Descrição de chapéu Eleições 2022

'Esgoto' sai das redes sociais e domina debate na eleição

Disputa acirrada entre Bolsonaro e Lula teve pautas de costumes e desinformação

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São Paulo

Ele come carne humana?

Ele foi o mais votado pelos bandidos?

Ele é abortista?

Ele tem amigos criminosos?

Sim, por mais absurdo que possa parecer, esses questionamentos pautaram a eleição que define o próximo presidente da República.

A disputa com os líderes que também são campeões em rejeição chegou a um pico de ataques no segundo turno entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Transparecia que o único objeto dos postulantes ao cargo mais importante do país era tirar votos do adversário.

Bolsonaro passou a campanha rejeitado por 50% dos eleitores, onde segue, segundo o Datafolha, e Lula chegou aos 46%.

Propaganda do PT levou apoio de Guilherme de Pádua ao presidente Bolsonaro ao horário eleitoral
Propaganda do PT levou apoio de Guilherme de Pádua ao presidente Bolsonaro ao horário eleitoral .Crédito: Divulgação - Divulgação

Era como se as opções dadas na urna eletrônica viessem com as perguntas "quem você não aceita como presidente" ou em "quem você não votaria de jeito nenhum".

Ataques com o objetivo de desgastar a imagem do adversário não são novidade em eleições no Brasil. O fluxo, o formato e a intensidade registrados em 2022, porém, representaram um fato inédito.

Se é verdade que Bolsonaro surfou na onda das fake news no mar das redes sociais em 2018, o que ficou provado quatro anos depois é que a água suja da desinformação e do discurso emocional, que apela para o medo, invadiu outros oceanos da propaganda política.

Numa tática comum ao longo da campanha, temas que surgiram nas redes foram parar nas campanhas oficiais, divulgadas no rádio e na televisão, em espaços bancados com dinheiro público.

Todas as perguntas citadas no início do texto poderiam ser respondidas (com resultados diferentes, é verdade) por quem assistiu à propaganda eleitoral no segundo turno. A forma como os temas foram inseridos no debate se repetiu.

Eles surgiram nas redes, supostamente de maneira espontânea, tiveram picos de compartilhamentos, sempre puxados por perfis não oficiais e, depois, acabaram sendo replicados pelas campanhas, em peças de propaganda exibidas no rádio e na TV.

Foi assim quando Bolsonaro, após o segundo turno, afirmou que o adversário era o mais votado entre os bandidos. "Sabe onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições? Nas cadeias e nos presídios", afirmou a apresentadora bolsonarista.

Sim, presos sem sentença final podem votar. Neste ano, foram 220 locais com urnas instalados em unidades prisionais.

Mas nem todos eleitores nessas sessões são presos. Mesários e funcionários de estabelecimentos penais também estão registrados para votar ali. Não há, então, como afirmar com precisão que candidato teve mais votos de detentos.

O ataque bolsonarista mobilizou simpatizantes petistas, que responderam nas redes sociais dias depois, com a publicação de um vídeo com o título "os maiores assassinos do Brasil apoiam Bolsonaro". Nele, apareciam o goleiro Bruno e o ator Guilherme de Pádua, que declararam voto no presidente, e a cantora e ex-deputada federal Flordelis, aliada do candidato à reeleição antes de ser presa, acusada pelo assassinado do marido.

O conteúdo ganhou uma produção profissional e foi exibido em anúncios da campanha de Lula no rádio e na televisão.

A escalada de ataques resultou em uma enxurrada de pedidos de direito de resposta TSE (Tribunal Superior Eleitoral) relacionados à disputa presidencial. Foram mais de 200 durante a campanha, sendo que 160 desses no segundo tuno.

Entre os bolsonaristas, o método e o tom já estavam previstos antes da eleição. O plano nada mais era do que uma evolução do que foi executado em 2018. Agora com dinheiro do fundo partidário e tempo de televisão, o presidente levaria para todas as mídias o esgoto das redes sociais.

Houve até um embate interno entre o núcleo mais próximo dos filhos do presidente e o capitaneado pelo marqueteiro indicado por Valdemar da Costa Neto do PL, partido que recebeu Bolsonaro. O segundo queria um Bolsonaro mais "republicano" na TV, sem espaço para os arroubos e a linguagem da internet. O primeiro grupo venceu a disputa já no primeiro turno.

Entre petistas, replicar a tática do adversário gerou questionamentos. Os marqueteiros da campanha chegaram a defender que entrar na tal pauta de costumes seria um erro. O resultado do primeiro turno, quando Lula venceu, mas não conseguiu encerrar a disputa, fez as certezas mudarem.

Um chamado "janonismo cultural", liderado pelo novo aliado Andre Janones (Avante) ganhou vez. Nele, os petistas apropriaram-se da estética da comunicação bolsonarista nas redes —com montagens toscas, prints sem contexto, memes e difusão rápida —, e assumiram uma postura de ataque, saindo da posição reativa.

Como ele admitiu à Folha "em uma guerra você nem sempre escolhe quais armas usar".

"O tempo é um só. O tempo que eles gastam desmentindo as verdades que estamos lançando, estariam gastando para mentir", defendeu.

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