Lira manobra para votar projeto que censura e criminaliza pesquisas eleitorais

Proposta parte do pressuposto de que os eleitores não mudam intenção de voto nos 15 dias que antecedem ao pleito

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Brasília

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), manobrou para acelerar a votação de um projeto que busca censurar e criminalizar as pesquisas eleitorais. A iniciativa faz parte de uma mobilização de aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) após o resultado do 1º turno.

Lira apensou a proposta a um texto que já havia sido anexado a um terceiro projeto que está pronto para votação em plenário. Desta forma, a proposta não precisa passar por comissões ou ter a urgência aprovada pelos deputados.

O presidente da Câmara, conhecido crítico das pesquisas eleitorais, conseguiria votar a proposição nesta terça-feira (11), caso haja uma inclusão extrapauta —o texto, por ora, não está previsto na pauta do dia.

Caso aprovado na Câmara, o texto em seguida segue para a avaliação do Senado.

Presidente Jair Bolsonaro (PL) e presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
Presidente Jair Bolsonaro (PL) e presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após encontro com parlamentares da base no Palácio da Alvorada - Adriano Machado-6.out.22/Reuters

O projeto, que se insere em uma mobilização bolsonarista após o resultado do 1º turno, tem como contexto uma ofensiva para desacreditar os institutos com argumentos que ignoram características de pesquisas eleitorais.

O texto desconsidera que levantamentos apontam a intenção de voto de pessoas aptas a votar no momento em que são entrevistadas, além de eventuais tendências, sem a missão de antecipar o voto dado pelo eleitor.

O projeto de lei, apresentado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), estabelece pena de prisão de 4 a 10 anos a quem publicar, "nos 15 dias que antecedem às eleições, pesquisa eleitoral cujos números divergem, além da margem de erro declarada, em relação aos resultados apurados nas urnas".

Assim, a punição prevista na proposta pode ser maior do que a aplicada em casos de homicídio, cuja pena mínima é de seis anos de detenção.

Além de ignorar a natureza das pesquisas eleitorais, que não é a de antecipar o resultado das urnas, o texto de Barros pressupõe que a intenção de votos não terá mudanças nos 15 dias anteriores ao pleito.

Ou seja, caso aprovado o texto, estarão sujeitos a prisão os responsáveis por pesquisas que apontarem um cenário eleitoral que, decorridos 15 dias até a data da eleição, não coincidam com os números da apuração dos votos.

"Respondem pelo crime o estatístico responsável pela pesquisa divulgada, o responsável legal do instituto de pesquisa e o representante legal da empresa contratante da pesquisa. O crime se consuma ainda que não haja dolo de fraudar o resultado da pesquisa publicada", diz o texto.

O texto de Barros diz considerar "erro grotesco que sete empresas já estabelecidas no mercado tiveram pesquisas indicando a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno". Ocorre que de fato houve essa chance —apenas 1,57 ponto percentual dos votos válidos separou o petista do triunfo no último dia 2.

A proposta estabelece que até mesmo casos considerados culposos (quando não há intenção de cometer crime) serão punidos, um conflito com a mudança capitaneada por Lira, Barros e outros integrantes do centrão na Lei de Improbidade —eles excluíram a possibilidade de responsabilização em casos de ilícitos cometidos de forma culposa, algo que poderia beneficiar políticos.

Em entrevista à Folha, Barros afirmou que as empresas do setor têm a obrigação de "acertar" ou devem sair do ramo.

O aliado de Bolsonaro afirmou, ainda, em um primeiro momento, ter sido um "erro grotesco" institutos terem apontado a possibilidade de vitória do ex-presidente Lula em primeiro turno.

"Se a pessoa não tem condição de precisar a pesquisa, não publica. Não faz a pesquisa. Se não tem expertise, não se meta no ramo", disse. "Ou o cara vai elaborar uma metodologia que bata com o resultado ou nós não queremos pesquisa que não bate com o resultado, porque ela é inútil para a sociedade."

O texto votado no plenário deve sofrer alterações, mas o relatório ainda está em elaboração.

"Nós não faremos nada no Congresso Nacional, como nunca fizemos, na calada da noite ou com manobras. Sempre com votos, sempre com maioria de votos, sempre discutindo as matérias. E as teses são de dar uma regulamentação à metodologia das pesquisas para dar uma uniformização de números", disse Lira em entrevista ao UOL nesta terça.

"Existe regimento, e o regimento tem saídas regimentais para que a maioria se posicione", disse. "Não é uma manobra, você não está ludibriando, você não está enganando. Você tem alternativas regimentais que pode usar ou não a depender do interesse político dos partidos e dos parlamentares na Casa."

O deputado afirmou não saber se o texto de Barros será o votado pela Câmara e disse ter dúvidas sobre como poderia ser feita a responsabilização objetiva penal em uma regulamentação de institutos de pesquisa. "É o estatístico? É o dono da empresa? É quem pesquisou? A gente não pode é estar o tempo todo publicando pesquisas na véspera da eleição e dizer que o povo mudou da véspera para o dia", criticou.

Lira negou que a intenção da proposta seja criminalizar os institutos, embora tenha defendido banir aqueles cujos resultados divergirem muito da margem de erro, e afirmou que o objetivo não é proibir a divulgação de pesquisa, como é na "França e na Itália" —países em que são adotados o semipresidencialismo e o parlamentarismo, respectivamente.

"Mas nós poderíamos regulamentar para dizer: aquelas pesquisas que forem registradas na semana da eleição, seja de quais institutos forem, que tiverem seu registro, sua metodologia na Justiça Eleitoral, elas deverão ter o tratamento igualitário nos meios de comunicação. É uma regulamentação", disse.

"A gente pode dizer: o instituto que errar mais de três vezes a margem de erro pode ficar banido do sistema eleitoral por oito anos, e seus sócios e seus funcionários responderão civilmente por multa de xis vezes o valor do contrato cada vez que errarem, por terem errado. Isso é regulamentação, isso não é criminalização."

Alguns parlamentares bolsonaristas estão coletando na Câmara assinaturas para que seja criada uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre os institutos de pesquisa. Lira voltou a dizer que, se houver objeto determinado e número de assinaturas, ele instala.

O presidente da Câmara também disse que, caso as mudanças sejam implementadas, poderiam valer para o segundo turno. "Nós não estamos tratando de processo eleitoral. Nós estamos tratando de regulamentação de empresas que fazem pesquisas em processo eleitoral", afirmou. "E eu nem acho que o Senado vá votar agora antes da eleição. Nós só temos duas semanas para a eleição. Eu nem posso afirmar se a câmara vai votar antes da eleição."

Na quinta-feira passada, ao deixar reunião com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, Lira defendeu que empresas que apresentam resultados muito divergentes da margem de erros sejam proibidas de fazer os levantamentos.

"Se uma empresa de pesquisa errar por duas ou três vezes a margem de erro, como foi em São Paulo, por exemplo...todas as pesquisas davam Tarcísio perdendo por dez [pontos] e ele ganha por nove [pontos], são 19 pontos, numa margem de três, são seis vezes a margem de erro", criticou Lira.

"Então uma empresa dessas tem que ficar banida de fazer pesquisa, de publicar pesquisa, de trabalhar por oito anos, como fica quem faz malfeito na administração pública."

Parte do Congresso tem um desejo antigo de aprovar uma censura a pesquisas eleitorais, com regras que não diferenciam institutos com longo histórico de credibilidade de outros que são usados pelos próprios grupos políticos para inflar suas intenções de votos e de aliados.

Em setembro de 2021, a Câmara aprovou texto determinando que os levantamentos só podem ser divulgados até a antevéspera da eleição. O projeto também estabelece a exigência da publicação de um "percentual de acertos" nos últimos cinco pleitos. A proposta ainda não foi analisada no Senado.

Esta não foi a primeira vez que o Congresso tenta restringir a divulgação de pesquisas eleitorais.

Em 2006, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou parte de projeto aprovado pelos parlamentares que vetava a publicação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que antecedem o pleito. O argumento dos ministros foi o de que a medida restringia o direito dos eleitores à informação.

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