras na esfera criminal, chegou a colocar em xeque a eficácia do uso de máscaras na prevenção da infecção pelo coronavírus, na contramão de um consenso científico a favor do equipamento de proteção.

Em manifestação enviada ao STF, a subprocuradora afirmou não ver crime na prática de Bolsonaro de não usar máscaras e de promover aglomeração dia após dia na pandemia.

A ministra Rosa Weber apontou perplexidade com o parecer e pediu uma nova avaliação à PGR.

Lindôra é tida na PGR como a auxiliar mais bolsonarista de Aras, inclusive com interlocução com o filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro.

Dentro do órgão, a avaliação é que o papel mais decisivo na análise do relatório final da CPI não caberá a Lindôra, mas a Humberto Jacques, o número dois na hierarquia da PGR.

Jacques tentou adiar para depois da conclusão dos trabalhos da CPI a análise sobre investigar ou não o presidente da República por prevaricação.

Dentro do Palácio da Alvorada, Bolsonaro teria sido avisado sobre irregularidades no contrato bilionário da Covaxin e dito que acionaria a PF para investigar a suspeita e não o fez.

Mais uma vez, a ministra Rosa Weber discordou da posição da PGR e cobrou uma análise da notícia-crime apresentada por três senadores ao STF. Jacques, então, pediu a abertura de um inquérito para investigar o presidente, o que foi autorizado pelo STF no mesmo dia.

Aras também relutou em providenciar a abertura de um inquérito para investigar as suspeitas de crimes por parte do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, quando ele exercia o cargo de ministro da Saúde.

Após o acúmulo de evidências de omissão do ministro na crise do oxigênio no Amazonas, onde pacientes morreram asfixiados nos hospitais por falta do insumo , o procurador-geral instaurou inicialmente uma notícia de fato.

Este tipo de procedimento preliminar é o preferido no modus operandi de Aras em relação ao governo Bolsonaro. Muitos ficam pelo caminho, ou são arquivados.

No caso de Pazuello, o inquérito foi aberto, a pedido da PGR e por decisão do STF. As investigações, porém, pouco avançaram e logo precisaram ser deslocadas para a primeira instância da Justiça Federal em Brasília.

Pazuello foi demitido do cargo de ministro da Saúde. Abrigado em um cargo de confiança no Palácio do Planalto, o general não tem mais foro privilegiado.

Aras terá de se posicionar diante de apontamentos de crimes comuns atribuídos ao presidente da República: epidemia com resultado de morte, infração a medidas sanitárias preventivas, prevaricação, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime e falsificação de documentos particulares.

A CPI concluiu ainda que Bolsonaro cometeu crimes contra a humanidade, o que levará a encaminhamento do relatório final ao Tribunal Penal Internacional, e crime de responsabilidade, cuja atribuição de apuração é do Congresso Nacional, por meio de uma ação de impeachment.

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