Comando de Leite no PSDB provoca incômodo e reação entre aliados de Doria em SP

Prefeitos ameaçam debandada coordenada se houver interferência; grupo do gaúcho nega intenção de segregar

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São Paulo

A ascensão do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, à presidência do PSDB trouxe preocupação a líderes da sigla em São Paulo, que representam uma oposição interna ao gaúcho. O receio de que haja interferência ou retaliação por parte do comando nacional da legenda no estado levou prefeitos a reagirem nos bastidores com ameaça de debandada.

Como mostrou a Folha, o encolhimento do PSDB em São Paulo, que perdeu o controle da máquina do Palácio dos Bandeirantes, já provoca uma disputa entre as demais legendas para filiar a massa de prefeitos tucanos no estado –cerca de 40% do total.

De acordo com os principais prefeitos do PSDB ouvidos pela reportagem, porém, o que pode esvaziar de vez o partido em São Paulo, mais do que o desgaste eleitoral, são discordâncias com o rumo da legenda nas mãos de Leite. O grupo do gaúcho diz que não há intenção de criar atritos.

O governador do RS e presidente do PSDB, Eduardo Leite, durante entrevista à Folha - Bruno Santos - 1º.fev.23/Folhapress

Nas prévias presidenciais do PSDB, que provocaram um grande racha no partido entre aliados de Leite e de João Doria, os prefeitos tucanos Luiz Fernando Machado (Jundiaí), Orlando Morando (São Bernardo do Campo) e Duarte Nogueira (Ribeirão Preto) integraram a linha de frente da campanha do então governador de São Paulo, assim como o presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi.

Agora que Doria está fora do partido e que Leite assumiu a executiva nacional de forma provisória —ele deve ser eleito definitivamente para o cargo em novembro, quando haverá convenção nacional—, os tucanos paulistas afirmam que não vão aceitar ingerência em São Paulo ou ações que diminuam seu poder no xadrez nacional.

Tucanos afirmam que o constrangimento do grupo paulista, o desrespeito à democracia interna ou uma instabilidade no PSDB seriam motivos para deixar o partido de forma coordenada. Por enquanto, há um voto de confiança na nova executiva.

Alguns membros da sigla em São Paulo dizem que Leite pode agir com o fígado, mas que seria elegante que ele buscasse uma composição —e lembram que fragilizar o PSDB-SP pode ser ruim para sua pretensão presidencial.

Machado (Jundiaí), por exemplo, foi sondado por MDB e PL. Questionado pela Folha, ele disse estar feliz dentro PSDB, "mas o PSDB de Mario Covas, o PSDB raiz" e critica a possibilidade de que a "identidade do partido se transforme num personalismo".

A permanência do ex-governador Rodrigo Garcia na sigla também levanta dúvidas, mas tucanos afirmam que ele negou intenção de migrar de partido após a derrota eleitoral. Rodrigo mantém laços com sua antiga legenda, o DEM, hoje União Brasil.

Nesta quarta (15), num sinal de aproximação, Leite se reuniu com a bancada de deputados estaduais de São Paulo. A deputada estadual Carla Morando, esposa de Orlando Morando, não compareceu.

Leite estava acompanhado de Vinholi e de outros políticos tucanos do estado —alguns dos quais já eram seus aliados.

Apesar do entorno de Leite negar qualquer intuito desagregador, o alerta entre os tucanos paulistas veio a partir da primeira decisão do governador como presidente do PSDB, a de adiar as convenções municipais, estaduais e nacional, ampliando o mandato dos atuais dirigentes.

A medida, tomada no último dia 3, pegou tucanos de surpresa na véspera de convenções municipais já planejadas.

"Repudio a triste e decepcionante atitude tomada pela comissão provisória do PSDB nacional de cancelar as convenções municipais marcadas para amanhã. Um verdadeiro golpe à democracia do partido, já que os editais estão publicados, as convenções marcadas e os filiados mobilizados", tuitou Morando.

Disse também que o partido "perde o seu espírito democrático" e deixa "indícios de que quer ter um dono". "Enfatizo aqui que os donos do PSDB sempre serão os seus militantes", completou.

Questionado pela reportagem sobre a migração de prefeitos do PSDB, Morando disse não ver nenhum movimento de saída. "Eu não tenho motivo para sair. Irei permanecer", declarou.

Segundo a executiva nacional, o adiamento dará tempo ao partido para debater teses e bandeiras da sigla antes de eleger novos dirigentes.

Com isso, Vinholi, aliado de Doria, ficará à frente do PSDB paulista por mais tempo, até outubro. Mas os prefeitos especulam se o adiamento não pode ensejar alguma intervenção no diretório ou o surgimento de algum concorrente interno à reeleição de Vinholi.

Outro ponto que gerou atrito foi a composição da nova executiva nacional, que não tem um representante dessa ala do PSDB paulista que trabalhou por Doria. O único paulista é o prefeito de Santo André (SP), Paulo Serra, que ocupa o cargo de tesoureiro e esteve ao lado de Leite nas prévias.

Tucanos de São Paulo reclamam ainda da escolha de Paulo Abi-Ackel (MG) para o posto de secretário-geral, pois o deputado é próximo de Aécio Neves (MG), outro desafeto do grupo paulista. Para líderes locais do partido, a presença indireta de Aécio tira legitimidade de Leite.

Aliado de Leite, Paulo Serra diz que a ideia de prorrogar os mandatos dos dirigentes é para que o partido tenha mais tempo de pensar coletivamente e que não vai haver rupturas.

"O PSDB já diminuiu muito de tamanho, não dá para dividir ainda mais. Essa nova executiva provisória vem para somar, não estamos excluindo ninguém. Quem estiver disposto a colaborar será bem-vindo", disse.

Como mostrou a Folha, tucanos admitem que deve haver uma migração natural de prefeitos do PSDB para outros partidos, que tenham maior tempo de propaganda, maior fundo eleitoral e mais proximidade com o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), do qual dependem para o envio de verbas às suas cidades.

Em 2020, o PSDB ficou muito à frente dos demais ao eleger 172 prefeitos no estado. Ainda assim, nos últimos dois anos, o partido levou a cabo uma ofensiva para incorporar mais mandatários, chegando a 238 em dezembro passado, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral que consideram 623 das 645 cidades do estado.

Ao menos 50 prefeitos foram filiados em 2021, na esteira das prévias, em um movimento contestado pelo time de Leite pela suspeita de que as filiações ocorreram fora do prazo apenas para ampliar o colégio eleitoral de Doria. "O que passou, passou", diz Paulo Serra a respeito dessas filiações.

Ele afirma que o partido agora tem que construir uma vacina para impedir os prefeitos de saírem. "Com a vinda do Eduardo [Leite], há uma perspectiva de esperança, o PSDB vai ter novos ares, vai voltar a gerar conteúdo propositivo e programático", completa.

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