Ministro de Lula rejeita elo de Forças Armadas com golpistas e diz aguardar comprovações para punições

Após reunião do presidente com comandantes, Múcio diz que 'militares estão cientes e concordam' sobre providências a serem adotadas

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Brasília e São Paulo

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou nesta sexta-feira (20) que aguarda "comprovações" para que sejam adotadas providências contra militares que participaram dos atos de vandalismo em 8 de janeiro. Múcio disse que os militares estão cientes e concordam com isso.

Ele deu a declaração após reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os comandantes das Forças Armadas.

Durante o encontro, segundo relatos de participantes, Lula disse que é preciso deixar o que ocorreu no dia 8 de janeiro com a Justiça e olhar para frente. A fala foi corroborada por Múcio.

Em meio à crise, a reunião teve outro tema como foco principal, a discussão de projetos estratégicos das Forças. A questão é um ponto que une Lula e os militares, que valorizam as ações de modernização implementadas pelo petista em seus dois primeiros mandatos.

O presidente também falou na reunião que é preciso pensar no futuro, na garantia de investimento e geração de empregos.

Sala com mesa com três bancadas, ao fundo, está o presidente Lula, entre os demais homens presentes, estão os comandantes das Forças Armadsa vestindo uniforme
Reunião do presidente Lula com os comandantes das Forças Armadas, no Palácio do Planalto - Ricardo Stuckert/Divulgação

No encontro, foi feita a avaliação de que o orçamento disponível para a Defesa não é suficiente para o que a cúpula militar quer e precisaria para desenvolver projetos.

Nesse sentido, ficou acordado que, na próxima terça-feira (24), Múcio e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSD), que é também ministro da Indústria e Comércio, vão criar um grupo para acolher propostas que possam gerar recursos extraordinários para a área. Falou-se ainda na reunião sobre a necessidade de investir em estaleiros e produzir navios.

De acordo com auxiliares palacianos, o tema foi uma forma encontrada pelos petistas para melhorar a relação com os comandantes e assim tentar virar a página da desconfiança gerada após os atos golpistas de 8 de janeiro.

"Não foi discutida [punição de militares], porque isso está com a Justiça. Estamos atrás, aguardando as comprovações para que providências sejam e serão tomadas", afirmou Múcio a jornalistas, após o encontro.

Múcio rejeitou elo das Forças Armadas nos atos golpistas, que terminaram com a invasão do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF (Supremo Tribunal Federal).

"Eu entendo que não houve envolvimento direto das Forças Armadas. Agora, se algum elemento individualmente teve a sua participação, ele vai responder como cidadão", afirmou o ministro.

Como mostrou a Folha, um relatório em posse do Ministério da Justiça identificou ao menos oito militares da ativa lotados na Presidência da República durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) que compareceram no ano passado a atos no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército.

Além disso, o documento mostra que alguns participaram de grupo de WhatsApp em que foram trocadas e compartilhadas mensagens antidemocráticas e ameaças a Lula.

O relatório foi produzido durante a transição de governo com base em conversas obtidas de grupos de WhatsApp. Os militares estavam alocados em especial no GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência durante a gestão do general Augusto Heleno, um dos principais aliados de Bolsonaro.

Apesar de refutar um envolvimento direto das Forças Armadas no ato golpista, Múcio admitiu que a reunião foi antecipada para reduzir a tensão da relação entre Lula e as Forças Armadas.

"Não tenha a menor dúvida que foi por isso [que] nós procuramos antecipar essa reunião", disse.

Ele afirmou que a previsão é que o encontro ocorreria no final de janeiro ou começo de fevereiro, mas que pediu aos chefes militares para anteciparam a conclusão dos relatórios solicitados por Lula sobre a situação de cada corporação para apresentar ao mandatário.

Nesta sexta-feira, a reunião de Lula com os comandantes das Forças Armadas também teve a participação do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, e de outros empresários.

O ministro da Defesa afirmou que as questões envolvendo as manifestações golpistas de 8 de janeiro não foram discutidas no encontro. A pauta oficial foi o fortalecimento da indústria de Defesa nacional. Múcio afirmou que os comandantes têm consciência de que Lula em seus primeiros dois mandatos fortaleceu a Marinha, Exército e Aeronáutica com projetos estratégicos, como o submarino nuclear e novos caças.

"E ele [Lula] quis renovar essa confiança. Evidentemente, que não poderíamos ficar com essa agenda última [do ato golpista], a gente tem que pensar para frente, a gente tem que pacificar esse país. A gente tem que governar", afirmou.

No início da noite, o Ministério da Defesa divulgou uma nota sobre o encontro, reforçando que a discussão dos projetos prioritários e o fortalecimento da indústria de defesa nacional estiveram no centro do encontro.

A Defesa mostrou que as prioridades apresentadas pela Marinha foram o programa de submarinos, o programa nuclear e o programa de fragatas classe Tamandaré. O Exército destacou o seu programa de forças blindadas, o sistema integrado de monitoramento de fronteiras —o Sisfron — e outros como o de defesa cibernética e um sistema de mísseis e foguetes de alta tecnologia. A Aeronáutica apresentou a Lula como prioridade o avião KC-390 Millennium, o caça Gripen e uma aeronave de transporte leve.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, fala com a imprensa após reunião de Lula com comandantes das Forças Armadas - Pedro Ladeira/Folhapress

O clima na reunião, segundo pessoas que conversaram com os presentes, foi bastante ameno. Lula lamentou os eventos do 8 de janeiro, mas não buscou responsabilizar as Forças Armadas como instituição.

A ideia de Múcio foi dar um caráter técnico ao encontro. A comitiva com a Fiesp levou um estudo para ajudar dinamizar a chamada base industrial de defesa, que foi adotado para análise pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro da Indústria e Comércio.

Múcio e as Forças Armadas viraram alvo de crítica de petistas, por causa da facilidade com que os manifestantes invadiram a Esplanada dos Ministérios e provocaram a destruição dos prédios públicos.

A situação do ministro da Defesa ficou delicada, porque ele evitou a tratar os acampamentos em frente aos quarteis como ações antidemocráticas. Múcio chegou a afirmar que o próprio Jair Bolsonaro era um democrata. O titular da pasta disse não se arrepender de suas falas.

"Não me arrependo [de ter classificado como democráticas], porque eu vim para negociar. Eu não podia negociar com você e a priori criar um pré-julgamento para você. Não me arrependo", afirmou.

O ministro afirmou que os militares estão cientes de que vai precisar haver uma investigação sobre os eventos de 8 de janeiro e eventual punição, mas que será preciso cuidado na investigação.

"Os militares estão cientes e concordam que nós vamos tomar essas providências. Evidentemente que no calor da emoção a gente precisa ter ter cuidado para que esse julgamento, essas acusações, sejam justas para que as penas sejam justas. Mas tudo será providenciado em seu tempo", afirmou.

Múcio ainda afirmou que queria "virar a página" em relação aos atos golpistas e disse que não há hipótese de que essas ações venham a se repetir. Afirmou que agora as Forças Armadas "irão se antecipar".

Após o encontro com Lula, Múcio e os comandantes militares participaram de uma outra reunião para os preparativos de uma viagem de última hora do presidente a Roraima. Participaram desse encontro também os ministros Rui Costa (Casa Civil), Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Nísia Trindade (Saúde), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Esther Dweck (Gestão).

Ainda é cedo para dizer que a crise entre Lula e os militares acabou, dada a animosidade de lado a lado. Oficiais-generais se queixam do que consideram espírito de revanche do presidente, enquanto petistas reclamam do comportamento da cúpula militar durante a crise do dia 8.

Mas o caminho de tentar entregar algo aos militares não é novo e já se mostrou eficaz. No seus dois primeiros mandatos (2003-10), Lula venceu desconfianças abrindo espaço para demandas práticas dos fardados, que resultaram na organização de um arcabouço legal para o regramento das indústrias de defesa.

Além disso, insinuou pela primeira vez depois da redemocratização algum interesse institucional no poder armado, com a criação da Política Nacional de Defesa, para fixar as metas do setor e avaliar seus meios, e a Estratégia Nacional de Defesa, que busca estabelecer como executar os objetivos.

Como resultado, houve programas grandes que estão em curso até hoje, como a construção de submarinos e helicópteros decorrente do acordo militar com a França, em 2009.

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