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Entidade que cobrava beneficiário por cisterna tem contratos em 3 estados

Ceapa, de Alagoas, não tem fins lucrativos e foi escolhida no governo Bolsonaro para convênio a 1.500 km de sua sede

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Coração de Jesus - MG

Uma entidade alagoana que obrigou beneficiários do Programa de Cisternas, no semiárido mineiro, a custear parte das obras pagas pelo governo federal executa contratos públicos de ao menos R$ 10,5 milhões em três estados.

A cobrança indevida de moradores, que vivem em situação de vulnerabilidade e convivem com a seca, foi revelada em reportagem da Folha.

O contrato no qual houve essa situação foi firmado pelo consórcio de municípios Inframinas, no norte mineiro, indicado na gestão de Jair Bolsonaro (PL) para administrar os recursos federais.

As localidades ficam a 1.500 km de Maceió, sede da entidade responsável pelas obras, a Ceapa (Central das Associações de Agricultura Familiar).

Nessa contratação, a Ceapa, que não tem fins lucrativos, recebeu o pagamento de R$ 4,2 milhões, em abril de 2022, e R$ 3 milhões, em 28 de dezembro. A associação afirma que não há irregularidade em suas atividades.

Cisterna de programa federal executado pela Ceapa, de Alagoas, em Coração de Jesus, no semiárido mineiro - Adriano Vizoni/Folhapress

A Folha analisou os documentos para esta reportagem usando a ferramenta Pinpoint, em parceria com o Google.

A contratação ocorreu por meio de um edital do qual poderiam participar entidades credenciadas no Ministério da Cidadania. São pelo menos 151, sendo 10 em Minas Gerais.

A Folha entrou em contato com quatro entidades mineiras, uma das quais de Montes Claros —sede do consórcio Inframinas. Nenhuma delas ouviu falar do edital.

Tampouco há registros abertos na Plataforma Mais Brasil, do governo federal, de que outras instituições tenham disputado o contrato.

A Ceapa também venceu um edital publicado pela Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene) e está administrando o lote 1 de um convênio federal que prevê a implementação de cisternas no Maranhão.

Recibos emitidos pela Plataforma Mais Brasil demonstram que a instituição recebeu R$ 1,6 milhão, em dezembro de 2021, e R$ 595,5 mil, em 25 de janeiro de 2022. Extrato publicado no Diário Oficial da União dá conta de que a Ceapa foi a única concorrente.

A Ceapa ainda venceu no ano passado dois editais do Consórcio para o Desenvolvimento da Região do Ipanema (Condri), de Alagoas, fruto de convênios firmados com o Ministério da Cidadania nos mesmos moldes do consórcio Inframinas.

Um dos editais é para implementação de cisternas em oito municípios. A Ceapa foi contratada para executar o lote 2, cujo valor é de R$ 5 milhões.

O segundo contrato com o Condri, de R$ 2,5 milhões, envolve a implementação de hortas pedagógicas em escolas e comunidades de 20 municípios alagoanos. A Ceapa, mais uma vez, concorreu sozinha.

Somando os valores que já foram pagos, a Ceapa administrou pouco mais de R$ 10,5 milhões em recursos federais no último ano, sem contar verbas estaduais para implantação de cisternas.

Criada em 1992, a Ceapa está registrada com a atividade econômica de "organizações associativas ligadas à cultura e à arte" e atividades associativas "não especificadas".

É presidida por Genivaldo Vieira da Silva, um sertanejo com trajetória de militância na agricultura familiar e na defesa da reforma agrária. Entre 1996 e 2013, a entidade firmou ao menos 12 convênios com o governo federal, em valores que, somados, chegam a R$ 3,6 milhões.

A atual diretora financeira, Eliane Santos de Lima, recebeu sete parcelas do auxílio emergencial, de R$ 600, durante a pandemia.

O secretário da entidade, Luiz Henrique da Silva, também recebeu parcelas de R$ 600, R$ 300 e R$ 250 do auxílio.

Em fevereiro de 2022, a entidade mudou de endereço. Saiu de uma casa simples no bairro Bom Parto, em Maceió, para uma sala maior em um edifício comercial na avenida Fernandes Lima, no bairro Farol, a principal via da capital alagoana.

Segundo ata de assembleia, a mudança ocorreu em virtude do crescimento da entidade.

No último dia 3, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social anunciou que iria investigar a aplicação de recursos no Programa de Cisternas na gestão Bolsonaro.

OUTRO LADO

A Ceapa negou ter cometido ilegalidades. A entidade afirma que começou a construir cisternas em 2013 por causa da ausência, no estado, de convênios de assistência técnica. Hoje, diz contar com 25 pessoas contratadas via MEI (microempreendedor Individual).

Sobre os benefícios sociais recebidos por membros da diretoria, a Ceapa informou que as pessoas nos cargos de presidente, diretor financeiro e secretário não são efetivos. Os demais, que fazem parte da diretoria, não recebem salário, apenas ajuda de custo.

Já a mudança de endereço ocorreu devido à violência local e à proximidade com bairros que correm risco de afundamento de solo. A mudança de atividade econômica informada corresponde a um "processo natural de qualquer pessoa jurídica que se adequa às condições fiscais e financeiras atuais".

O Consórcio Inframinas afirma que cumpriu todos os requisitos da legislação vigente para publicação do edital, que apenas a entidade contratada manifestou interesse e que o edital não foi publicado no site do consórcio porque a página está em construção.

O Ministério da Integração Regional afirmou que a Ceapa agiu irregularmente ao cobrar de moradores parte dos custos das cisternas em Minas e que a entidade será suspensa e poderá ser descredenciada.

A atual gestão também atribuiu ao governo anterior o desembolso de recursos mesmo diante da constatação de cobrança irregular no ano passado.

Ronaldo Vieira Bento, ministro na gestão Bolsonaro, disse que o ministério fez uma avaliação dos contratos envolvendo o Programa de Cisternas e que o relatório apontou irregularidades apenas em contratos firmados em governos anteriores.

A reportagem foi produzida em parceria com o Google a partir de coleções de documentos publicadas na ferramenta Pinpoint, acesse aqui.

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