Grupos bolsonaristas mudam narrativa em intervalo de horas e passam a investir contra Jefferson

Mensagens em defesa de Jefferson deram lugar a falas de que ele seria criminoso e ligado à esquerda; aponta monitoramento de grupos de Telegram

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São Paulo

Se nas primeiras horas da tarde do domingo (23) o tom principal de grupos bolsonaristas no Telegram era de defesa de Roberto Jefferson e contra as medidas do STF (Supremo Tribunal Federal) e até mesmo da Polícia Federal, ao longo das horas foram se intensificando as mensagens críticas ao petebista.

O descumprimento das regras de prisão domiciliar levou o ex-deputado e dirigente do PTB a receber uma nova ordem de detenção determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Ele, contudo, resistiu à prisão com tiros de fuzil e granadas contra agentes da Polícia Federal que tentavam cumprir a decisão. À noite, foi levado ao presídio de Benfica, na zona norte do Rio, onde aguardou audiência de custódia.

A mudança de narrativa nos grupos segue o que se viu também entre influenciadores e políticos do campo bolsonarista, que a reboque das declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) foram moldando seu posicionamento.

Os dados são do Observador Folha/Quaest, que monitora 465 grupos públicos de Telegram.

O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) ao chegar ao presídio de Benfica, na zona norte do Rio
O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) ao chegar ao presídio de Benfica, na zona norte do Rio - Reprodução/TV Globo

Logo após a ocorrência, os grupos foram tomados pela divulgação de vídeo de Jefferson, além de links para sites bolsonaristas com títulos como "URGENTE: Nesse momento Roberto Jefferson está trocando tiros com a Polícia Federal".

Diferentes pessoas saíram em defesa de Jefferson ou compartilharam mensagens como "ordem manifestamente ilegal não se cumpre!". Os policiais chegaram a ser chamados de "milícia" e de "terroristas disfarçados".

"Nenhum policial é obrigado a cumprir ordem ilegal. Existe uma ala da Polícia Federal atuando em favor da instalação da ditadura no Brasil", escreveram.

Enquanto parte das pessoas defendiam que era preciso o povo "ir em massa na casa de Roberto Jefferson" para prestar apoio, outra parcela já sinalizava preocupação quanto ao possível efeito negativo do episódio na reta final da campanha até o segundo turno. "O PT tava só esperando um deslize, Roberto Jefferson deu arma pro PT", escreveu uma usuária.

Ao responder a uma pessoa que disse "esqueçam esse cara", outro afirmou: "Fica quieto seu frouxo, o Roberto Jefferson errou, mas o caminho usado para puni-lo é inconstitucional".

Nos grupos, o ponto de virada principal aconteceu a partir das 19h, depois de o chefe do Executivo publicar um vídeo em seu Twitter se referindo a Jefferson como criminoso.

Mais para o fim da noite, passaram a ter destaque também as mensagens que buscavam desvencilhar o presidente de Jefferson, reproduzindo suas declarações em entrevista à TV Record.

"Jair Bolsonaro chama Roberto Jefferson de ‘criminoso’ e presta solidariedade a agentes da Polícia Federal" foi uma das mensagens que passou a circular à noite, assim como "Um amigo não processa o outro". Isso porque Bolsonaro fez referência a uma queixa-crime apresentada por Jefferson ao STM (Superior Tribunal Militar) em setembro. O objetivo do processo, no entanto, era dar munição para o presidente agir com medidas mais duras contra o STF, segundo aliados.

Outra mensagem compartilhada dizia que não era a primeira vez que Jefferson tentava "de alguma forma prejudicar o Presidente Bolsonaro, especialmente depois dele não escolher o PTB como seu partido".

O petebista passou a ser associado ao PT e à esquerda, sendo retomado o caso do mensalão, com mensagens como: "Bolsonaro sobre a ‘amizade’ de Lula com Roberto Jefferson e José Dirceu e as passadas de pano para os casos de corrupção no seu governo". Também passou a ser divulgado um vídeo de Jefferson da campanha eleitoral de 1998, em que ele dizia: "Sou eu o autor da lei do desarmamento no Brasil".

Ao longo da tarde, o tuíte de Bolsonaro repudiando a ação, mas com tom menos incisivo e ainda destacando o que via como irregularidades no inquérito no qual Jefferson teve a prisão ordenada, começou a ser divulgado.

"Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP", publicou o presidente às 13h40.

Ainda que não fosse o tom predominante, diferentes usuários já faziam críticas a Jefferson e diziam que sua atitude acabaria prejudicando a campanha.

Outras pessoas se mostravam indignadas: "Agora pra não atingir o presidente tem que aceitar tudo calado, ninguém se coloca no lugar do cara. E não vem falar que eu sou infiltrada que eu não sou".

Uma mensagem dizia por exemplo: "espero que a direita, às vésperas da eleição não se volte contra o presidente, ele tá certo, o Brasil não pode virar uma terra sem lei".

Desde o episódio são várias as mensagens que tratam a ação de Jefferson como uma cortina de fumaça e até mesmo como uma armadilha da esquerda, da mídia ou do ministro Alexandre de Moraes.

Perto do fim da tarde do domingo, o discurso principal chamava os apoiadores a focar na campanha. "Patriotas, Bob Jeff já deu! Deixemos isso com a PF", dizia uma das mensagens. "Não podemos cair na cilada de Moraes e tirar o foco da conquista de votos". "Alerta, Patriotas! Caso Roberto Jefferson já virou uma encrenca. Todo cuidado para não respingar no presidente Bolsonaro!" é outro exemplo.

A falta de direcionamento nos grupos quanto ao qual deveria ser o foco da crítica também foi vista nas postagens de influenciadores e políticos aliados do presidente.

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF), por exemplo, chegou a publicar perto das 13h: "Momento gravíssimo da nossa combalida democracia. PF cumpre ordem de prisão de Roberto Jefferson mas ele diz que não irá se entregar. Já houve tiroteio, como mostram as imagens". Mais tarde ela compartilhou as mensagens de Bolsonaro, além de uma mensagem que dizia: "Não se atira na polícia. Ponto. Não tem ‘mas’. Não tem ‘veja bem’".

O youtuber e deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) primeiramente tuitou, por volta das 13h: "Que loucura é essa gente! Quem poderá parar o Alexandre de Moraes???". À noite, ele escreveu: "Urgente! Bolsonaro chama Roberto Jefferson de bandido por atirar contra a polícia", além de ter feito uma live criticando o episódio.

Também a deputada Carla Zambelli (PL-SP) não fez inicialmente menção em defesa dos policiais, mas ressaltou as críticas ao Judiciário. "Não existe crime de opinião no Brasil! Lamento e repudio as falas e ações de Roberto Jefferson, mas vemos agora com muito mais preocupação as consequências dos atos inconstitucionais praticados por aqueles que deveriam proteger a Constituição."

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