Relembre crimes atribuídos a Bolsonaro pela CPI da Covid

Relatório de comissão indicou que ex-presidente cometeu crimes comuns, com pena de prisão, além de crimes da Lei de Impeachment e contra a humanidade

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São Paulo e Mogi das Cruzes (SP)

A Polícia Federal cumpre na manhã desta quarta (3) mandado de busca e apreensão em endereço do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e um de prisão contra seu ex-assessores Mauro Cid e Max Guilherme. Outro alvo de mandado de prisão é Sergio Cordeiro, que atuava na equipe de segurança de Bolsonaro.

As medidas são no âmbito de uma investigação, diz a PF, sobre uma suposta "associação criminosa constituída para a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde."

O relatório final da CPI da Covid, de 2021, apontou Bolsonaro como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia no país e sugere que o ex-presidente seja responsabilizado e investigado por nove crimes.

Na lista, há crimes comuns, previstos no Código Penal; crimes de responsabilidade, previstos na Lei de Impeachment, e crimes contra a humanidade, previsto pelo Estatuto de Roma.

Saiba quais são os crimes apontados e o que pode acontecer com o ex-presidente.

CRIMES COMUNS

1.Crime de epidemia com resultado de morte

Art. 267 do Código Penal: Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos

Pena: reclusão, de dez a quinze anos

§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.

A conclusão de que o ex-presidente teria cometido tal crime foi apontada em parecer de grupo de juristas liderado pelo ex-ministro da Justiça do governo FHC Miguel Reale Junior.

Em 2021, a PGR arquivou uma representação formulada por ex-procuradores que apontava o mesmo crime, afirmando que a aplicação do tipo penal dependeria da possibilidade de se encontrar e punir a pessoa que deu origem à pandemia.

O relator se utiliza de argumentação do grupo de Reale que vai contra tal entendimento e sustenta que o agravamento da pandemia já justificaria o enquadramento.

No parecer, eles apontam como exemplo de jurisprudência a aplicação do crime de causar poluição, em que não seria necessário dar início a ela, mas simplesmente atuar de modo a agravá-la. "(...) conclui-se que "causar epidemia" significa não apenas dar origem a uma determinada epidemia, mas também agravar, de modo significativamente relevante, seu resultado."

2.Infração a medidas sanitárias preventivas

Art. 268 do Código Penal: Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena: detenção, de um mês a um ano, e multa.

A responsabilização é sugerida por Bolsonaro provocar reiteradas aglomerações e não utilizar máscara de proteção.

Como explicam especialistas, esta lei é um exemplo de norma penal em branco, o que implica que para que esteja configurada, é preciso que haja a infração de alguma determinação. No relatório, Renan aponta diferentes leis e decretos que Bolsonaro descumpriu em eventos públicos.

Já o parecer do grupo de juristas da CPI argumenta ainda que o dolo (intenção) está configurado: "o Presidente da República tinha pleno conhecimento não apenas da situação da pandemia, das medidas preventivas obrigatórias, bem como das determinações do poder público –tanto que, reiteradamente, as criticava".

3.Charlatanismo

Art. 283 do Código Penal: Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível

Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa

O relatório indica que o ex-presidente praticou o crime de charlatanismo ao fazer propaganda do uso da cloroquina. "O presidente da República foi o principal responsável pela propagação da ideia de tratamento precoce". O documento cita uma fala de Bolsonaro, em outubro de 2020: "No Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas,100% de cura"

De acordo com o documento, o charlatão alardeia a cura, sem se valer de respaldo científico e que, em meio a uma pandemia, sua conduta "adquire especial gravidade, haja vista que encontra um ambiente em que as vítimas estão na busca desesperada de cura e portanto, se encontram em situação de maior fragilidade".

4. Prevaricação

Art. 319 do Código Penal: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal

Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa

O relatório afirma que o ex-presidente cometeu crime de prevaricação ao deixar de comunicar investigadores sobre as suspeitas envolvendo a importação da vacina Covaxin, que lhe teriam sido relatadas em março de 2020 pelo irmãos Miranda. O caso veio a público em junho, em depoimento à CPI.

Em 12 de julho de 2021, após pedido da PGR, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar tal suspeita. O procedimento foi aberto a partir de notícia-crime apresentada por senadores da CPI ao STF e de pressão da ministra Rosa Weber à Procuradoria.

"O inquérito policial prometido pelo presidente da República somente foi instaurado no dia 30 de junho de 2021, dias após os depoimentos dos irmãos Miranda à CPI. Restam claras e comprovadas, portanto, as omissões do chefe do Poder Executivo, do ex-Ministro Eduardo Pazuello, do ex-Secretário-Executivo Elcio Franco e do atual ocupante da pasta da saúde, Marcelo Queiroga, condutas que se subsumem ao tipo penal da prevaricação."

5. Emprego irregular de verba pública

Art. 315 do Código Penal: Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei

Pena: detenção, de um a três meses, ou multa

No relatório, Renan incluiu ainda o gasto do governo com medicamentos sem eficácia científica comprovada contra a Covid-19. como suposta prática de emprego irregular de verba pública.

O documento afirma que, em uma fase inicial, a busca pela cura poderia se sobrepor à obediência a normativos sobre uso de recursos públicos, mas que o ex-presidente e o então ministro Pazuello teriam continuado a empregar recursos "mesmo depois de se demonstrar que a cloroquina era ineficaz no combate à Covid-19".

O relatório cita que a OMS (Organização Mundial da Saúde), em junho de 2020, já recomendava a não-utilização da cloroquina e indica produção de comprimidos solicitadas pelo governo em abril, maio e em julho. "O Presidente Bolsonaro inseriu-se na cadeia de comando dessa prática ilícita, como autor intelectual, enquanto o Ministro funcionou como seu operador."

6. Incitação ao crime

Art. 286 do Código Penal: Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa.

O relatório sugere que o ex-presidente teria incitado publicamente à prática de crime ao "estimular a população a se aglomerar, a não usar máscara e a não se vacinar".

Para o relator, com tais falas, Bolsonaro estaria incitando a população a infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa, que é crime de acordo com o artigo 268 do Código Penal.

O documento cita ainda live em que o ex-presidente incentiva pessoas a "invadirem hospitais e filmarem para mostrar leitos vazios", neste caso os crimes relacionados seriam os de invasão de domicílio e de colocar pessoas em perigo de vida.

7. Falsificação de documentos particulares

Art. 298 do Código Penal: Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa

Para embasar sua teoria de supernotificação de mortes pela Covid, Bolsonaro utilizou, em junho de 2021, um suposto relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que teria concluído que 50% das mortes por coronavírus teriam sido por outras doenças. Desmentido pelo órgão no mesmo dia, o ex-presidente chegou a voltar atrás.

Segundo o relatório de Renan: "Não há dúvidas de que o Presidente Bolsonaro falsificou parte da análise feita pelo auditor Alexandre, nele incluindo o timbre do Tribunal de Contas da União".

De acordo com depoimento de auditor do TCU que teria feito a análise não oficial, o arquivo tinha sido encaminhado por ele a seu pai via WhatsApp e não tinha a inscrição do TCU, o que, de acordo com a CPI, "foi confirmado pela Polícia Legislativa, que periciou o aparelho celular do auditor".

Como funciona a punição para crimes comuns

No caso de eventuais crimes comuns do ex-presidente da República, o encaminhamento cabe à PGR, que pode instaurar um inquérito para investigar o que ainda julgar necessário ou oferecer uma denúncia ao STF (Supremo Tribunal Federal), se entender que há elementos suficientes.

A denúncia somente pode ser feita pelo procurador-geral da República, cargo ocupado por Augusto Aras. Para que o ex-presidente seja julgado pelo Supremo, porém, é preciso ainda o aval de 342 deputados federais.

Diante da inação de Aras em relação a Bolsonaro, senadores temem que as investigações da CPI acabem sendo engavetadas. Em declarações públicas, eles têm aventado a possibilidade de, neste caso, ir direto ao Supremo por meio de uma ação penal privada subsidiária da pública. Para tanto, dependeriam, contudo, de vítimas dos crimes ou de seus representantes.

8. CRIME DE RESPONSABILIDADE

Art. 7º da Lei 1079: São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
9 - violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo.

O relator afirma que a minimização constante da gravidade da covid-19, assim como a criação de mecanismos ineficazes de controle e tratamento da doença, com ênfase em protocolo de tratamento precoce sem o aval das autoridades sanitárias mostram que Bolsonaro atentou contra a saúde pública e a probidade administrativa.

O documento cita ainda falta de coordenação política, de campanhas educativas sobre a importância de medidas não farmacológicas, o comportamento pessoal de Bolsonaro contra essas medidas, além da omissão e o atraso na aquisição de vacinas.

A professora de direito constitucional Carolina Cyrillo, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que a CPI conseguiu provas de que o ex-presidente violou o direito à saúde à população e que agora o presidente da Câmara, Arthur Lira, enfrentará o ônus de ignorar as denúncias.

"Quando [Bolsonaro] faz ações negacionistas da pandemia, ele coloca a vida das pessoas em risco e os direitos de saúde como um todo em risco", diz.

Como funciona o impeachment

Cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira, pautar o pedido de impeachment contra Bolsonaro. Cyrillo explica que não há diferença jurídica pelo fato de a solicitação ser feita pela CPI. Caso Lira receba o processo, é preciso ainda o aval de 342 deputados para que ele seja autorizado. A instauração e o julgamento ocorrem no Senado, onde é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para que o ex-presidente perca o mandato.

9. CRIMES CONTRA A HUMANIDADE

Art. 7º do Decreto 4.388 - Entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

b) Extermínio

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero (...)

k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental

Bolsonaro é responsabilizado pelo colapso da saúde pública em Manaus, capital do Amazonas, com a falta de oxigênio em hospitais que causou a morte de pacientes. Também é citada a disseminação de um protocolo clínico com medicamentos para tratamento precoce por uma comitiva do Ministério da Saúde no local.

Renan também trata da distribuição do chamado 'kit Covid' a pacientes da rede Prevent Senior, além de testes feitos em pessoas internadas em unidades hospitalares sem autorização prévia.

O ex-presidente responde ainda por ataques contra a população indígena, "por meio de uma política de Estado de adoção de medidas concretas e de omissões deliberadas que resultaram no número de contaminações e de mortos proporcionalmente superior ao que atingiu as populações urbanas".

A ex-juíza do Tribunal Penal Internacional, Sylvia Steiner, que fez parte da comissão de juristas que formulou um parecer com sugestões de tipificações para a CPI, diz que o objetivo foi demonstrar que há crime contra a humanidade quando ocorre um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil.

"A soma de medidas ou de omissões em relação à prestação de serviço de saúde pública tanto às comunidades indígenas, como, mais especificamente, à população do Amazonas e da região da Grande Manaus, pode ser entendida como um ataque na medida em que houve uma política deliberada de deixar de dar assistência", diz.

Como funciona a punição

Tipificados pelo Estatuto de Roma, os crimes contra a humanidade são julgados pelo TPI. Para que isso ocorra, Steiner explica que o relatório da CPI deve ser comunicado à corte, que dá início a uma fase preliminar, que dura pelo menos um ano, e na qual é avaliado se o crime é de competência da corte, se ele já está sendo investigado e se ele tem gravidade suficiente.

Se for esse o caso, a investigação é aberta, podendo resultar na denúncia e, se esta for aceita, no julgamento do acusado.

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