Ação de manifestantes golpistas e moderação de redes deixam provas em risco

Posts e perfis tirados do ar, além de incerteza sobre resposta das plataformas, podem dificultar responsabilização

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São Paulo

O apagamento de conteúdo nas redes sociais por golpistas que atuaram nos atos criminosos em Brasília no último domingo (8) e a própria ação de moderação feita por big techs criam risco de destruição de provas para responsabilização de quem tenha cometido crimes.

Um dos pontos principais gira em torno de quais dados serão preservados pelas plataformas dentre aquilo que não está mais disponível online, entre conteúdos e perfis. Outro item é o que elas efetivamente fornecerão em caso de pedido judicial.

Segundo advogados ouvidos pela Folha, desafios importantes para as investigações incluem, da parte das redes sociais, preservação de dados e também uma postura colaborativa e transparente das empresas.

Por parte dos órgãos investigadores, uma das dificuldades será agir com rapidez para ingressar com pedidos de autorização judicial para acesso a registros relacionados a usuários alvos de suspeita.

Multidão de pessoas de verde amarelo sobe a rampa do Palácio do Planalto
Bolsonaristas invadem e depredam Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal em Brasília - Adriano Machado - 8.jan.23/Reuters

Casos em que o conteúdo tiver sido preservado de algum modo por terceiros, como prints, arquivos e reproduções de tela também podem servir como elemento de prova, mas tais casos devem envolver também perícia para que sejam validados.

Golpistas que invadiram e depredaram os prédios do Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal no domingo divulgaram vídeos e fotos dos atos em seus perfis nas redes, inclusive com transmissões ao vivo.

Órgão públicos, como é o caso do Ministério da Justiça, criaram canais de denúncia para que cidadãos possam enviar denúncias de pessoas envolvidas nos atos antidemocráticos de vandalismo. Também surgiram perfis em redes sociais com o mesmo objetivo.

A Agência Lupa, veículo jornalístico que trabalha com checagem de conteúdos e que abriu um formulário para envio de posts e materiais no domingo, divulgou que parte dos conteúdos recebidos por ela já estava indisponível.

Até o fim da tarde desta terça-feira (10), de 3.334 denúncias recebidas, 1.691 foram acompanhadas de arquivos anexados. Do restante, a estimativa é de que cerca de um terço seja de posts apagados.

"Não só os usuários podem, como estão removendo esses conteúdos, como não existe especificamente uma obrigação legal de que as empresas guardem esses conteúdos", afirma Carlos Affonso Souza, que é diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) e advogado.

O Marco Civil da Internet prevê que as empresas são obrigadas a manter, por seis meses, registros de acesso, o que inclui o arquivamento da data e hora de uso de determinada rede social, a partir de um determinado IP (endereço relacionado à conexão de internet do usuário).

A advogada especialista em direito digital Patricia Peck afirma que os dados de registros de acesso estão relacionados a dados cadastrais do usuário, geolocalização e dados de navegação.

Ela aponta, contudo, que essa é apenas uma obrigação mínima de guarda de dados exigida pela lei e não uma limitação. "Quando tem uma obrigação mínima exigida por lei, não quer dizer que eu não poderia colaborar apresentando mais informações que eu tiver", diz.

Além disso, Peck aponta que, no caso em que há moderação pela própria plataforma, uma solução seria que o conteúdo dos posts removidos fosse guardado, para o caso de um eventual pedido judicial.
Ela pondera, porém, que um dos argumentos contrários a esse maior arquivamento são os custos envolvidos.

Affonso considera que alguns dos temas principais de discussão nos próximos tempos devem girar em torno de transparência por parte das plataformas, bem como de um melhor diálogo entre elas e autoridades, a exemplo do que começou a ser feito com a Justiça Eleitoral.

Após os atos de invasão e depredação, o Facebook e o Instagram decidiram que os eventos violavam suas regras e afirmaram que iriam remover conteúdos de apoio ou exaltação às ações que ocorreram no domingo em Brasília.

Segundo porta-voz da Meta, detentora das duas plataformas, a empresa está colaborando com as autoridades brasileiras.

O YouTube afirmou que conteúdos que violam suas regras, incluindo transmissões ao vivo, estão sendo removidos, o que inclui por exemplo gravações que incitem a violência.

Ainda no domingo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, pediu ao STF, entre outros itens, a preservação de dados por redes sociais.

O órgão solicitou ainda que o STF determinasse às plataformas de mídias e redes sociais que identificassem e removessem conteúdos incitando atos de invasão ou depredação de prédios públicos em todo o país, além da interrupção da monetização de perfis e da transmissão de mídias que pudessem promover este tipo de ação.

A AGU quer que, acompanhado dos atos de remoção, as redes sociais guardem "todos os registros capazes de identificar materialidade e autoria dos ilícitos praticados", pelo prazo de 180 dias.

Pediu também que operadoras de telefonia mantivessem pelo prazo de 90 dias registros para definição ou identificação de geolocalização dos usuários que estavam nas imediações da praça dos Três Poderes e do quartel-general do Exército.

Esses pedidos não foram incluídos na lista de determinações expedida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Nesta terça (10), a AGU informou que fez nova petição junto à corte nesse sentido no dia anterior.

Em nota sobre o pedido, a AGU, afirma que os dados obtidos com a medida "não devem ser compartilhados diretamente com a instituição, mas tão somente armazenados pelas empresas para eventual fornecimento às autoridades judiciais e de persecução penal".

Além disso, na nova petição, o órgão ampliou o pedido para que eventual determinação de remoção às redes alcance conteúdos que "defendam atos terroristas ou o uso da violência para abolição do Estado democrático de Direito".

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