Corrida por CPIs na Alesp tem pizza na madrugada e perda de senha até por ida ao banheiro

Assessores parlamentares formam fila mais de 72 horas antes da abertura do protocolo

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São Paulo

Depois de uma madrugada acampados para protocolar CPIs na Assembleia Legislativa de São Paulo, assessores parlamentares reclamavam da situação e diziam que sair do lugar para ir ao banheiro ou fumar poderia lhes custar o valioso lugar na fila –marcado com senha.

Os protestos contra o método são comuns entre funcionários de partidos da base de apoio a Tarcísio de Freitas (Republicanos), que lideram a fila, e os de oposição, da esquerda, que estavam na lanterna. A Casa é presidida por um aliado de Tarcísio, o deputado André do Prado (PL).

Servidores formam fila para protocolar CPIs em corredor da Assembleia Legislativa de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Uma das assessoras dizia estar submetida a uma prova de resistência do Big Brother —a maioria prefere não falar com a imprensa ou não se identificar.

Organizados em cadeiras ao longo de um corredor ao lado do plenário, no subsolo da Assembleia, os servidores passam o tempo no celular, trabalhando em notebooks ou até lendo livros. Cada um guarda sua senha com cuidado, é um item valioso.

Como mostrou a Folha, a fila para apresentar CPIs começou na manhã de terça (21), mais de 72 horas antes da abertura da sala do protocolo, prevista para sexta-feira (24), às 9h. Por volta de meio-dia desta quarta (12), eram 53 pessoas na fila —cada um tem direito a protocolar uma CPI.

Como as comissões de investigação são instauradas na ordem em que são protocoladas, e só cinco podem funcionar por vez, há uma corrida entre base e oposição para conseguir emplacar seus temas. Na prática, cabem de 15 a 20 CPIs em uma legislatura de quatro anos.

Munidos de senhas, os assessores não viam sentido em permanecer na fila, mas eram obrigados. Os partidos organizam seus assessores por turnos. Quem passou a madrugada na fila teve pizza e refrigerante no jantar.

De tempos em tempos e sem aviso prévio, um representante da Casa confere senha por senha na fila, e os assessores que não estão presentes perdem seu lugar. Por volta das 12h desta quarta, uma folha sulfite na parede indicava as nove senhas já "canceladas por ausência de assessores".

O PT tem propostas de CPI que atingem Tarcísio especificamente, como uma apuração sobre o tiroteio em Paraisópolis durante a campanha e a ligação entre o secretário da Educação, Renato Feder, e a empresa Multilaser –ambas ideias do deputado Reis (PT).

Os primeiros lugares na fila são ocupados por partidos aliados a André e Tarcísio, como PL, Republicanos e União Brasil.

Thiago Auricchio (PL) está em primeiro, seguido de Gil Diniz (PL). Auricchio quer uma CPI para investigar os problemas de fornecimento de energia da empresa Enel, principalmente no ABC paulista. Já Gil, um deputado bolsonarista, quer uma comissão sobre procedimentos médicos prescritos para pacientes trans menores de idade.

Nesta quarta, houve uma nova reunião entre líderes de partidos da Casa na tentativa de alcançar um acordo para dar fim à fila e buscar um método alternativo, mas não houve entendimento.

Segundo deputados, Auricchio, Gil e Altair Moraes (Republicanos) se recusaram a deixar a fila, que deve permanecer, portanto, até sexta. A assessoria de Auricchio diz não ter informações sobre o tema e Gil não se manifestou. Altair afirmou em nota que a maioria dos líderes foi favorável ao protocolo físico e que é necessário respeitar as normas.

Nos bastidores, a insistência deles na fila foi lida entre parlamentares como mais um capítulo da disputa interna entre a ala centrão e a ala bolsonarista do PL, já que os primeiros querem temas que não desgastem o governo e os últimos querem assuntos ideológicos nas CPIs.

"Apesar da tentativa, não houve consenso e acordo entre os líderes partidários durante a reunião.
O presidente reafirma que a administração da Casa deve ser isenta e respeitar as formas de atuação de todos os parlamentares e lideranças partidárias, garantindo segurança e ordem dos trabalhos", diz uma nota emitida pela assessoria de imprensa da Alesp.

Parlamentares da oposição também reclamaram que André poderia, sim, acabar com a fila mesmo sem a anuência de todos os partidos, mas não o fez para beneficiar a base. Aliados do presidente admitem que determinar o protocolo físico das CPIs em vez de digital é uma forma mais segura de controlar quem chega antes ou depois.

Em protesto, os deputados do PT e do PSOL, que tinham servidores mal posicionados, do 31º lugar em diante, abandonaram o local —restaram cerca de 36 servidores da base. Deputados da esquerda dizem que mesmo que conseguissem protocolar suas CPIs, elas não seriam instaladas antes do fim da legislatura.

Para parlamentares da esquerda, está claro que deputados da base tiveram informação privilegiada ao começarem a fila na terça, antes da publicação, nesta quarta, de um ato que dá detalhes de hora, local e forma de fazer o protocolo.

Em discurso no plenário, o deputado Donato (PT) chamou a fila de golpe e disse se tratar de "um jeito quinta série" de cercear a oposição. "A Assembleia começa mal", completou, em crítica a André —que o PT ajudou a eleger presidente no último dia 15.

O PT estuda levar a questão à Justiça e obstruir os trabalhos na Casa. "É papel do deputado fazer fiscalização, e nossas propostas [de CPI] são todas de interesse da sociedade. Não reconhecemos essa fila, estamos retirando nossos servidores", afirma o deputado Luiz Claudio Marcolino (PT), para quem o governo demonstrou ter medo das investigações da oposição.

Uma proposta do PT era a de que, a cada vez, fossem instaladas quatro CPIs da base e uma da oposição ao menos.

O partido tinha propostas de comissões sobre contratos do DER, recursos do Instituto Butantan, concessões do metrô e da CPTM, aumento do feminicídio, entre outros. O PSOL mira a despoluição do rio Tietê e o trabalho escravo.

Já o PSDB, por sua vez, propõe CPIs sobre a fraude nas Lojas Americanas e também sobre a Enel. O deputado Danilo Balas (PL), que tem lugar na fila, quer investigar invasões de terras do MST.

"Era uma situação muito degradante, as pessoas não podiam sair para ir ao banheiro e perdiam o lugar", diz a líder do PSOL, Mônica Seixas, cobrando que os deputados não deixem seus funcionários em tal condição.

O protocolo das CPIs geralmente ocorre após o início da legislatura –os novos deputados tomaram posse no último dia 15. Mas uma decisão do presidente anterior, Carlão Pignatari (PSDB), fechou o protocolo de matérias entre o dia 15 e o dia 23, reabrindo em 24.

Nesse período, o novo presidente, André, iria definir como seria feito o protocolo de CPIs —se o procedimento seria físico ou digital, já que alguns documentos passaram a ser protocolados eletronicamente na última legislatura.

Nesta quarta, um ato publicado no Diário Oficial determinou que as CPIs devem ser apresentadas fisicamente, a partir da manhã de sexta, na entrada do plenário.

Como mostrou a Folha, a fila da CPI já virou uma tradição na Assembleia. Na última edição, em 2019, servidores tucanos passaram 63 horas na fila para blindar o governador João Doria (PSDB) e empurrar para o fim da fila a CPI da Dersa, proposta pelo PT.

PSDB e aliados protocolaram 11 CPIs, empurrando as de oposição no mínimo para o ano seguinte. Os temas variavam entre venda irregular de animais, fake news, táxi aéreo e outros.

Já em 2015, o PT conseguiu driblar o PSDB na fila: um servidor dormiu no plenário, escondido da polícia da Casa, e amanheceu no protocolo, pela parte de dentro, ocupando o primeiro lugar. Mas a presidência da Alesp considerou que a fila só valia do plenário para fora, e o protocolo de CPIs do PT foi anulado.

São necessárias 32 assinaturas de deputados para protocolar uma CPI. Elas têm prazo de 120 dias e podem ser prorrogadas uma vez, por 60 dias, somando um período máximo de seis meses de duração.

O mero protocolo das CPIs, no entanto, não garante seu funcionamento. É preciso que a comissão seja criada pelo presidente, que os partidos apresentem seus membros e que as reuniões tenham quórum.

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