Lei das fake news prevê que redes sociais tenham representação legal no Brasil

Regra teria efeito imediato, assim como ampliação da imunidade parlamentar e sanções estabelecidas em caso de descumprimento da lei

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O relatório do projeto de fake news apresentado nesta quinta-feira (31) prevê que as plataformas tenham representação legal no país com plenos poderes para responder perante a justiça e cumprir determinações judiciais, em medida voltada a impedir novos episódios como o do Telegram.

O parecer foi detalhado pelo relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), em coletiva no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. Segundo ele, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que pode votar a urgência e o mérito do projeto no mesmo dia —​o que poderia ocorrer na semana que vem. Além disso, Lira teria se prontificado a ajudar na busca por consensos em temas que tivessem resistência de bancadas.

Depois, o texto volta ao Senado. A expectativa é que possa ser votado pelos senadores até o fim de abril.

Deputado Orlando Silva (PC do B-SP)
Deputado Orlando Silva (PC do B-SP) em sessão da Câmara dos Deputados - Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

No texto anterior, aprovado pelo grupo de trabalho de deputados que discutiu e alterou o projeto que veio do Senado, a exigência de representação legal já existia, mas a redação era genérica.​

O relatório apresentado nesta quinta traz mais detalhes sobre essa representação legal. Ele estabelece que a representação deve ser feita por pessoa jurídica e precisa ter plenos poderes para responder perante as esferas administrativa e judicial.

Essa representação deverá fornecer às autoridades competentes informações relativas a funcionamento, regras próprias aplicáveis à expressão de terceiros e comercialização de produtos e serviços do provedor. Também terá obrigação de cumprir as determinações judiciais e responder a eventuais penalizações e multas aplicadas à empresa, especialmente por descumprimento de obrigações legais e judiciais.

De acordo com o relatório, a mudança passaria a valer imediatamente após a publicação da lei.

A pressão para que as plataformas tenham representação legal no país ganhou força após o Telegram descumprir decisões judiciais, levando o ministro Alexandre de Moraes (STF) a determinar o bloqueio do funcionamento do aplicativo no país. Dois dias depois, após a plataforma atender às determinações feitas por Moraes, o ministro liberou o Telegram.

Orlando Silva defendeu a mudança. "Saiu de uma representação meramente formal para uma representação que seja capaz de cumprir determinações judiciais", disse. "É necessário constituir uma pessoa jurídica para que essa representação dê capacidade e competência a responder as demandas e necessidades do Brasil."

O deputado manteve no texto a extensão da imunidade parlamentar material para as redes sociais —ou seja, manifestações de deputado e senadores em redes sociais seriam protegidas por lei. A aplicação também seria imediata.

A Constituição já tem um dispositivo que trata de imunidade parlamentar e que diz que deputados e senadores "são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".

"O caso Daniel Silveira é o melhor emblema para demonstrar que a imunidade parlamentar material não serve para proteger nem abrigar crime nem criminoso", disse. "É um parlamentar que, ao tentar se abrigar na imunidade parlamentar, viu a força da justiça. O Poder Judiciário vai decidir o caso de Daniel Silveira em função de crimes tipificados na legislação que versa sobre a defesa do estado democrático de direito, à época a lei de segurança nacional", defendeu.

Daniel Silveira foi preso em fevereiro do ano passado por ordem de Alexandre de Moraes por ter publicado na internet um vídeo com ataques a ministros da corte —Moraes, por exemplo, foi chamado por ele de "Xandão do PCC".

O relator reduziu de 180 para 90 dias o prazo para entrada em vigor de dispositivos que podem ter algum impacto nas eleições. É o caso do artigo que obriga plataformas a adotarem medidas para impedir o funcionamento de robôs não identificados e a apontar conteúdo impulsionado e publicitário pago.

Outro dispositivo que também só entra em vigor três meses após a publicação da lei é o que estabelece que aplicativos limitem o encaminhamento de mensagens ou mídias para vários destinatários.

É o mesmo prazo para o dispositivo que determina que as plataformas que oferecerem serviço de impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido disponibilizem aos usuários todos os anúncios impulsionados. Será preciso informar valor total gasto na propaganda impulsionada, identificar o CNPJ ou CPF do anunciante e características gerais da audiência contratada, entre outros dados.

Orlando Silva, em seu novo parecer, fez uma mudança na lei de inelegibilidade.

O artigo em questão que poderá ser aplicado a redes sociais diz que qualquer partido, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá entrar com representação junto à Justiça Eleitoral, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação judicial para apurar abuso do poder econômico ou de autoridade ou uso indevido dos veículos de comunicação em benefício de candidato ou de partido. A entrada em vigor seria imediata após a publicação da lei.

"A aplicação serve apenas e somente para que a eficácia da justiça eleitoral se dê plenamente quando houver abuso nesses espaços", disse. "Aqui o que se busca é regular a conduta de quem usa de modo abusivo as plataformas digitais."

Para Orlando Silva, a lei ajudará a tornar as eleições mais seguras e confiáveis. "Ela pode combater muito a desinformação nos serviços de mensagem que tiveram já impacto importante nas eleições brasileiras de 2018", disse. "Eu tenho a impressão de que ela pode criar restrições a agentes públicos e políticos não manejarem os seus cargos utilizando a estrutura de comunicação pública para servir à desinformação."

Para diminuir outra resistência, o relator detalhou o artigo que trata de conteúdo jornalístico remunerado. O dispositivo ressalva compartilhamento de links e indica que poderá receber a remuneração a empresa criada há pelo menos um ano —a partir da publicação da lei — que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e com endereço físico e editor responsável no Brasil.

Orlando Silva também alterou um ponto criticado por plataformas. O texto aprovado no grupo de trabalho tinha uma redação que, segundo as big techs, podia afetar a publicidade dirigida, o que não ocorre nem na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

"Havia uma interpretação de que ali poderia se impedir um impulsionamento de publicidade de pequenos negócios. Nós reelaboramos o artigo e cuidamos de proteger a privacidade das pessoas e proteger a concorrência, citando nominalmente inclusive as duas leis que eram as pretendidas", disse o deputado. "Então aqui eu imagino que a indústria, que tinha uma visão crítica desse artigo, deve ter evoluído." O dispositivo entra em vigor três meses após a publicação da lei.

O relator falou ainda sobre as mudanças nos relatórios a serem elaborados pelas plataformas e ferramentas de busca, que só entram em vigor um ano após a publicação da lei.

"Aqui eu fiz uma mudança, remetendo para a possibilidade de requisição de informações ao comitê gestor da internet, o que daria proteção a essas informações, que não seriam públicas, seriam oferecidas a partir de um requerimento e, acrescentei, um ato fundamentado, porque, a partir daí, essa informação estará protegida", explicou Orlando Silva.

Ele também alterou um ponto nas sanções estipuladas, que também têm efeito imediato após a publicação da lei. Ele estabeleceu prazo de até 30 dias para a adoção de medidas corretivas após advertência aplicada pelo Judiciário.

A multa foi mantida em 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último ano. No entanto, se não houver o faturamento, será de R$ 10 a R$ 1.000 por usuário cadastrado do provedor punido, até um limite de R$ 50 milhões por infração.

"Nós procuramos sintonizar essa sanção com o que está na lei geral de proteção de dados pessoais, estabelecendo um limite de valor absoluto por infração", disse. "Porque imagine uma empresa que tem um faturamento muito grande. 10% é um volume que poderia ser desproporcional na aplicação de uma sanção pelo descumprimento da norma."

Na avaliação da advogada Camila Borba Lefèvre, do escritório Vieira Rezende, apesar de melhorias, o texto ainda apresenta problemas que podem gerar questionamentos.

"A aplicação das sanções continua problemática, pois não há um órgão criado para realizar a fiscalização da lei e imposição de sanções, ficando essa fiscalização a cargo do Poder Judiciário", diz. "Não está claro quem poderá provocar o judiciário e como isso deverá ocorrer."

Ela lembra que, a respeito da remuneração do conteúdo jornalístico, a obrigação de pagamento em si fica dependente de regulamentação posterior. "Não está claro qual será o órgão responsável por criar essa regulamentação."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.