Por 4 votos a 1, TJ-SP mantém condenação a Bolsonaro por ofensas a repórter da Folha

Tribunal eleva indenização a ser paga pelo presidente por ofender honra da jornalista Patrícia Campos Mello

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Mogi das Cruzes (SP)

A 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu manter a condenação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e elevar a indenização a ser paga por ele por ofender a honra da jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha.

O placar final ficou em 4 votos a 1 a favor da jornalista, com aumento do valor a ser pago para R$ 35 mil.

Votaram nesse sentido a relatora Clara Maria Araújo Xavier e os desembargadores Pedro de Alcântara, Silvério da Silva e Theodureto Camargo. O desembargador Salles Rossi foi o único a acolher a tese da defesa do presidente —que ainda pode recorrer contra a decisão.

O presidente Jair Bolsonaro, após insultar a repórter da Folha, Patrícia Campos Mello, com insinuações sexuais - Reprodução - 18.fev.20/TV Globo

Bolsonaro havia sido condenado em primeira instância por fazer uma insinuação sexual contra Patrícia, em fevereiro de 2020, usando para isso o termo "furo" para se referir ao orifício do corpo da repórter. A palavra "furo" é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva.

A relatora afirmou que foi clara a intenção de Bolsonaro em ofender Patrícia, causando constrangimento a ela por meio de "raso trocadilho de cunho sexual, em evidente jogo de palavras" e que, não satisfeito, o presidente publicou a entrevista com a ofensa em sua página no Facebook, com "o nítido propósito de dar mais visibilidade ao caso e a seus milhares de seguidores".

"A forma enfática com que o vocábulo 'furo' foi introduzido no discurso do réu, conforme fundamentado no corpo desse voto, não poderia dar azo a outra interpretação que não a de cunho sexual, razão do riso absolutamente imediato provocado nas pessoas ali presentes, logo após as suas declarações, mesma expressão facial exibida pelo locutor, qual seja, a de puro deboche", votou a desembargadora.

"Não consigo me convencer que houve apenas exercício da liberdade de expressão. Do mesmo modo, no meu entendimento, é perfeitamente aceitável a versão constante no pedido de ofensa à dignidade e menoscabo ao apreço moral e social. Por isso, eu acompanho o voto da relatora", declarou o desembargador Silvério da Silva.

Último a votar, o desembargador Theodureto Camargo disse que entendeu que a conotação usada por Bolsonaro foi debochada e irônica quando ele declarou que Patrícia queria "dar o furo".

"Destaco trecho do voto da senhora relatora, um voto brilhante, e observo que, a rigor, não se tratou de uma fala inofensiva. Houve manifesto propósito de menosprezar ou desacreditar a autora", disse o magistrado.

A advogada da Folha, Taís Gasparian, que defende a jornalista, comemorou a decisão a favor de Patrícia e destacou que o placar final traduz o entendimento do colegiado.

"O Tribunal de Justiça deu um passo na restituição da dignidade da Patrícia, das jornalistas e das mulheres deste país. A decisão foi técnica e justa, capitaneada pela relatora Clara Maria Araújo Xavier."

Em suas redes sociais, Patrícia disse que a decisão do TJ é também uma vitória das mulheres. "Por 4x1, o TJ de SP decidiu que não é aceitável um presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista. Uma vitória de todas nós mulheres."

Pré-candidatos à Presidência também comemoraram a decisão e parabenizaram a repórter. O ex-presidente Lula (PT) disse que a vitória de Patrícia "é das profissionais de imprensa, agredidas por um presidente que odeia jornalistas e não aceita questionamentos, em especial de mulheres".

Ciro Gomes (PDT) saudou Patrícia e o tribunal paulista pela decisão. "Que a justiça continue sendo feita", escreveu. A senadora e pré-candidata Simone Tebet (MDB) compartilhou a publicação feita pela repórter com a mensagem "Patrícia nos representa".

A declaração de Bolsonaro ocorreu diante de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Na ocasião, ele citou o depoimento do ex-funcionário de uma agência de disparo de mensagens em massa por WhatsApp, Hans River do Nascimento, que mentiu à CPMI das Fake News dizendo que a jornalista queria "um determinado tipo de matéria a troco de sexo".

"Olha a jornalista da Folha de S.Paulo. Tem mais um vídeo dela aí. Não vou falar aqui porque tem senhoras aqui do lado. Ela falando: 'Eu sou (...) do PT', certo? O depoimento do Hans River foi final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele", disse o presidente, para em seguida, aos risos, fazer o insulto com insinuação sexual.

"Ela [repórter] queria um furo." Na sequência, Bolsonaro muda de tom e arregala os olhos e diz: "Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]". Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: "A qualquer preço contra mim".

Patrícia é autora de uma série de reportagens que revelou um esquema de contratação de empresas para realizar disparos em massa para favorecer Bolsonaro durante as eleições de 2018, que fizeram dela alvo preferencial dos bolsonaristas nas redes sociais.

​Após a declaração do presidente, esses ataques se intensificaram novamente, com postagens, memes e vídeos associando a repórter à prática de sexo anal e prostituição, ofensas que se repetem a cada reportagem assinada por ela.

Na decisão de primeira instância, em março de 2021, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara Civil de São Paulo, havia condenado o presidente a indenizar a repórter em R$ 20 mil por danos morais, afirmando que Bolsonaro usou a palavra "furo" de forma dúbia, expondo a jornalista e lhe causando danos.

A defesa do presidente, feita pela advogada Karina Kufa, recorreu pedindo a absolvição do chefe do Executivo, enquanto a defesa de Patrícia, representada pela advogada da Folha, Taís Gasparian, apresentou recurso pedindo que o valor da indenização fosse elevado.

A tese da defesa foi acolhida na última semana pelo desembargador Salles Rossi, o que levou à ampliação do número de julgadores.

"Não há, na minha visão, uma única palavra, no contexto da declaração prestada, que possa significar 'discurso ofensivo, desrespeitoso, machista e mentiroso...'. Nem a repercussão que a declaração do Presidente da República pode trazer permite que se possa dizer tenha resultado em dano, prejuízo ou repercussão à vida moral da autora", declarou.

O posicionamento do magistrado provocou reação de entidades. Em nota conjunta, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) disseram esperar que o TJ-SP não se dobre ao poder político.

"A ABI e a Fenaj estão certas de que não há como enquadrar essa agressão no conceito da liberdade de expressão. Não é do que se trata. É uma ofensa pessoal que busca atingir também os alvos preferenciais da insegurança do agressor".

A Justiça de São Paulo também já havia confirmado as condenações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), elevando o valor de indenização a ser pago por ele de R$ 30 mil para R$ 35 mil, e do deputado estadual André Fernandes (PL-CE), condenado a indenizar em R$ 50 mil a jornalista.

Em fevereiro, a condenação contra Hans River, de abril de 2021, foi anulada por questões técnicas e a defesa aguarda a nova sentença.

O único caso negado até agora foi o pedido de indenização contra Allan dos Santos, fundador do site bolsonarista Terça Livre. A defesa da jornalista já recorreu.

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