Descrição de chapéu Governo Lula

Depoimento: Fui assistir à posse de Lula com a minha família e passei a faixa

Sim, o medo que tentaram pregar nos eleitores para minguar a posse não colou e a prova estava no público de todas as idades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Giovana Madalosso

Escritora, é autora de "Tudo Pode Ser Roubado" e "Suíte Tóquio" e colunista da plataforma de mudanças climáticas Fervura

Brasília

O plano era assistir a posse. Estava traçado há meses: passar o ano novo numa cidade histórica de Goiás e, no primeiro de janeiro, rumar para o rubro, catártico e tantas vezes incerto dia.

Claro que nem tudo ocorreu como esperado – quando ocorre? Para começar, éramos vários e de diferentes tamanhos. Além de mim e do meu companheiro, nossos filhos, de dezessete, treze e dez anos. Tente botar uma turma dessas dentro de um carro com hora marcada: volta que esqueci o carregador! Volta que esqueci o chinelo! Volta que esqueci… O quê mesmo?

Pegamos a estrada com o sol já escalando o céu. No banco de trás, pessoas que ainda nem sabem direito como se faz um filho discutiam a nomeação dos ministros, o que me fez pensar que os quatro anos devastadores pelos quais passamos deixaram ao menos um legado: do berçário à casa de repouso (e, infelizmente, passando pelo lunatismo da porta dos quartéis), nunca se discutiu tanto a política.

O presidente Lula na rampa do Palácio durante sua posse. Ao seu lado, grupo representando a população que entregou a faixa presidencial - Eduardo Anizelli - 01.jan.23/Folhapress

Já eram quase onze da manhã quando entramos em Brasília. Senti uma coisa boa ao contar para eles que a cidade ao nosso redor nasceu do atrito entre um cérebro e uma prancheta, com o intuito de abrigar aquela coisa escorregadia e frágil chamada democracia – era também por ela que estávamos ali.

Como alguém que chega em São Paulo ouvindo Sampa ou a Nova Iorque ouvindo aquela do Frank Sinatra, sentamos o volume no hit do Madeirada. À medida que avançávamos, as ruas pouco populosas da capital ganhavam cada vez mais pontos vermelhos; dezenas, centenas e logo milhares de pessoas com camisetas, bandeiras nas costas e um nó dentro e fora da garganta, como transeuntes de uma terra utópica onde não circulam fascistas, proto-nazistas nem armamentistas e onde até a velhinha que atravessa a rua tem um "Quem mandou matar Marielle?" estampado no peito.

Sim, o medo que tentaram pregar nos eleitores para minguar a posse não colou e a prova estava no público de todas as idades e compleições que circulava por ali, incluindo até uma grávida que, desconfio, estava prestes a dar luz, distanciando-se rapidamente da Via N1 com a mão na barriga apoiada por uma pessoa.

Chegamos tarde demais para conseguir um canto. A área destinada as trinta mil pessoas que veriam a posse já estava tomada, bem como toda a frente do palco dos shows. Ainda tentamos avançar mais um pouco, quem sabe conseguir ver alguma coisa, mas a caçula começou a passar mal com o calor, o do meio quase se perdeu e eu tive meus dedos pisoteados – confesso que nunca gritei de dor com tanta alegria.

Nessa altura achamos melhor ir embora, não sem antes passar a faixa para o meu enteado mais velho, que seguiria em frente, passando pelas frestas da coesa multidão como um envelope ávido a chegar ao seu destino. Vai por nós, Santiago!, gritamos para ele, enquanto víamos a sua cabeça cheia de caracóis desaparecer no meio de tantas outras.

Logo depois assistiríamos a posse na tevê do hotel comendo pizza e respingando na marguerita a nossa emoção e alívio.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.