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Folha é acusada de veicular textos racistas em busca de audiência

Crítica ao jornal por artigo de Antonio Risério inclui grupo da Redação; Direção defende liberdade de expressão ampla

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São Paulo

A um mês de completar as comemorações pelo seu centenário, a Folha lida com a acusação de abrigar textos racistas com o objetivo de alavancar a audiência.

A crítica vem de fora e de dentro. O estopim foi o artigo "Racismo de Negros contra Brancos Ganha Força com Identitarismo", do antropólogo baiano Antonio Risério, publicado no sábado (15) na Ilustríssima. Nele, o autor afirma que "o racismo negro é um fato" e discorda da definição de que só há racismo quando existe opressão.

Risério cita casos de ataques a brancos por parte de negros e afirma que "militantes pretos, como pastores evangélicos, querem o poder".

A Folha já publicou desde então cerca de dez artigos que refutam a tese de Risério e que o acusam de tentar deslegitimar os avanços obtidos pelo movimento negro.

Vários leitores se manifestaram também. "A Folha tem prazer em ficar do lado errado da história", escreveu Matheus Henrique, do Rio Grande do Norte.

Em apoio a Risério, foi divulgada uma carta de intelectuais e artistas, com 708 signatários, entre os quais aparecem os nomes dos antropólogos Luiz Mott e Roberto da Matta e da cineasta Ana Maria Magalhães. Em um dos trechos, afirmam que o autor "é no momento uma das vozes mais importantes do país, sobretudo por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária. Manifestamo-nos com um apelo para que sua livre expressão seja respeitada".

Polêmica semelhante já havia acontecido em outubro passado, envolvendo o colunista Leandro Narloch, que citou um livro escrito por Risério. Agora, porém, um grupo de jornalistas da Folha encaminhou à Direção uma carta alertando para o risco de publicar de forma "recorrente conteúdos racistas".

Como os próprios autores reconhecem na carta, é incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da chefia. Os 208 remetentes (192 identificados, 16 anônimos) afirmam que "buscar audiência às expensas da população negra é incompatível com estar a serviço da democracia".

"O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros", afirma trecho da carta.

Além do treinamento exclusivo para negros, que está com inscrições abertas para a sua segunda edição, a Folha criou o cargo de editor de Diversidade, aumentou o número de colunistas negros e levou em conta a questão identitária na formação do novo Conselho Editorial.

O texto havia sido submetido para publicação em Tendências/Debates, mas, enquanto era avaliado pela Direção de Redação, foi vazado para a concorrência do jornal. A publicação foi então suspensa, uma vez que a seção só publica artigos inéditos.

Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, não concorda com a avaliação feita por parte de seus colegas. "O texto do Risério, por criticável que seja, se inscreve nos limites do debate público, algo que, infelizmente, vem se estreitando nos últimos tempos", diz.

Em sua coluna, Hélio Schwartsman afirma que não viu nada de "escandaloso" no artigo de Risério e comemora o fato de a Folha continuar promovendo o debate de assuntos que "estão se tornando tabu".

Citado no abaixo-assinado, o colunista Leandro Narloch diz que "uma concepção não racista do mundo pressupõe que a cor da pele não determina a moralidade de um indivíduo. Por isso é bastante questionável afirmar que 'obviamente não existe racismo reverso', como dizem os autores".

A Direção da Folha reconhece o abaixo-assinado como um instrumento legítimo de manifestação, mas afirma que o conteúdo vai contra a pluralidade e a defesa intransigente da liberdade de expressão, pilares do Projeto Folha.

"O abaixo-assinado erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo. Erra ao sugerir que a Folha publicou artigos que relativizam ou fazem apologia do racismo, o que não aconteceu, até porque racismo é crime. É parcial ao omitir iniciativas que têm sido a prioridade do jornal nos últimos três anos. Acusa sem fundamento ao creditar a publicação de opiniões divergentes, que são a base do jornalismo defendido pelo jornal, a uma pretensa busca por audiência –os textos mencionados tiveram cerca de 1% da audiência total dos dias em que foram publicados", afirma Sérgio Dávila, diretor de Redação.

Será organizado um seminário interno para discutir pluralismo e a questão racial. Antonio Risério não quis comentar a polêmica provocada por seu artigo, assim como Demétrio Magnoli, colunista da Folha também citado no abaixo-assinado. Os jornalistas que assinaram o texto também não quiseram acrescentar declarações.

Leia íntegra do manifesto a favor de Antonio Risério aqui.

Leia íntegra da carta aberta de parte dos jornalistas da Folha aqui.

Leia a íntegra da resposta do diretor de Redação, Sérgio Dávila, e do editor da Ilustríssima, Marcos Augusto Gonçalves, abaixo.

"O abaixo-assinado é um instrumento legítimo de manifestação dos jornalistas sem cargo de confiança que ali colocaram seu nome. O recurso já foi usado em outros momentos da história da Folha. Também são saudáveis a crítica e a autocrítica, desde sempre estimuladas pelo jornal. O preocupante é o teor do texto, que vai contra um dos pontos basilares e inegociáveis do Projeto Folha: a pluralidade e a defesa intransigente da liberdade de expressão.

Além disso, o texto erra, é parcial e faz acusações sem fundamento, três características indesejáveis em se tratando de profissionais do jornalismo.

Erra ao sugerir que a Folha publicou artigos que relativizam ou fazem apologia do racismo, o que não aconteceu, até porque racismo é crime.

É parcial ao omitir iniciativas que têm sido a prioridade do jornal nos últimos três anos, como a contratação de profissionais negros no elenco de colunistas, blogueiros e repórteres e a criação da editoria de Diversidade, a primeira do gênero na grande imprensa.

Acusa sem fundamento ao creditar a publicação de opiniões divergentes, que são a base do jornalismo defendido pelo jornal, a uma suposta busca por audiência –até porque os textos mencionados tiveram menos de 1% da audiência total dos dias em que foram publicados e em muitos casos levaram a cancelamentos de assinatura.

A Folha seguirá fazendo o jornalismo que a consagrou nos últimos 100 anos, com uma Redação que esteja disposta a implementar com profissionalismo os princípios defendidos por seu Projeto Editorial: um jornalismo crítico, apartidário, independente e pluralista."

Sérgio Dávila, diretor de Redação

"Como editor da Ilustríssima, considerei que o texto submetido a mim por Antonio Risério, por criticável que pudesse ser, se inscrevia nos limites do debate público, algo que infelizmente vem se estreitando nos últimos tempos, e não só no Brasil. O autor fala por si, tem uma história intelectual, acadêmica e política. Foi preso pela ditadura militar, estudou e publicou livros sobre as manifestações da cultura negra na Bahia e trabalhou com Gilberto Gil no Ministério da Cultura no governo do PT –partido com o qual passou a divergir posteriormente. Suas posições muito críticas sobre a ideologia identitária e seus dogmas o levaram a protagonista de polarizações com representantes desses movimentos.

Obviamente eu presumia que o texto provocaria reações, mas imaginava que viriam argumentos –o que seria uma contribuição para o debate. Infelizmente, não houve debate algum, mas um tsunami nas redes sociais para tentar silenciar e punir, como de hábito, o divergente. No caso, prevaleceu a acusação tida como verdade absoluta de que se tratou de uma manifestação ‘racista da Folha’. Respeito a posição do grupo expressivo de jornalistas que assinou a carta aberta, embora eu tenha sérias divergências conceituais sobre como e o que foi colocado."

Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima

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