Descrição de chapéu Folhajus congresso nacional

Aliado de Lira preso três vezes tem gestão inundada com verba de emendas

Investigado, prefeito de Rio Largo (AL) foi flagrado em áudio em 2008 cobrando 'dinheiro de corrupção'

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Obra em rua de Rio Largo Zanone Fraissat/Folhapress

Campo Alegre (AL) e Brasília

Na saída do aeroporto de Maceió, divisa com a cidade de Rio Largo, uma placa presa em um viaduto não deixa margem para dúvidas. Nela, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), aparece ao lado do prefeito de Rio Largo, Gilberto Gonçalves (PP), que o parabeniza. Na zona urbana da cidade, placas se replicam com novas congratulações a Lira.

Foram R$ 41,6 milhões, número que supera cidades maiores como Arapiraca, que no mesmo ano recebeu R$ 1,4 milhão, e Maceió, que obteve R$ 14,7 milhões.

Placa ao lado do aeroporto com o prefeito de Rio Largo e o presidente da Câmara dos Deputados - Zanone Fraissat-1.dez.21/Folhapress

Peças-chave do jogo político em Brasília, as emendas do relator são distribuídas por governistas em votações importantes no Congresso, privilegiando aliados. Não há uma base de dados pública com a lista de deputados e senadores beneficiados por essa negociação política.

Em Rio Largo, contudo, não há segredo. O prefeito Gilberto Gonçalves deixa claro que os recursos que irrigaram os cofres da cidade em ano eleitoral vieram do deputado federal Arthur Lira, de quem é fiel aliado.

O grosso dos recursos foi liberado em agosto de 2020, mês que marcou o início da campanha das eleições municipais, para ser investido em obras de pavimentação de ruas em Rio Largo.

Os três principais contratos foram firmados com a Codevasf, órgão federal sob influência de Lira, para pavimentar a rua Tiradentes e arredores, as ruas do Residencial Brasil Novo e a avenida Fernando Collor de Melo, batizada com o nome do hoje senador que também é aliado do prefeito.

Gilberto Gonçalves é um político de estilo bonachão que costuma percorrer as ruas da cidade vestindo um chapéu de palha e um colete preto no qual está escrito seu nome e as iniciais que funcionam como uma espécie de marca política.

Nas peças de publicidade de prefeito, são destacadas obras "tamanho GG" que estão sendo feitas pela gestão municipal com recursos de emenda.

Com esse discurso, reelegeu-se prefeito em 2020, mesmo após ser envolvido em uma série de suspeitas de corrupção e ter sido preso por três vezes ao longo dos últimos 15 anos.

Gilberto Gonçalves é investigado na operação Taturana, que apura esquemas de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa de Alagoas e chegou a ser preso em 2007 no âmbito da operação.

Em 2008, veio à tona uma gravação telefônica feita pela Polícia Federal que mostrava Gonçalves cobrando o recebimento de parcelas do suposto esquema criminoso: "Eu quero meu dinheiro. Eu quero meu dinheiro certo. Dinheiro de roubo, de corrupção", disse no telefonema o hoje prefeito de Rio Largo.

Dois anos depois, Gonçalves foi preso pela segunda vez sob acusação de ameaçar de morte um ex-funcionário que o havia denunciado na Justiça do Trabalho.

Foi novamente preso em 2014 por supostamente ter facilitado a fuga de um motorista que havia recebido ordem de prisão por crime eleitoral.

Foi eleito prefeito de Rio Largo em 2016, após uma eleição acirrada, mas acabou sendo cassado em 2019 pela Câmara Municipal por improbidade administrativa sob acusação de uso da máquina pública para fins particulares.

Na campanha eleitoral, o Ministério Público Eleitoral chegou a pedir a cassação da candidatura Gonçalves por uso da estrutura da prefeitura para fins eleitorais.

Sua gestão na prefeitura tem caráter familiar. Sua mulher, Cristina Fernandes é a vice-prefeita e chegou a ser indiciada pela polícia em 2020 por furto de energia, após a concessionária encontrar uma ligação irregular na sua residência.

A filha, Gabriela Gonçalves, é secretária municipal de Relações Institucionais e faz da prefeitura uma espécie de quartel-general de sua pré-candidatura a deputada estadual no próximo ano.

Dezenas de carros estacionados na porta da prefeitura estavam plotados com adesivos com o nome da filha do prefeito. Na sala da assessoria de comunicação da prefeitura, havia um cartaz da pré-campanha de Gabriela e um quadro-negro as equipes que a acompanhariam em suas agendas pela cidade.

Em geral, Gilberto e Gabriela percorrem juntos as obras e eventos da prefeitura. No início do mês, percorreram as ruas da cidade junto com um Papai Noel para inaugurar a iluminação de Natal. No dia seguinte, visitaram junto uma obra na rua das Canas, financiada com emendas do relator.

"As coisas que se faz em Rio Largo é coisa de primeira classe e com ajuda de recursos oriundos de Brasília. Isso aqui é obra do Ministério do Desenvolvimento Regional com a força política do deputado Arthur Lira", disse o prefeito em um vídeo publicado em suas redes sociais.

A Folha visitou a obra dois dias depois da gravação do vídeo pelo prefeito, mas não havia máquinas nem equipamentos no local. Valas que haviam sido cavadas para a implantação do sistema de drenagem seguiam abertas.

Na rua Tiradentes, no mesmo bairro, um grupo de dez funcionários da própria prefeitura trabalhava na pavimentação da via com paralelepípedos.

Moradores afirmam que a obra foi iniciada pouco antes das eleições de 2020, mas foi interrompida semanas depois.

A pavimentação foi retomada apenas em novembro de 2021 e segue avançando em ritmo lento, gerando transtornos para os moradores que convivem com ruas e calçadas atulhadas de paralelepípedos: "É muita coisa errada que a gente vê aqui", afirmou a doméstica Maria Lenilda Ferreira, 53.

Obras na rua Tiradentes, em Rio Largo, deixam obstáculos nas calçadas - Zanone Fraissat-1.dez.21/Folhapress

A despeito de ter ficado quase um ano parada, a obra é comemorada por parte dos moradores do bairro, que finalmente deixarão de conviver com a poeira nos dias de sol e a lama nos dias de chuva.

"Finalmente, a civilização está chegando ao nosso bairro. Espero que a prefeitura dê continuidade à obra", afirma o vigilante Eraldo da Silva Santos, 48.

Outra parte dos moradores diz que aprova as obras no bairro e que votará em quem Gilberto Gonçalves indicar nas eleições de 2022. O prefeito deve apoiar a filha para deputada estadual e Arthur Lira para deputado federal.

A assessoria do deputado federal Arthur Lira informou que "todos os recursos de emendas são indicados pelos deputados da bancada alagoana, com indicação de deputados de várias legendas, inclusive de oposição".

Ainda informou ainda que cidades maiores do que Rio Largo, como Maceió e Arapiraca, também receberam repasses de emendas na modalidade RP2, conhecidas como emendas de bancada.

A Codevasf informou que a sua atuação está alinhada com seu propósito de promover o desenvolvimento integrado e sustentável de bacias hidrográficas alcançadas por sua área de abrangência.

Destacou ainda que "encaminhamentos relacionados à responsabilidade por indicações de recursos destinados à Codevasf são externos" ao órgão. E informou que provê informações técnicas aos autores de emendas ao Orçamento, com o objetivo de subsidiar as decisões.

O prefeito de Rio Largo, Gilberto Gonçalves, foi procurado por meio de sua assessoria, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM AS EMENDAS PARLAMENTARES

A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.

As emendas parlamentares se dividem em:

  • Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
  • Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
  • Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo

CRONOLOGIA

Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares

2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:

  • execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
  • metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
  • contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória

2019

  • O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
  • Metade desse valor tem que ser destinado a obras
  • O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
  • Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral

2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:

  • emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
  • emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
  • emendas de comissão permanente: R$ 0
  • ​emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões
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