Descrição de chapéu Governo Lula

Lula teme recado do centrão, esquece retórica e já aceita perda de poder de Marina

Gestão petista é avisada de insatisfação na Câmara e articula para preservar texto que esvazia poder de Marina

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Brasília

Diante do receio de que a medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios seja alterada ou, na pior das hipóteses, perca validade, articuladores políticos do governo Lula (PT) atuam para manter inalterado o texto aprovado na semana passada em uma comissão mista no Congresso.

Embora os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) tenham afirmado na última sexta-feira (26) que atuariam no Parlamento para devolver funções aos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, esvaziados na comissão, a avaliação de aliados é que qualquer tentativa de modificar a MP aumentaria o risco de ela perder a validade.

Isso porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), considera que a proposta foi amplamente debatida e não está disposto a ceder em alterações.

Entrevista à imprensa após reunião de Lula com Marina Silva, Sônia Guajajara e o núcleo político do governo; da esq. para a dir., Randolfe Rodrigues (líder do governo no Congresso), Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Comunicação) e José Guimarães (líder do governo na Câmara)
Entrevista à imprensa após reunião de Lula com Marina Silva, Sônia Guajajara e o núcleo político do governo; da esq. para a dir., Randolfe Rodrigues (líder do governo no Congresso), Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Comunicação) e José Guimarães (líder do governo na Câmara) - Gabriela Biló - 26.mai.23/Folhapress

Deputados da oposição e do centrão enviaram recados ao Palácio do Planalto de que há insatisfação e que podem usar a votação da MP para emparedar o governo. Eles reclamam principalmente da demora na liberação de emendas, além da lentidão nas nomeações em cargos regionais.

O texto será apreciado no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (30) e ainda precisará passar pelo Senado —a MP perde a validade na quinta (1º).

Padilha e Lira se reuniram nesta segunda (29) para alinhar as perspectivas para a votação da proposta.

Segundo relatos de aliados, desde a semana passada o presidente da Câmara tem passado a mensagem ao Planalto de que a MP corre o risco de não ser votada e perder efeito caso o governo insista em tentar alterar dispositivos já aprovados na comissão.

Na última quinta (25), Lula minimizou a atuação do Legislativo e disse que "começou um jogo, vamos jogar, vamos conversar".

Outras reuniões para tratar da votação do texto na Câmara ainda deverão ocorrer ao longo desta terça. Até poucos momentos antes de a MP ser apreciada em sessão da comissão mista, na semana passada, aliados do governo se reuniram com o relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB), para afinar ajustes.

O presidente da Câmara e o governo agora trabalham para evitar que integrantes do centrão e mesmo deputados governistas tumultuem a votação.

Apesar disso, um possível foco de atrito poderá partir de alguns partidos de esquerda e de aliados das ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas).

A cúpula da bancada ruralista, uma das mais poderosas do Congresso, não pretendia até esta segunda-feira tentar alterar o texto, apesar da pressão para impor novas derrotas ao governo.

Mesmo com a previsão de líderes partidários de que a medida provisória seja aprovada sem sobressaltos, o Planalto não minimiza o risco de sofrer novas derrotas. Membros do governo afirmam que já poderá ser considerada uma "vitória" se o texto aprovado na Câmara for igual ao apreciado na comissão mista.

Chegaram aos articuladores políticos do governo os recados de que a MP pode caducar ou ser alterada a ponto de o governo ficar sem margem de manobra para recompor as funções dos ministérios via decretos ou portarias.

Na própria sexta-feira, como mostrou a Folha, Lula admitiu na reunião com Marina e Guajajara que está sem força no Congresso e, por isso, precisava buscar alternativas por meio de regras internas do governo para recompor os ministérios.

Marina já vinha sendo alvo de embates dentro do governo com a disputa entre Ibama e Petrobras devido ao plano de exploração de petróleo na foz do Amazonas.

No mesmo dia da votação da proposta na comissão, Marina sofreu novas derrotas na Câmara. Deputados votaram uma MP editada no final do governo Jair Bolsonaro (PL) e retomaram trechos que afrouxam as regras de proteção da mata atlântica —itens que tinham sido retirados pelo Senado.

A Câmara ainda aprovou um pedido de urgência (para acelerar a tramitação) para um projeto do Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Constituição de 1988 —a expectativa é que o mérito seja votado nesta terça-feira.

Líder do PSD na Câmara, o deputado Antonio Brito (BA) disse à Folha que trabalhará junto à bancada para que a MP não caduque. "A posição do PSD é cumprir o texto acordado com o governo e irei trabalhar para que ela seja votada", afirmou.

O relatório da medida provisória retira do Ministério do Meio Ambiente o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a ANA (Agência Nacional de Águas), além de uma série de sistemas.

O primeiro instrumento vai para a Gestão (da ministra Esther Dweck) e o segundo para o Desenvolvimento Regional (de Waldez Góes); o Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), o Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e o Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) vão para o Ministério das Cidades (de Jader Filho).

Já o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas, hoje no Ministério dos Povos Indígenas, vão para a pasta da Justiça.

Essas mudanças geraram uma série de críticas ao governo, que foi acusado de abandonar a pauta ambiental. As queixas levaram o próprio Lula a entrar em campo.

O presidente convocou Marina e Guajajara para uma reunião na última semana. Após o encontro, o ministro da Casa Civil afirmou que o texto da MP da reestruturação da Esplanada dos Ministérios está "desalinhado" com a visão do governo; e que trabalharia para reverter as mudanças nas votações na Câmara dos Deputados e no Senado.

Durante o encontro, Lula discutiu com os ministros a possibilidade de realizar, por exemplo, uma gestão compartilhada tanto da demarcação de terras indígenas como do CAR.

A MP original foi editada por Lula logo no início do governo com a nova organização da Esplanada. Foi ela que ampliou, por exemplo, o número de ministérios de 23 para os atuais 37.

Entenda a MP da Esplanada e as polêmicas em torno dela

O que é a Medida Provisória?
A MP da Esplanada dos Ministérios foi assinada por Lula durante a posse, a fim de reorganizar o primeiro escalão e suas funções —o petista aumentou de 23 no governo Jair Bolsonaro (PL) para 37 as pastas, e distribuiu algumas funções para os novos titulares

Quando o ato perde validade?
A Medida Provisória tem duração de 60 dias, com prorrogação para mais 60. Lula assinou a reorganização da Esplanada em 1º de janeiro, dia de sua inauguração no governo, mas ela só passou a tramitar em fevereiro, quando se encerrou o recesso parlamentar. Com isso, ela deve ser votada até 1º de junho, ou perderá seus efeitos.

Como anda a tramitação da MP?
A comissão mista para análise da medida aprovou o relatório nesta quarta-feira (24). O texto deve agora ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, para se tornar permanente

Por que a medida é importante para o Planalto?
A MP basicamente define a organização do governo federal, o que também interfere nas competências de cada ministério, e, portanto, até onde uma pasta pode executar em termos de política pública

Quais as polêmicas em torno da reorganização?
O relator da Medida Provisória e líder do MDB na Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo —competências de órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas.
Ele também empoderou os ministérios com partidos do centrão, que terão mais funções em sua alçada. Marina Silva (Rede), titular do Meio Ambiente, é quem mais perde atribuições, enquanto trava disputa interna sobre a exploração da foz do rio Amazonas pela Petrobras

Quais são as principais mudanças?
Marina perderá alguns sistemas de informações em saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos para o Ministério das Cidades. Também deixará de comandar a ANA (Agência Nacional de Águas), movida para o Desenvolvimento Regional, e o CAR (Cadastro Ambiental Rural), transferido para o Ministério da Gestão

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