Bolsonaro tumultua eleição com dados de urnas tratados com discrição pelo Exército

General compartilha dados sobre urnas na Defesa e integrantes do ministério dizem que supostos problemas podem ser corrigidos

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Brasília

Os relatórios que o Exército produz sobre as urnas eletrônicas, usados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para contestar a lisura do processo eleitoral em 2022, são compartilhados com a cúpula do Ministério da Defesa por um integrante do Alto Comando da Força.

O mesmo general foi chamado para uma reunião com Bolsonaro, ocasião em que as eleições foram discutidas.

O compartilhamento de dados que acabam municiando a ofensiva de Bolsonaro é feito pelo general de Exército Guido Amin Naves, que comanda o DCT (Departamento de Ciência e Tecnologia), no QG da Força em Brasília.

O general Guido Amin Naves, comandante do DCT (Departamento de Ciência e Tecnologia) das Forças Armadas - Reinaldo Canato-13.ago.2018/Folhapress

Interlocutores de Amin descrevem-no como reservado e dizem que o general tratou com seriedade e sigilo o trabalho compartilhado com a cúpula da Defesa. E que acabou envolvido na ofensiva de Bolsonaro de politizar a participação dos militares no processo eleitoral.

Ao DCT está vinculado o Comando de Defesa Cibernética, unidade do Exército responsável pela produção dos documentos que acabam, numa etapa final, sendo usados por Bolsonaro para tumultuar o processo eleitoral.

O comandante de Defesa Cibernética é o general de Divisão Heber Garcia Portella, o responsável por formular questionamentos e sugestões na comissão de transparência das eleições montada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Os pontos levantados por Portella dialogam com as contestações habitualmente feitas por Bolsonaro.

Amin é um general quatro estrelas na ativa. Por ter a mais alta patente, e por seguir na ativa, integra o Alto Comando do Exército, o colegiado que assessora o comandante na tomada de decisões.

Portella, por sua vez, é um general três estrelas. Integrantes do Ministério da Defesa afirmam, sob condição de anonimato, que não cabe a ele participar de reuniões que envolvem as cúpulas militares.

Por isso, esse papel é desempenhado por Amin. O chefe da Defesa Cibernética não se encontra com Bolsonaro, segundo militares que atuam na pasta.

Como a Folha mostrou, Portella foi a escolha do então ministro da Defesa Walter Braga Netto para o posto no TSE.

Quando o convite foi feito às Forças Armadas, a corte eleitoral esperava que um almirante da Marinha especializado em tecnologia da informação fosse o nome indicado para integrar a comissão de transparência das eleições.

Ele era visto no TSE como uma referência na área e chegou a ser convidado pelo ministro para integrar o colegiado. No entanto, Braga Netto enviou o nome de Portella à corte.

Também filiado ao PL, Braga Netto é hoje o principal cotado para ser vice de Bolsonaro na campanha pela reeleição.

No último dia 3, uma reunião no Ministério da Defesa envolveu Bolsonaro, o ministro, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, os comandantes das três Forças Armadas, o general Laerte de Souza, chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças (um cargo de confiança na Defesa), Braga Netto e Amin.

A reunião não aparecia inicialmente na agenda do comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. Depois, a agenda foi atualizada, com informação sobre o almoço na Defesa.

O encontro tratou de eleições, e o Ministério da Defesa divulgou uma foto da reunião em suas redes sociais. Na legenda, escreveu apenas que "foram discutidos assuntos de interesse da defesa nacional".

Bolsonaro em reunião com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio, o ex-ministro Braga Netto e os comandantes das Forças Armadas, entre outros presentes - @DefesaGovBr no Twitter

Integrantes da Defesa partem do pressuposto de que há problemas na segurança do processo eleitoral, o que vem alimentando os discursos e ofensivas golpistas de Bolsonaro. Segundo esses integrantes, os problemas são técnicos e podem ser corrigidos a tempo.

O ministro da Defesa não deseja a ruptura entre os Poderes, por saber das consequências disso ao país, e vem agindo como conciliador, segundo esses integrantes da pasta, que admitem que esse tipo de intermediação com os Poderes é anômalo.

Oliveira já se reuniu com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, e tentou uma agenda com o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, que não o recebeu.

O chefe do Executivo costuma falar na primeira pessoa do plural ao se referir às Forças Armadas, e sempre diz que é "chefe supremo" delas, como num evento no fim de abril.

"Agora, eles [ministros do TSE] convidaram as Forças Armadas a participar do processo. Será que ele se esqueceu que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Jair Messias Bolsonaro? Acho que ele [Luís Roberto Barroso] esqueceu disso", disse.

O discurso foi em tom de crítica ao ministro do STF, que presidia a corte eleitoral no momento em que as Forças Armadas foram convidadas a participar da comissão de transparência eleitoral.

O movimento do ministro foi uma tentativa de antídoto ao golpismo de Bolsonaro, que faz uso político dos militares.

Entretanto, como a Folha mostrou, a iniciativa passou a ser considerada um erro por integrantes de tribunais superiores, inclusive do STF e da própria corte eleitoral.

A avaliação é de que o efeito foi contrário e tornou-se um tiro no pé: em vez de aumentar a confiabilidade do pleito, forneceu uma ferramenta para as Forças Armadas inflarem ainda mais o discurso de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro.

A mesma leitura tem sido compartilhada por militares, reservadamente. Integrantes do Exército relatam constrangimento com a participação oficial no processo. Segundo eles, isso acaba por politizar inevitavelmente as Forças.

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