Descrição de chapéu Folhajus Governo Lula

Novas regras do governo Lula sobre transparência esbarram em fragilidade legal

CGU diz que, apesar de não terem obrigatoriedade, diretrizes são vinculantes para futuras decisões

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São Paulo

As novas regras da CGU (Controladoria Geral da União) para a aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) trazem avanços, mas ainda são insuficientes para evitar o uso indevido da legislação, a exemplo do que aconteceu no governo de Jair Bolsonaro (PL).

A avaliação de organizações que atuam com a aplicação da lei é que a fragilidade do pacote de 12 diretrizes está na ausência de obrigatoriedade das recomendações, divulgadas no início do mês junto com o anúncio de revisão de 234 casos de sigilos impostos no governo anterior.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius de Carvalho - Marcelo Camargo 22.dez.22/Agência Brasil

As orientações feitas agora pela CGU são direcionadas a funcionários públicos federais e podem embasar recursos diante de novas negativas de acesso.

Um exemplo é a diretriz sobre "desarrazoabilidade do pedido", que orienta órgãos e entidades públicas a apresentar quais os riscos ou evidenciar a falta de recursos ao usar esse argumento para negar a informação.

Segundo a CGU, essas orientações fundamentam as decisões do órgão e podem ser usadas pelos solicitantes para terem seu acesso à informação assegurado.

Em caso de descumprimento, um procedimento poderá ser encaminhado à Corregedoria-Geral da União para apurar eventual responsabilidade.

Porém parte dos especialistas considera que medidas mais efetivas precisarão ser tomadas para evitar negativas indevidas em casos que envolvam informações pessoais, a exemplo do que aconteceu na gestão Bolsonaro, marcada pelos chamados sigilos de cem anos, resultado de uma interpretação equivocada do artigo 31 da LAI.

Na diretriz sobre informações pessoais, a CGU diz que o fato de documentos e processos conterem tais dados não é suficiente para negar de forma geral um pedido de acesso. A orientação é proteger os dados sensíveis, com o uso de tarjas, por exemplo, e disponibilizar o restante.

Presidente do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Kátia Brembatti cita que, em março do ano passado, para evitar negativas com base na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), a CGU havia orientado que a lei era compatível com a LAI, mas o problema continuou.

"O enunciado [diretriz] do ano passado não foi suficiente e parece que esse também não será, porque, quando chega no servidor da base, ele olha para o artigo 31 e para a LGPD e tem ora um temor de infringir a própria lei e ora um entendimento equivocado do que significa essa base legal", diz.

Brembatti afirma que a fragilidade dessas orientações ficará clara caso o descumprimento se repita após os anúncios da gestão do ministro Vinícius de Carvalho. Mudar isso demandará treinamento e boa vontade política, diz.

Marina Atoji, diretora de programas da ONG Transparência Brasil, afirma que as orientações mitigam o problema, mas não são suficientes para evitar que a LAI seja descumprida.

Para isso, ela diz que é preciso estabelecer um teste de danos por meio de um decreto ou portaria. O procedimento serviria para determinar se o dano que poderia ser causado pela divulgação da informação é maior do que o interesse público envolvido. A partir dessa análise, o servidor pode decidir se libera o acesso.

O advogado Bruno Morassuti, cofundador da agência Fiquem Sabendo, diz que as orientações representam o início de um processo mais profundo de revisão de políticas de acesso à informação pelo governo.

"É um ato da CGU e não uma determinação do presidente. Seria importante que de alguma forma a gente incluísse esses enunciados no decreto que regula a Lei de Acesso à Informação e, eventualmente, na própria LAI", diz.

Outra via possível, acrescenta, dependeria da interlocução entre a Presidência da República, AGU (Advocacia-Geral da União) e PGU (Procuradoria-Geral da União) para emitir uma regra que valesse para toda a administração federal.

A alteração do decreto 7.724 de 2012, que regulamenta a LAI, também demandaria uma ação de Lula, enquanto a alteração da lei ficaria a cargo do Congresso Nacional.

A CGU diz que não descarta a futura incorporação no decreto, mas que não há nenhum encaminhamento nesse sentido porque a força para o cumprimento das orientações se dará pelo poder de revisão da CGU, em sede de recurso, das decisões que eventualmente estejam em conflito com as recomendações.

O órgão afirma ainda que criou uma diretoria responsável por monitorar a aplicação da LAI no Executivo Federal e que atua na capacitação dos órgãos federais para que os entendimentos sejam incorporados.

Apesar disso, a mudança de orientação adotada pela CGU até o momento é vista de forma positiva. Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e pesquisa da Open Knowledge Brasil, afirma que há um movimento cuidadoso para se distanciar de discursos políticos e boas sinalizações para estados e municípios.

Bello não vê necessidade de mudar a LAI. Para ela, basta uma atuação efetiva da CGU no processo de formação de servidores e monitoramento do cumprimento das orientações, especialmente em órgãos que tendem a não seguir a LAI, citando como exemplo o Itamaraty.

Uma das diretrizes afirma que os telegramas, despachos e circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores também estão sujeitos à regra geral da LAI, de que o acesso é a regra e o sigilo é a exceção.

A CGU afirma que a orientação enfrenta essa questão dando um reforço importante para a transparência nesse órgão.

Esse princípio, diz Marina Atoji, da Transparência Brasil, não foi seguido na redação da diretriz sobre registros de entrada e saída de residências oficiais. O texto afirma que tais informações devem ser protegidas devido a "aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas", exceto em caso de agendas oficiais ou de agentes privados.

"Tem que ser o inverso, porque mesmo que sejam encontros informais ou visitas é interesse público saber quem frequenta a casa do presidente", afirma.

A CGU diz que, apesar da crítica, a ordem da frase não altera o conteúdo principal de que as informações de registro são públicas.


A LAI E OS SIGILOS

A LAI (Lei de Acesso à Informação) define informação sigilosa como aquela que tem o acesso ao público restrito de forma temporária por representar risco à segurança da sociedade ou do Estado. A transparência é a regra e o sigilo, a exceção.

Qualquer pessoa pode fazer um pedido de acesso à informação para órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público e também para entidades privadas sem fins lucrativos que recebam dinheiro público para realizar projetos.

A LAI estabelece prazo de até 20 dias para resposta. A negativa de acesso deve ser justificada e cabe recurso, no prazo de dez dias.

O QUE DIZ A LEI

Segundo a LAI e o decreto que regulamenta a lei, há três graus de classificação de sigilo que podem ser adotados para informações que coloquem em risco a defesa e integridade nacional, a vida da população, a integridade financeira do país e atividades de inteligência, entre outros casos. São eles:

  • Ultrassecreto: sigilo de 25 anos que pode ser determinado pelo presidente e vice-presidente, ministros e autoridades com a mesma prerrogativa, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas e consulares;
  • Secreto: sigilo de 15 anos. Além das autoridades citadas, pode ser determinado por titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista;
  • Reservado: sigilo de 5 anos. Pode ser determinado pelas autoridades mencionadas e por aquelas que exercem funções de direção e comando.

Além das informações classificadas, a lei prevê sigilo até o término do mandato para informações que possam colocar em risco a segurança do presidente e vice-presidente da República, esposas e filhos.

OS SIGILOS DE CEM ANOS

Não há na Lei de Acesso à Informação o chamado sigilo de cem anos. O prazo máximo de restrição previsto pela lei é de 25 anos para informações ultrassecretas. Especialistas em transparência dizem que o termo recorrente durante a gestão Bolsonaro veio da interpretação distorcida de um dispositivo do artigo 31 da lei.

O trecho diz que informações pessoais que atinjam a intimidade, vida privada, honra e imagem de alguém podem ter seu acesso restrito por até cem anos.

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