Aliado de Malafaia assume bancada evangélica em culto com 'zumbidos' internos

Deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) é empossado como presidente de bancada central para o bolsonarismo

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Brasília

Representante do pastor Silas Malafaia no Congresso, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) foi empossado nesta quarta (9) como presidente de uma das bancadas mais centrais para o bolsonarismo, a evangélica.

Capelão do bloco, Pastor Eurico (PHS-PE) brincou com Sóstenes, que teve a companhia do pai no culto que selou sua liderança. "Você é feio, mas seu pai é bonito". Depois disse que o deputado "tem costa larga, aguenta pancada, mas está com a gente para o que der e vier".

Aqui há leitura nas entrelinhas. Nos bastidores, chegou-se a falar em tentativa de golpe, com uma possível recusa do atual presidente, Cezinha de Madureira (PSD-SP), em repassar o cargo ao aliado de Malafaia. Os dois tinham feito um acordo, no ano passado, de se revezarem no comando da bancada.

Cezinha representa a poderosa Assembleia de Deus Ministério Madureira, chefiada pelo bispo Samuel Ferreira, e Sóstenes, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de Malafaia. Era, portanto, uma guerra de denominações também, com troca pública de farpas entre as duas igrejas.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ)
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) - Maryanna Oliveira-5.ago.20/Câmara dos Deputados

A briga escalou a ponto de Malafaia definir Ferreira como "um arrogante asqueroso que vive na sombra do pai". Depois os lados envolvidos na altercação pediram desculpa um ao outro.

O estranhamento começou após Ferreira fazer campanha para que seu afilhado político continuasse no poder, durante um culto com presença do presidente Jair Bolsonaro no dia em que André Mendonça tomou posse no Supremo Tribunal Federal, em dezembro.

Cezinha fez menções, nesta quarta, a "zumbidos e discursos estranhos a título de nos afetar" e emendou: "Não queremos acreditar e não acredito que isso tenha partido daqui de dentro da Frente Parlamentar".

O clima, contudo, espessou após Cezinha pedir que só os deputados ficassem na sala, um dos plenários menores da Casa. Ou seja, imprensa e assessores teriam que sair.

Segundo Cezinha, só houve acordo verbal para que ele e Sóstenes se alternassem. Seria preciso reformar o estatuto da bancada, um detalhe burocrático, já que a previsão oficial é para mandatos de dois anos.

Sóstenes o interrompeu e disse que houve, sim, acordo formal —o arranjo tinha sido inscrito em ata de uma assembleia do bloco. Os dois se estranharam nessa hora, apesar de minutos antes o membro da Madureira insistir que os deputados evangélicos eram unidos, "pois nenhum reino dividido prosperará".

No fim, os deputados se reuniram a portas fechadas por mais de uma hora. "Habemus papam", celebrou um assessor do lado de fora quando soube que a posse de Sóstenes foi oficializada. O estatuto interno foi alterado para que haja eleições para a bancada todo ano, e não bienalmente. Paz no reino.

Ainda no culto, Cezinha, o presidente de saída, fez a matemática política: a bancada acompanhou quase 10 mil proposições legislativas, sendo que 6.000 delas possuíam "objetos claros para ferir a liberdade religiosa".

"Essa guerra é contra nós, evangélicos", afirmou Cezinha. "Essa casa se revelou um verdadeiro ringue de lutas quase diárias entre o bem e o mal."

​​Sóstenes chega com a missão de encorpar o grupo no Congresso para que eles alcancem 30% das cadeiras na Câmara e também no Senado, dimensão proporcional à população evangélica no Brasil.

Hoje são em torno de 115 deputados (22,5%) e 13 senadores (16,5%) que aderem à apelidada bancada da Bíblia.

O grupo se empolga com a projeção de que evangélicos serão a maioria da população brasileira em uma década. Aí esse número subiria ainda mais nos próximos anos.

Apoiar a reeleição de Bolsonaro deve ser um caminho natural, segundo Sóstenes, que ressalta contudo ainda não ter conversado com os colegas a respeito.

Ex-petista do tipo que "andava com estrelinha do PT", isso nos tempos de líder estudantil, Sóstenes se aproximou de Malafaia em 2009, quando foi chamado para trabalhar com o pastor.

"Sinto por ele um carinho de pai adotivo", conta no trajeto para a Câmara, onde acontece o primeiro culto do ano organizado pela bancada evangélica, uma tradição das manhãs de quartas-feiras.

Mas sua admiração vem dos tempos em que gostava de assistir a pregações gravadas do televangelista em fitas de videocassete, "nas noites frias da Argentina", quando era missionário no país vizinho, lá pelo fim dos anos 1990.

A reunião teve a defesa da imunização contra a Covid-19. "Aconselho todos que se vacinem", disse Silas Câmara (Republicanos-AM), que liderou o bloco em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Perguntou se podia tirar a máscara (o público assentiu) e ressaltou a importância de "vencer o momento delicado que a gente vive".

Teve também uma convocação para que os parlamentares de fé sejam "a boca de Deus" em Brasília.

Câmara lembrou da fundação da Frente Parlamentar Evangélica, em 2003. Alguns pares temiam que a iniciativa soasse como segmentação religiosa. "Não, meu irmão, […] vamos criar uma semente no Brasil, de que aqui tem servo de Deus."

Sóstenes, o novo capitão dos evangélicos na Câmara, recebeu de um colega um LP dele, que era cantor gospel mirim.

Cantava "afinadinho, fino igual mulher", disse. "Agora é voz de homem", afirmou entoando as músicas do passado. O desafio é não desafinar em ano eleitoral.

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