Tribunal dos Povos decide que Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade

Sentença de caráter simbólico também afirma que houve violação de direitos humanos por parte do governo brasileiro durante a pandemia

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São Paulo

O veredito da 50ª Sessão do TPP (Tribunal Permanente dos Povos), que avaliou a denúncia contra Jair Bolsonaro (PL), é que o presidente cometeu crime contra a humanidade e grave violação de direitos humanos durante a pandemia.

O TPP é considerado um tribunal de opinião com impacto simbólico e reputacional: profere vereditos sem aplicar penalidades.

A denúncia apresentada em maio deste ano foi feita em conjunto pela Comissão Arns (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (ISP).

O presidente Jair Bolsonaro - Pedro Ladeira-24.mai.22/Folhapress

O julgamento do tribunal reuniu provas de que a partir de ações e omissões do governo brasileiro houve a disseminação intencional do coronavírus. Isso teria afetado desproporcionalmente as populações indígena e negra, bem como os profissionais de saúde, acentuando violações de direitos humanos, vulnerabilidades e desigualdades que promoveram mortes evitáveis.

A leitura do documento foi feita na manhã desta quinta-feira (1º) no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, por Eugênio Raúl Zaffaroni, juiz argentino da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O tribunal afirma que dois atos ilegais foram cometidos pelo atual governo durante a pandemia: uma grave violação dos direitos humanos e um crime contra a humanidade. Também recomendou que o caso seja levado para o tribunal internacional para que seja julgado pelos órgãos responsáveis.

A peça acusatória foi intitulada "Pandemia e autoritarismo: As responsabilidades do governo Bolsonaro por violações sistemáticas aos direitos fundamentais dos povos brasileiros perpetradas através das políticas adotadas na pandemia de Covid-19".

Participam da leitura da sentença o jurista italiano Luigi Ferrajoli, presidente do júri desta 50ª Sessão do TPP, o jurista argentino Eugénio Raúl Zaffaroni, e o secretário-geral do TPP, o epidemiologista e filósofo italiano Gianni Tognoni.

Platéia acompanha a leitura da decisão do Tribunal Permanente dos Povos, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP
Sessão do Tribunal dos Povos no salão nobre da Faculdade de Direito da USP - Comissão Arns/Divulgação

A abertura do evento foi feita pelo cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos e membro fundador da Comissão Arns. Em sua fala, ele afirmou que a formação do povo brasileiro sempre esteve marcada pela desumanização de pessoas.

"Essa desumanização está associada à discriminação racial e à violência contra os negros escravizados e os povos indígenas", disse. "A pandemia de Covid-19 escancarou a situação fragílima da população negra e dos povos indígenas perante o vírus. Essa revelação brutal ganhou mais nitidez depois das eleições de 2018, com o assalto às instituições de Estado por um governo de extrema direita de corte neofascista."

Também no evento, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge afirmou que o papel do tribunal naquele momento era o de avaliar se os efeitos mais nefastos da pandemia sobre negros, indígenas e profissionais da saúde decorriam da inusitada combinação entre pandemia e autoritarismo, e se as decisões tomadas pela atual gestão foram compatíveis com o Estado democrático de Direito.

Na sequência, o secretário-geral do TPP, o epidemiologista e filósofo italiano Gianni Tognon, tomou a palavra para apresentar o cerne da acusação analisada pelo tribunal. Segundo ele, a denúncia levantou dados afirmando que houve má gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro.

"Sobretudo na figura do presidente da República, [que] transformou uma emergência sanitária severa, que pedia proteção e políticas adequadas, para atacar especificamente populações já discriminadas, tais como a população indígena e negra, e, ao mesmo tempo, acentuou as desigualdades dos povos mais vulneráveis do país."

Depois, o juiz argentino Eugênio Raúl Zaffaroni leu a decisão elencando os fatos analisados pelo tribunal e afirmou que o resultado da política de saúde do governo federal, defendida pelo presidente, ocasionou várias mortes que poderiam ter sido evitadas se as orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde e os cientistas tivessem sido seguidas.

O TPP nasceu como Tribunal Russell, organizado pelo filósofo, matemático e Nobel de literatura britânico Bertrand Russell (1872-1970) para investigar violações cometidas pelas forças militares dos EUA na Guerra do Vietnã.

Conhecido também como Tribunal de Estocolmo e Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, seu júri foi presidido pelo filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre, e composto pela escritora Simone de Beauvoir, o político italiano Lélio Basso e escritor argentino Júlio Cortazar, entre outros.

Em 1979, a partir dos princípios da Declaração Universal dos Direitos dos Povos, criada em 1976, por iniciativa de Lélio Basso, o Tribunal Russell se tornou Tribunal Permanente dos Povos.

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