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Eleições 2022 Governo Bolsonaro

Tuíte de Bolsonaro sobre democracia ecoa ataque de militares a 'ditadura da oposição' em 1977

Manifesto de Bolsonaro não esconde punhado de deboche, pitada de ironia e toque de desespero

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São Paulo

O tuíte de Jair Bolsonaro (PL) a favor da democracia, por mais sarcástico que seja, mostra que o presidente, com o perdão do palavrão, sentiu o golpe representado pelo manifesto em defesa do Estado de Direito que já congregou mais de 400 mil signatários.

E, numa trapaça da história, ecoa pronunciamento feito pelo general Ernesto Geisel em abril de 1977, poucos meses antes de ser lida a "Carta aos Brasileiros", um documento histórico contra a ditadura militar (1964-1985).

Jair Bolsonaro (PL) na abertura da Global Agribusiness Forum 2022, em São Paulo - Danilo Verpa - 25.jul.22/Folhapress

Naquela ocasião, Geisel convocou uma cadeia nacional de rádio e TV para tentar justificar o injustificável: o fechamento do Congresso Nacional pelo Pacote de Abril, um conjunto de leis baixadas pela ditadura que, entre outras medidas, alterava a Constituição e mudava as regras da disputa eleitoral.

Segundo o líder da ditadura militar, o pacote foi necessário porque uma emenda à Constituição, enviada pelo governo ao Congresso, havia sido rejeitada pela oposição.

"Infelizmente, a oposição resolveu fechar a questão, impedindo que seus representantes no Senado e na Câmara votassem a favor da reforma. Adotou um procedimento que não se coaduna com o espírito democrático", afirmou o general.

"Eu me pergunto: o que devo fazer? Devo conformar-me com a atitude dessa ditadura minoritária?" Pois Geisel não se conformou. Evocou seus poderes ditatoriais e passou a chave nas portas do Congresso.

Aquele pronunciamento marcou o advogado Goffredo da Silva Telles Jr. Professor da USP, ele se incomodou em particular com a inversão de sentidos contida na ideia de "ditadura da minoria", que ele sabia ser tão falsa quanto a menção ao "espírito democrático".

Se os governistas não tinham atingido o quórum de dois terços para modificar a Constituição, isso significava apenas que havia prevalecido a estabilidade do texto constitucional. Nada mais.

Assim, ao elaborar a "Carta aos Brasileiros", Goffredo fez questão de bater nessa tecla. A certa altura do documento, escreve:

"Como cultores da ciência do direito e do Estado, nós nos recusamos, de uma vez por todas, a aceitar a falsificação dos conceitos. Para nós a ditadura se chama ditadura, e a democracia se chama democracia".

E a seguir: "Os governantes que dão o nome de democracia à ditadura nunca nos enganaram e não nos enganarão. Nós saberemos que eles estarão atirando, sobre os ombros do povo, um manto de irrisão".

Homem branco de terno em foto p/b
Professor Goffredo da Silva Telles Jr em 1984 - Matuiti Mayezo - 10.jun.1984/Folhapress

Torcer o sentido das palavras é estratégia manjada de governantes autoritários. Basta lembrar de George Orwell e seu clássico "1984". Publicado em 1949, a distopia retrata um regime totalitário que tem no Ministério da Verdade o órgão responsável por reescrever a história em termos favoráveis ao governo.

É inevitável pensar em Goffredo e na "falsificação dos conceitos" diante do manifesto de Bolsonaro, um tuíte que não esconde o punhado de deboche, a pitada de ironia e, vá lá, o toque de desespero de que foi feito.

Deboche porque são apenas 27 palavras escritas sem a menor cerimônia e nenhum cuidado, como se a democracia e as ameaças que pairam sobre ela não merecessem o respeito do presidente da República.

Bolsonaro, vale lembrar, tinha dito que não precisa de "cartinha" para mostrar que apoia a democracia e, depois, afirmou que banqueiros só aderiram ao manifesto por estarem incomodados com a criação do Pix.

Ironia porque Bolsonaro parece declarar o contrário do que pensa, falsificando os conceitos assim como fez Geisel.

Ao limitar seu manifesto a tão poucas ideias, Bolsonaro se esquiva de dar uma concretude mínima a elas. O que o presidente entende por democracia? Cabem nesse conceito a tortura e o fuzilamento de adversários?

Para ficar no essencial: Bolsonaro agora reconhece a autoridade da Justiça Eleitoral, defende a lisura das urnas eletrônicas e respeitará o resultado das eleições? Afinal, em uma definição minimalista, a democracia é o regime no qual os perdedores aceitam a derrota.

E desespero porque, apesar do deboche e da ironia, o tuíte presidencial é também um recibo. As pesquisas de opinião exibem um cenário cristalizado e desfavorável a Bolsonaro, e pesos-pesados do PIB, outrora em cima do muro, começaram a se posicionar contra o escárnio das instituições.

Em 1977, Geisel tinha medo do que as eleições do ano seguinte poderiam lhe reservar. Hoje, um Bolsonaro também assombrado pelas urnas talvez tema que a "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito", que será lida no dia 11 de agosto, represente um ponto de virada contra os defensores da ditadura.

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