Afundamento em Maceió já atinge 4.500 comerciantes e realoca até hospital

Solo de cinco bairros da cidade começou a ceder em 2018; desastre ambiental foi causado pela exploração de sal-gema pela Braskem

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João Pedro Pitombo Kátia Vasco
Salvador e Maceió

As casas sem telhas formam um mosaico com ares de labirinto quando vistas do alto. No chão, o vaivém de pedestres deu lugar a ruas vazias, com rachaduras que cruzam o asfalto e impõem um zigue-zague a quem ousa atravessá-lo.

O desastre ambiental causado pela exploração de sal-gema pela Braskem em Maceió completa três anos e meio e soma cerca de 57 mil pessoas atingidas em cinco bairros da cidade, tendo como epicentro o bairro do Pinheiro.

São famílias que tiveram de deixar suas casas após as residências serem condenadas pela Defesa Civil em razão de rachaduras e afundamentos. Vazias, parte das casas foi saqueada —em alguns casos, furtaram até as telhas.

Dentre os afetados pelo incidente, que começou com tremores de terra em janeiro de 2018, estão ao menos 4.500 comerciantes da região que tiveram de fechar as portas ou mudar para áreas mais seguras da cidade.

As realocações incluem lojas, supermercados, escolas, postos de combustíveis e até mesmo um hospital. O grupo Hapvida, por exemplo, teve de transferir cinco unidades que estavam na região, incluindo hospital, clínicas e laboratório. O novo centro médico foi erguido em menos de um ano em outro bairro da cidade.

“Houve um impacto gigantesco na economia dos bairros atingidos”, avalia Ronnie Mota, coordenador na prefeitura de Maceió das medidas de enfrentamento aos afundamentos.

Vista aérea do Bairro do Bom Parto, em Maceió. Um motoqueiro é visto circulando por uma rua com várias casas abandonadas.
Vista aérea do bairro do Bom Parto, um dos afetados pelos afundamentos causados pela extração de sal-gema pela Braskem; mais de 4.500 comércios fecharam ou foram realocados - Jonathan Lins/Folhapress

As reparações foram definidas em um acordo firmado em janeiro de 2020 entre a Braskem e a força-tarefa formada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensorias Estadual e da União.

Mas os comerciantes cobram celeridade no pagamento das indenizações e participação mais ativa nas negociações. Enquanto isso, decidem sobre o futuro de seus negócios.

A bailarina e professora Eliana Cavalcanti tinha imóvel próprio no bairro do Pinheiro onde mantinha há 40 anos uma das escolas mais famosas de ballet do estado, que leva seu nome.

A escola ficava em uma área de risco, próximo de uma das minas de sal-gema. Por isso, ela teve que alugar outro imóvel e levar toda a estrutura para outra região da cidade.

Eliana diz que recebeu da Braskem um auxílio para a mudança, mas precisou fazer empréstimos para as reformas. A indenização paga posteriormente representa, segundo ela, 50% do valor calculado por seus avaliadores. Parte dela foi usada para pagar aluguéis atrasados.

Além do problema geológico, o negócio sofreu com a pandemia. Em 2018, a escola tinha 160 alunos e hoje, apenas 50. “Fomos expulsos dos nossos lugares. Meu prédio não teve nada, mas antes que acontecesse [algum problema] tive que sair, pelas crianças e adolescentes matriculados”, diz.

Andrea Carvalho, sócia da Sonograph, um centro de diagnósticos que abrigava clínica e exames por imagens, também decidiu pela saída, apesar de não ter o imóvel na área de risco.

Há 23 anos no bairro, ela viu a clientela sumir e funcionários reclamarem de insegurança já que, com desocupação, a região ficou deserta. “Como eu conseguiria ficar num lugar em que os clientes não apareciam? O meu corpo médico estava inseguro”, reclama.

Por ainda não ter o imóvel incluído no mapa de risco, ela não recebeu proposta de indenização da Braskem e teve que contrair empréstimos para a mudança e adaptações do prédio alugado em outro bairro.

Dono da padaria Belo Horizonte, uma das mais famosas do bairro do Pinheiro, Dirceu Buarque resiste com o negócio aberto. O comércio, que funciona há 40 anos no mesmo local, perdeu 80% da clientela, mas ele diz não poder sair porque não tem onde realocar o estabelecimento.

Sob desgaste físico e mental, Buarque conta que está se desfazendo de bens, acumulando dívidas e cortando gastos em casa, inclusive com plano de saúde. Ele também critica o acordo feito em 2020. “Não foi um acordo feito com a gente, estamos sendo penalizados.”

Em junho, o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem solicitou que fosse instaurado um procedimento para participar das negociações com a empresa e criticou a ausência de critérios e transparência no termo de acordo. Em despacho conjunto, a força-tarefa arquivou a petição, mas o movimento entrou com recurso.

Em nota, a força-tarefa do MPF informou que constatou uma dificuldade no avanço das indenizações dos empreendedores e cobrou da Braskem o aperfeiçoamento dos processos.

Uma das ações foi a contratação de uma empresa para auxiliar na valoração dos lucros cessantes —o que os empreendedores deixaram de lucrar por causa do incidente. Outra ação buscou estabelecer prazos de referência diante das queixas de demora nas respostas após o pedido de reanálise.

O MPF ainda destacou que o termo de acordo visa atender a demanda coletiva gerada pelo desastre, mas não afasta a possibilidade de o atingido acionar o Judiciário.

Os afundamentos em Maceió começaram após abalos sísmicos registrados em janeiro de 2018. O Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, concluiu em maio de 2019 que as atividades de mineração da Braskem em área de falha geológica foram a principal causa dos afundamentos. A Braskem chegou a ter em Maceió 35 poços de extração de sal-gema, usado na fabricação de PVC e soda cáustica.

O termo do acordo firmado entre Braskem e força-tarefa alcançou até o momento 14.394 imóveis em condições de risco, dos quais 13.641 já estão desocupados.

Até o final do mês de junho, foram apresentadas 7.519 propostas de indenização às famílias. Destas, 5.251 já receberam a compensação. De acordo com a Braskem, foram pagos até o momento R$ 1,1 bilhão em indenizações, auxílios-financeiros e honorários de advogados.

Para além da indenização das famílias, outro debate deve ganhar corpo nos próximos meses: o da compensação à cidade de Maceió para mitigação de impactos ambientais. A avaliação da prefeitura é que, mesmo concentrada em cinco bairros, o desastre mexeu na dinâmica urbana de toda a cidade.

“São 57 mil pessoas que saíram de suas casas de forma abrupta e repentina, criando demanda por moradia, saneamento e escolas em outras áreas da cidade. Esse prejuízo precisa ser sanado, a população não pode sofrer duplamente”, afirma Ronnie Mota, da prefeitura de Maceió.

Os bloqueios também tiveram impacto no trânsito da cidade. Ruas e avenidas tiveram que ser fechadas para tráfego e estações do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) foram interditadas. A prefeitura ainda monitora, com preocupação, afundamentos em uma região próxima a uma das vias principais mais importantes da cidade.

Em nota, a Braskem informou que vem cumprindo rigorosamente as ações de apoio à desocupação das áreas de risco em Maceió, como o pagamento de auxílio-aluguel de R$ 1.000 mensais para famílias com imóveis condenados.

Comerciantes tiveram direito a adiantamento da compensação no valor de R$ 10 mil, para cobrir gastos adicionais com a realocação. Para empresas pequenas, médias e grandes, o valor a ser antecipado é proporcional ao porte do negócio, segundo a nota.

A Braskem ainda informou que atua na zeladoria e apoio à segurança nas regiões atingidas, assim como adquiriu equipamentos de monitoramento sismológico. Também estão previstas medidas de compensação dos impactos ambientais e indenização para danos coletivos.

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