Militantes petistas não invadiram igreja em Joinville, ao contrário do que afirma vídeo

Manifestação aconteceu em pátio da instituição de ensino após demissão de professora

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São Paulo

Não houve invasão de igreja por militantes petistas em Joinville, diferentemente do que afirma post viral. O grupo era, na realidade, formado por estudantes e organizações políticas de esquerda da cidade, e entrou no terreno em que fica a paróquia para protestar contra a demissão de uma professora do ensino superior que lecionou por 15 anos no Bom Jesus Ielusc e foi desligada após manifestar-se contra bolsonaristas em sua rede social. A instituição ocupa o mesmo complexo que a igreja e faz parte da Rede Sinodal de Educação, ligada à IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil), entidade associativa que reúne instituições educacionais com vínculos evangélico-luteranos.

Em vídeos compartilhados na internet, os manifestantes aparecem gritando as palavras de ordem "ocupar e resistir" enquanto sobem as escadas do Deutsche Schule, prédio administrativo da instituição. Como verificado pelo Projeto Comprova, as publicações enganosas sugerem que militantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT teriam entrado no local e "invadido" a igreja luterana durante o culto. Em nenhum momento, no entanto, os participantes entram no espaço religioso ou tocam os sinos.

Ambiente com piso preto e branco quadriculado e escada com pessoas aparentemente discutindo. Elas estão com rosto borrado. A imagem é um print de tela do Instagram
Diferentemente do que afirma vídeo, protesto era contra demissão de professora - Reprodução/Instagram

À reportagem, integrantes de grupos que estiveram à frente do ato negaram que o protesto tenha sido organizado pela CUT ou pelo PT. Segundo eles, as manifestações foram individuais, com bandeiras e adesivos partidários de pessoas que se somaram ao ato, mas também com a presença de integrantes de sindicatos de professores, tanto de instituições públicas quanto privadas da cidade, e estudantes.

Em nota publicada na quarta-feira (19), a Paróquia da Paz desmentiu a suposta invasão e afirmou que, por compartilhar do mesmo espaço que a instituição de ensino, a manifestação gerou "incômodo" durante o culto em andamento, mas a celebração não foi paralisada.

Em consulta no Google Maps, é possível ver dois prédios: um azul, que é a igreja, e um amarelo, que é a antiga escola alemã Deutsche Schule. Na filmagem, os manifestantes entram apenas na estrutura em amarelo.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação

Até 20 de outubro, as postagens compartilhadas obtiveram um total de 502,9 mil visualizações, contabilizando Instagram e Twitter.

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem entrou em contato com o autor da publicação e até o momento não teve resposta. Após o pronunciamento da congregação, o vídeo foi excluído da página.

Como verificamos

Inicialmente, buscamos reportagens que citaram o protesto dos estudantes na faculdade Bom Jesus Ielusc e procuramos por vídeos publicados nas redes sociais utilizados em peças de desinformação. Também consultamos o Google Maps e, com base nos vídeos, concluímos que o prédio ocupado pelos manifestantes foi o amarelo, chamado Deutsche Schule, e não a igreja, estrutura em azul.

A equipe também procurou a assessoria de comunicação do Ielsuc, a defesa da professora Maria Elisa Máximo e, por fim, a nota oficial da congregação luterana e outras instituições que abordaram o assunto, além de perfis oficiais de políticos e páginas que compartilharam a desinformação.

Não houve invasão

Ao contrário do que dizem vídeos e posts que circulam na internet, os manifestantes não invadiram a Paróquia da Paz. A igreja, construída em 1857 e que mantém parte da estrutura original, atualmente fica ao centro do Colégio Bom Jesus Ielusc, antiga escola alemã (Deutsche Schule) que foi construída anos mais tarde, assim como as outras edificações que integram o mesmo espaço com os ensinos fundamental, médio e superior.

O prédio que o grupo ocupou, portanto, foi o Deutsche Schule, que abriga o administrativo da instituição privada. Após o boato, a própria congregação emitiu um comunicado desmentindo a suposta invasão e afirmando que o grupo não entrou no espaço religioso em nenhum momento do ato.

O texto ainda diz que, durante o protesto, acontecia um culto — que é celebrado toda terça-feira, às 19h —, e que os manifestantes não tiveram acesso aos sinos, acionados logo após a oração do Pai Nosso, como de costume.

Além disso, por compartilhar do mesmo espaço que a instituição de ensino, a nota diz que a manifestação gerou "incômodo durante o culto em andamento em razão do barulho e na saída dos participantes [do culto]". No entanto, a celebração não precisou ser paralisada, conforme esclareceu o pastor Cleo Martin ao jornal O Globo.

Além de grupos bolsonaristas, a peça de desinformação foi compartilhada por vereadores de Joinville e pelo candidato ao governo de Santa Catarina Jorginho Mello (PL) — que excluiu a publicação de suas redes após pronunciamento oficial da igreja. O conteúdo falso também foi publicado por jornais gospels, uma página de notícias locais e até pela atriz e ex-secretária de Cultura do governo Bolsonaro Regina Duarte. Em nenhum dos casos, até o fechamento desta checagem, houve retratação.

Motivo

O grupo de manifestantes foi até a instituição Bom Jesus Ielusc protestar contra a demissão da professora Maria Elisa Máximo, que lecionava para o ensino superior. A docente já estava afastada da faculdade há duas semanas após uma publicação em sua conta pessoal do Twitter em que criticava bolsonaristas. O aviso da demissão veio na terça-feira (18), o que motivou o protesto por parte de estudantes e outras organizações da cidade.

Segundo Chico Aviz, professor e militante de uma das entidades que organizaram o ato, a mobilização não foi encabeçada pelo PT ou pela CUT, mas por entidades estudantis e organizações políticas. O que houve, segundo ele, foram manifestações individuais de pessoas que participavam da ação levando bandeiras partidárias e adesivos.

"Fomos, sim, ao Ielusc em defesa da professora, mas sem nenhuma relação com a igreja. Fomos ao prédio da faculdade e ao estacionamento. Chegaram a falar que a gente tocou o sino, olha o absurdo disso… Não houve nenhuma fala de intolerância religiosa", reforça Aviz.

Antes da manifestação em defesa da professora, o grupo se reuniu na Praça da Bandeira, a 450 metros do Bom Jesus Ielusc, para protestar contra cortes do governo federal e retenção de orçamento federal destinado à educação. A mobilização aconteceu em mais de 70 cidades do país e, nacionalmente, foi convocada pela União Nacional dos Estudantes (UNE).

Os manifestantes saíram da praça central e seguiram para a instituição por volta das 19h30 a pedido dos estudantes contrários à demissão da professora e Eles ficaram na faculdade por cerca de uma hora. Com bandeiras e faixas, o grupo se concentrou, na maior parte do tempo, no pátio da faculdade onde fizeram discursos.

Crítica a bolsonaristas

Maria Elisa Máximo é doutora em antropologia e atuava havia 15 anos como professora do ensino superior no Bom Jesus Ielusc. No dia 1° de outubro, a educadora publicou, em sua conta pessoal do Twitter, uma crítica a apoiadores de Bolsonaro que participaram naquele dia de uma motociata em Joinville, véspera do primeiro turno das eleições de 2022.

O print do tuíte viralizou em grupos bolsonaristas e, um dia depois, virou assunto na Câmara de Vereadores da cidade , quando o presidente da Casa, Maurício Peixer (PL), definiu a fala de Elisa como "discurso de ódio" e ataque.

Após a repercussão negativa por parte do eleitorado bolsonarista e de pais de alunos matriculados na instituição, no dia 4 de outubro, o Ielusc emitiu uma nota sobre o afastamento da professora e informou que, no dia 12 de agosto, em razão do período eleitoral, foi enviado a todos os funcionários um comunicado "trazendo de forma sucinta o que é esperado do colaborador nesse período".

Entre as orientações, o texto pedia para "evitar que posicionamentos pessoais possam ser vinculados como sendo da instituição educacional" em salas de aula ou mídias e grupos acessados por estudantes e pais e evitar "debates improdutivos, em especial quando você ou seu interlocutor utilizam achismos e generalizações como argumentos". A instituição ainda reforçou que seu "posicionamento institucional é de neutralidade política, por ser apartidária".

Mesmo após o afastamento, o caso continuou gerando polêmica e repercutiu nacionalmente, sendo alvo de críticas de representantes públicos. A deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PL-SC), inclusive, levou o assunto para a tribuna da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) na tarde de terça-feira (18) —dia em que ocorreu a demissão.

Um dia após o ato a favor da professora, pais e alunos do Ielusc críticos às manifestações de apoio à educadora, organizaram um protesto em defesa da instituição de ensino. A convocação foi feita por movimentos de direita da cidade. O grupo cantou o hino nacional e aplaudiu a chegada da cavalaria da Polícia Militar.

Em Joinville, maior colégio eleitoral de Santa Catarina, Bolsonaro teve 72,06% dos votos válidos nas eleições de 2018, o maior índice entre as cidades com mais de 300 mil eleitores, conforme citou o colunista da NSC Jefferson Saavedra. Neste primeiro turno de 2022, o candidato à reeleição fez 68,98% de todos os votos válidos.

Perseguição política

Ao Globo, Maria Elisa Máximo classificou como política a motivação de sua demissão, apesar de essa justificativa não ter sido apresentada pelo Ielusc. "Até mesmo porque, como uma instituição privada, eles têm a liberdade de rescindir o contrato a qualquer momento", explicou.

Após a repercussão negativa, Maria Elisa sofreu diversos ataques nas redes sociais e desativou sua conta no Twitter. A educadora diz que teme pela segurança dela e da família.

Em nota escrita na quarta-feira, estudantes da faculdade Bom Jesus Ielusc reforçaram que não houve depredação do ambiente por parte dos manifestantes e que o ato foi pacífico. O movimento foi apenas, segundo os alunos, para demonstrar insatisfação com a instituição quanto à demissão e "ao seu posicionamento neutro, sem nenhum tipo de blindagem aos seus colaboradores".

"Não é a primeira vez que um episódio como este acontece. Há alguns anos que professores, que não se posicionam de acordo com o que a instituição prega, são demitidos. O Ielusc, ao invés de defender a liberdade de expressão da professora, afastou-a e, ontem, procedeu com a demissão. Ela tinha 15 anos de casa. Uma lástima", cita o texto.

Segundo Daniela Felix, advogada de Maria Elisa, ela foi "dispensada sem justa causa formalmente". Na próxima semana está prevista a homologação da demissão por parte do sindicato.

"Sobre a rescisão do contrato de trabalho anunciada ontem, consideramos lamentável o posicionamento da faculdade, que coloca fim a um trabalho seríssimo e comprometido de docência, pesquisa e extensão de mais de 15 anos, que prejudica não só a professora, mas todos os demais docentes e discentes envolvidos nos projetos por ela coordenados", cita o pronunciamento oficial da defesa.

O Comprova entrou em contato com a assessoria de comunicação do Ielusc que, por telefone, informou que não se manifestaria oficialmente sobre os motivos para o desligamento da professora.

Notas de repúdio

Após a demissão, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio da Comissão de Direitos Humanos, publicou uma nota de repúdio ao que define ser uma "perseguição política e profissional" sofrida pela professora Maria Elisa Máximo e sua família.

A instituição cita que "tal perseguição, tanto na sua dimensão institucional a partir da decisão da faculdade, quanto nas agressivas manifestações no espaço virtual" é inaceitável em um Estado democrático e viola o direito à livre expressão garantido nos incisos IV, VIII e IX do artigo 5 da Constituição Federal de 1988, que asseguram a todas pessoas a liberdade de "manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (…); que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

O Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Joinville (Sinsej) também se solidarizou com a professora, dizendo que todo cidadão tem o direito de expressar suas opiniões e posições em suas redes pessoais.

"Desde que não cometa nenhum crime, a liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal de 1988. Nesta semana, Maria Elisa Máximo exerceu esse direito em sua conta pessoal em uma rede social e desde então ela e sua família sofrem com ataques vindos de todos os lados. Um deles começou dentro da própria Câmara de Vereadores de Joinville, quando o presidente da casa, Maurício Peixer (PL), pediu que providências fossem tomadas em relação à opinião da professora", destaca o sindicato.

Entidades, partidos, movimentos sociais e autoridades ainda fizeram um abaixo-assinado de apoio à professora pedindo sua readmissão. O texto cita que o Ielusc "cedeu às pressões manifestadas em redes sociais por apoiadores de Bolsonaro que exigiram posição da faculdade, coro engrossado pelos representantes de Bolsonaro na Câmara Municipal de Joinville e na Alesc".

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais que viralizam nas redes sociais. Publicações falsas ou enganosas, como a do vídeo aqui verificado, podem induzir a interpretações equivocadas da realidade e influenciar eleitores no momento da votação. Os cidadãos têm direito de basear suas escolhas em informações verdadeiras e confiáveis.

A investigação desse conteúdo foi feita NSC e Correio do Estado e publicada em 20 de outubro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, BandNews, Correio Braziliense, A Gazeta, Plural Curitiba, O Popular, Metrópoles, Estadão, imirante.com e piauí.

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