O deputado federal André Janones (Avante-MG) é um dos mais habilidosos políticos nas redes sociais. Ao menos no campo não bolsonarista. Sua capacidade de se comunicar com diversos públicos foi um dos fatores que o ajudaram na eleição de 2018 em meio à greve dos caminhoneiros. O mineiro também acumulou números impressionantes de engajamento no Facebook durante as discussões sobre auxílio emergencial em 2020.
Foi um dos pré-candidatos a Presidência, mas acabou incorporando-se à campanha petista de Luiz Inácio Lula da Silva como uma espécie de consultor nas esferas digitais. No entanto, a maneira agressiva como vem atuando, que recebeu a alcunha de "janonismo cultural", é criticada por aliados. Na tática, há compartilhamento de conteúdos distorcidos e até falsos. Janones rebate e diz que é preciso usar as armas do bolsonarismo para derrotá-lo e, só depois, seria possível o debate de propostas.
Leia entrevista para o blog #Hashtag.
O sr. acredita que o papel das redes sociais mudou das eleições de 2018 para cá? Se sim, o que mudou?
Eu considero que as redes sociais continuam tendo um papel de extrema relevância no debate político, mas com um pouco menos de força do que em 2018. A gente percebe que, aos poucos, e ainda é uma virada sutil, que a política começa a voltar para aquele modo antigo de se fazer. A liderança volta a ter um peso relativamente grande no processo. Então, vai ocorrendo um equilíbrio. A gente estava num extremo, depois fomos para outro extremo e agora a gente volta para o meio do caminho.
Falando da minha atuação: eu fui eleito em 2018 na chamada onda da "nova política", assim como outros parlamentares. No advento das redes sociais, com a força que veio, teve-se a impressão de que estavam disputando espaço, seja com a TV aberta seja com a imprensa escrita. Agora todo mundo percebeu que cada um tem o seu espaço, cada um comunica com um público, cada um leva um tipo de mensagem diferente.
O que me diferenciou de muitos que não voltaram à Câmara é que, ao contrário desses que negam a política, que não se assumem como políticos, que demonizam fazer a articulação, conversar com adversários, atender a imprensa, é porque não fui nessa onda da antipolítica. Eu sempre me policiei dizendo o seguinte para mim próprio: eu não sou um digital influencer, eu sou um deputado que faz um trabalho na vida real e comunica nas redes sociais
Para mim, o futuro das redes sociais e o papel das redes sociais nas eleições é o equilíbrio. É utilizá-las como meio de comunicação, o que não me impede de fazer a política tradicional, não me impede de fazer articulações. A rede social é tão somente mais um meio de se comunicar.
A primeira semana de campanha para o segundo turno foi marcada por temas ligados ao que se tem chamado de "guerra religiosa", e discussões como maçonaria e satanismo emergiram, furando a bolha progressista. Qual o impacto acha que isso teve? Novas ofensivas serão feitas nesse front? Você acha que terão o mesmo sucesso?
Eu acho importante frisar e deixar registrado o meu lamento, o pesar, de estarmos discutindo política no nível que a gente está discutindo. Em um país com 33 milhões de pessoas passando fome, milhões de desempregados, em um país extremamente desigual a gente está debatendo notícias de satanismo, guerra religiosa e quais delas têm maior alcance.
Ninguém queria estar vivendo esse momento. Mas em uma guerra você nem sempre escolhe quais armas usar. Quem é contra armar a população, quem é contra a utilização de armas de fogo, numa guerra tem que utilizar dessas armas de fogo.
O bolsonarismo desceu o nível da política. Todos nós temos a responsabilidade, uns mais outros menos, pelo bolsonarismo existir. A gente deixou o bolsonarismo nascer e não percebemos. E agora a gente tem que combatê-lo. Para combater, essa é a única arma que a gente tem.
Nessas eleições, o campo progressista está conseguindo diminuir a frente do bolsonarismo nas redes sociais. As redes eram um campo onde falávamos sozinhos.
Essa "guerra religiosa" acontece em meio a eleições em um Estado que é laico, ao menos em teoria. Como enxerga o debate religioso ter um papel tão central em eleição presidencial tida por muitos como a mais importante desde a redemocratização?
Eu acho muito ruim. Eu espero que, caso o Lula vença as eleições, a gente possa nos próximos quatro anos usar de novo a política para debater política, e a religião para discutir questões de fé.
Eu sou evangélico e até dois meses atrás nem meus seguidores sabiam disso, porque eu sou um evangélico que defende o Estado laico e não há nenhuma contradição com a doutrina que eu sigo. A doutrina que sigo prega o amor ao próximo e a convivência com pessoas diferentes.
Eu também sou palmeirense e adoro futebol. Eu não vou discutir isso com você agora porque não é o objetivo da entrevista. É preciso saber qual é o momento em que cabe cada discussão e suas funções. Eu sou um homem de fé, não nego a minha fé, tenho as minhas convicções: o Deus que eu sigo, em que eu acredito, a atividade que eu tenho com ele. Se alguém quiser discutir isso comigo, eu discuto, o que não posso é levar para o campo político, onde eu tenho que representar e dar voz ao templo espírita, ao cara da umbanda, ao candomblé, todos.
A gente precisa trabalhar isso nos próximos quatro anos e levar essa conscientização. Como? Não falando sobre isso, não levando esse tema. A gente combate a guerra religiosa não entrando nela. Eu espero que nos próximos quatro anos a gente não leve questões religiosas nem para a Câmara e nem para o governo.
Junto desses temas, o termo "janonismo cultural" passou a ser usado nas redes. O que acha dele? Como se liga a esse material que, p.ex, associa Bolsonaro à maçonaria? Qual definição daria para o janonismo cultural?
Eu vi essas conexões nas redes sociais. Acredito que, basicamente, significa lutar com as armas que são colocadas.
Eu vou dar o exemplo das minhas três principais redes sociais: Facebook, Twitter e Instagram. Não adianta eu falar sobre diretrizes programáticas no Facebook, da mesma maneira não adianta eu ficar falando no Twitter que vou aumentar o Auxílio Brasil, porque quem precisa do Auxílio Brasil está no Facebook. Em cada rede social eu comunico de acordo com o meu interlocutor.
Sempre digo o seguinte: eu não desejo ser um grande orador, não desejo falar muito. Meu desejo é ser um grande comunicador, aquele que as pessoas compreendem a mensagem. Muita gente fala de "janonismo" como sinônimo de baixar o nível. Não é baixar o nível, é dialogar de acordo com as regras que estão sendo colocadas.
Não posso, a essa altura, dizer "ah, que absurdo", "ah, que baixo o nível, temos que discutir questões econômicas para ganhar eleições". Se eu, coletividade, sociedade, tivesse pensado nisso antes de deixar o Bolsonaro nascer. Agora que ele já está no poder, cabe a mim combatê-lo.
É preciso vencê-lo dia 30 de outubro, depois fazer o debate nos próximos quatro anos. Espero que a gente não precise baixar tanto o nível de uma eleição. Mas esse ano é o que a gente tem.
Na primeira semana após o primeiro turno, o sr. foi acusado de propagar fake news a respeito de Jair Bolsonaro. Qual é a sua contribuição atualmente na campanha de Lula?
Eu não tenho a prática do Bolsonaro, de intimidar a imprensa. Sei que os jornalistas têm várias fontes e não posso afirmar que isso é fake news. O que posso dizer é: ninguém da campanha e nem Lula nunca me chamaram a atenção. Absolutamente nunca. Essa conversa, de que iam me afastar, surgiu na imprensa após o debate, em que houve a briga com o Ricardo Salles. O Mercadante me ligou e disse que não existia essa conversa na campanha e que o presidente Lula estava satisfeito com o meu apoio.
Eu vi a nota no Painel falando sobre a fake news. Eu não respondi porque a matéria não dizia qual seria a fake news. Se você analisar atentamente, vai ver que eu uso "Bolsonaro supostamente estaria", "ouvi dizer que", "eu não sei se é verdade", "vazaram essas imagens". Eu não afirmo nada.
Independente dos efeitos desse material na campanha de Lula, o sr. acredita que estas estratégias afetaram a campanha e a militância bolsonarista? Como?
O tempo é um só. O tempo que eles gastam desmentindo as verdades que estamos lançando, estariam gastando para mentir. A gente não consegue competir, mas consegue minimizar o alcance nas redes, onde espalham as suas fake news. Por exemplo, os posts de fake news que eles fariam contra Lula viram posts para discutir que Bolsonaro foi na maçonaria. A gente no mínimo diminui o alcance deles.
Em um momento em que a democracia está fragilizada, o sr. não teme que combater "fake com fake" ou utilizar as mesmas estratégias da militância bolsonarista possa piorar o quadro geral da política e das instituições brasileiras, ainda que contribua para uma eventual derrota de Bolsonaro nas eleições?
É indiscutivelmente prejudicial, prejudica muito a democracia. Esse debate arranha a democracia, a vitória de Bolsonaro mata a democracia. Se Bolsonaro vencer essas eleições, ele vai ter conseguido seu grande objetivo: instaurar uma ditadura pela via democrática. Eu sei dos prejuízos para a democracia, mas se esse é preço para salvá-la, eu estou disposto a pagar. Depois do dia 30, a gente vai ter quatro anos para discutir propostas.
André Janones, 38
Nascido em Ituiutaba (MG), em 1984, começou a trabalhar como cobrador de ônibus em sua cidade natal. Em 2004, entrou na Fundação Educacional de Ituiutaba, onde formou-se em direito. Durante a greve dos caminhoneiros de 2018, Janones ganhou destaque nacional por sua atuação em defesa da categoria e, ainda naquele ano, elegeu-se deputado federal por Minas Gerais, cargo para o qual foi reeleito em 2022.
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