Instituto de pesquisa contratado pelo governo vê empate entre Lula e Bolsonaro

Paraná Pesquisas, que fechou contrato milionário com a Secom, adota prática criticada pelo setor

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Brasília

Dono de um contrato milionário de pesquisas para o governo federal, o Instituto Paraná Pesquisas divulgou nesta terça-feira (13) um levantamento que aponta empate técnico entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Com pequenas diferenças, esse resultado se repete desde maio, enquanto institutos como Datafolha, Ipec e Quaest, apontaram liderança de Lula no período.

O Datafolha é um instituto independente de pesquisa de opinião que pertence ao Grupo Folha e atua com pesquisa eleitoral e levantamentos estatísticos para o mercado. O instituto não faz pesquisas eleitorais para governos ou políticos.

Urna eletrônica armazenada na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo
Urna eletrônica armazenada na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

Desde o início da disputa presidencial, o Paraná Pesquisas realizou 38 sondagens de intenção de voto com resultados menos negativos para Bolsonaro do que de institutos tradicionais.

Em março, foi assinado um contrato de R$ 1,6 milhão entre o Paraná Pesquisas e o governo federal para fazer sondagens sobre políticas públicas. A vigência é de um ano.

À Folha Murilo Hidalgo, um dos donos do instituto, afirmou nunca ter disputado uma concorrência pública e que essa decisão fez parte de um planejamento estratégico da empresa.

"Temos confiança no trabalho que realizamos e a margem de acerto do instituto pode ser verificada em pesquisas realizadas em outras eleições", disse Hidalgo em respostas a questionamentos enviados por email.

Ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a empresa declarou ter financiado ela própria 17 de suas pesquisas eleitorais para a Presidência da República até o início de setembro —46% do total—, uma postura que gera desconfiança no setor.

"É estranho que um instituto que vive de vender pesquisas financie demais seu trabalho", disse Duilio Novaes, presidente da Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa).

Para Novaes, essa é uma situação que possibilita a ocultação de eventual contratante, abrindo caminho para o caixa dois, proibido pela legislação eleitoral.

De acordo com a Abep, 37% das pesquisas eleitorais registradas no TSE entre janeiro e junho deste ano foram supostamente financiadas por recursos dos próprios institutos.

A entidade avalia que a prática dá margem a sondagens falsas que inflariam o desempenho de determinados candidatos com o intuito de induzir eleitores a apoiar aquele postulante.

A Abep entregou o levantamento no fim de agosto para o MPF (Ministério Público Federal) e o TSE. O MPF já vinha investigando casos isolados de empresas que praticam o autofinanciamento.

De acordo com os dados, a quantidade de pesquisas financiadas pelos próprios institutos teve um ritmo de crescimento maior —de 5 para 54, de janeiro a junho— do que as contratadas, que passaram de 18 para 96 no mesmo período.

A atuação mais relevante do Instituto Paraná Pesquisas com levantamos próprios, no entanto, só se verificou a partir de julho, segundo os dados do TSE.

Os critérios técnicos das pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Paraná também já vinham despertando suspeitas da Abep e seus associados —a Folha conversou com alguns deles, sob a condição de anonimato.

Em 2017, a entidade questionou uma das pesquisas do instituto, que mostrou o suposto apoio da maioria dos brasileiros a uma intervenção militar.

Sob risco de expulsão, segundo a Abep, o Instituto Paraná Pesquisas preferiu se retirar da associação a se defender. "Dois meses depois, publicaram uma explicação sobre os nossos questionamentos na página deles na internet", disse Novaes.

Para o referido levantamento, o instituto paranaense disse ter ouvido entrevistados de forma online, projetando os resultados para a população nacional.

"Por essa metodologia, eles teriam de possuir uma base digital de dados de toda a população brasileira, algo que nem as maiores empresas do país possuem", afirma o presidente da Abep.

Dono do Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo recentemente publicou uma foto ao lado de Bolsonaro em uma rede social.

Em 2020, Hidalgo e outros empresários e políticos foram denunciados à Justiça pelo MPF por um suposto esquema de lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de forjar contratos de pesquisa, no valor de R$ 750 mil. O dinheiro teria ido parar nas mãos do ex-senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Ambos negam.

A investigação foi feita no âmbito da Operação Lava Jato, com base na delação premiada de Nelson Mello, ex-diretor da Hypermarcas.

Contrato com o governo

Em março deste ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, hoje vinculada ao Ministério das Comunicações, assinou um contrato de R$ 1,6 milhão com a empresa de Hidalgo.

O objetivo, segundo o contrato, é a realização de "pesquisas de opinião pública" sobre questões ligadas a políticas públicas e à reputação do governo.

A licitação foi questionada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) no TCU (Tribunal de Contas da União). Randolfe integra a coordenação da campanha de Lula.

A área técnica da corte recomendou o cancelamento do pregão eletrônico que levou à vitória do Instituto Paraná, pois entendeu que o contrato público, atualmente em vigor, poderia ser usado para ajudar o presidente em sua campanha.

O ministro Walton Rodrigues, porém, divergiu dos auditores, afirmando que o objeto do contrato não tinha relação com as eleições. Mesmo assim, Walton, que foi o relator do caso, registrou sua estranheza na realização de "pesquisas de opinião" sobre o governo em período de campanha. O plenário, por fim, autorizou a contratação.

"O presidente suspendeu a execução de pesquisas de opinião pública durante todo o seu mandato até agora (...), mas pretende retomá-las justamente no ano eleitoral do final de seu mandato", escreveu o ministro em seu voto.

Empresário diz que relação com Bolsonaro é institucional

Por email à reportagem, Murilo Hidalgo disse que atua há 32 anos no mercado e que sua relação com Bolsonaro é "meramente institucional".

O empresário também disse manter contato com "os demais políticos de outras correntes." Afirmou que a metodologia de suas pesquisas é pública e detalhada no ato do registro no TSE. Segundo o empresário, o financiamento de pesquisas próprias "não é algo exclusivo do instituto."

"Faz parte da estratégia de marketing da empresa. Vale lembrar que nas últimas eleições municipais, o Ibope [hoje Ipec] e outras empresas utilizaram-se da mesma estratégia e não temos conhecimento de que essas empresas foram também questionadas."

Sobre o contrato assinado em março com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Hidalgo informou ser esta a primeira vez que trabalha para um órgão público e disse que os serviços ainda não foram prestados.

O instituto afirma ainda ter respondido aos questionamentos da Abep, mas achou melhor "se desvincular, pois não houve retorno sobre outras demandas."

Hidalgo também afirmou que a denúncia do MPF "não é verídica". O empresário disse não ter sido ouvido pela Justiça nesse caso.

O secretário de Comunicação Social, coronel André de Sousa Costa, disse à Folha que o governo precisava dessas pesquisas para a melhor alocação de recursos publicitários.

"Eu preciso saber a avaliação dos brasileiros sobre as políticas públicas do governo para decidir quais os melhores canais de veiculação de propaganda ou de esclarecimentos sobre as ações e medidas que são tomadas", disse.

O secretário negou qualquer intuito de uso político ou eleitoral do instituto. "A Secom definirá as perguntas [relativas ao contrato] e não haverá nada de cunho eleitoral".

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