Descrição de chapéu Folhajus

Veja documentos encontrados em celular de Cid, que decidiu ficar calado na CPI do 8/1

Ex-ajudante de Bolsonaro compareceu à comissão que investiga ataques, mas anunciou silêncio

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Brasília

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), compareceu fardado nesta terça-feira (11) à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga os ataques golpistas de 8 de janeiro, mas anunciou que exerceria seu direito de ficar em silêncio diante das perguntas dos congressistas.

A convocação de Cid à CPI foi impulsionada pela divulgação do conteúdo encontrado no celular de Cid, cujo sigilo foi retirado no dia 16 de junho pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

As mensagens recuperadas no aparelho mostram diálogos em que interlocutores, oficiais do Exército e reservistas, debatiam o uso das Forças Armadas contra o resultado das eleições vencidas por Lula (PT). Parte do material foi revelado pela revista Veja.

Veja a íntegra do material encontrado pela PF:

Uma das pessoas que manteve diálogo com o ex-auxiliar de Bolsonaro foi o coronel do Exército Jean Lawand Junior, recentemente designado para representação diplomática do Brasil nos Estados Unidos, em Washington. O Comando do Exército decidiu, em 16 de junho, anular a nomeação do militar.

"Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios, segundo transcrição da PF.

Lawand foi ouvido pela CPI no dia 27 de junho, quando negou ter arquitetado um golpe em troca de mensagens com Mauro Cid. Segundo ele, a intenção das mensagens era compreender o que ocorria no país.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o tenente-coronel Mauro Cid
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o tenente-coronel Mauro Cid - Adriano Machado/Reuters

No celular do ex-assessor de Bolsonaro há ainda material com a tese do advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins, segundo a qual o artigo 142 da Constituição permitiria uma intervenção das Forças Armadas em caso de conflito entre os três Poderes.

O advogado foi procurado pelo major do Exército Fabiano da Silva Carvalho, que fazia o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército. Ele fez uma série de perguntas a Ives Gandra sobre as situações em que as Forças Armadas poderiam ser acionadas para a garantia dos poderes constitucionais.

No email de resposta, Ives Gandra diz que o chamamento "pode ocorrer em situação de normalidade se no conflito entre Poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução".

O advogado ainda citou o golpe militar de 1964 para validar a tese. "A implantação dos governos militares em 1964 foi uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango e do desrespeito constitucional aos princípios que deveria obedecer, inclusive na hierarquia militar com indicação de oficial general de três estrelas para Ministro. Toda a imprensa foi favorável ao movimento, conforme demonstro em minha avaliação escrita para o TRE paulista, que lhe repasso", completa.

Ao UOL Ives Gandra negou que tenha contribuído para ideias golpistas. Ele disse que o conteúdo encontrado no celular de Cid foi preparado em 2017.

Outro documento apócrifo, enviado por Cid de um celular que possuía para outro, numa espécie de backup, detalhava uma possibilidade de realizar um golpe "dentro das quatro linhas" da Constituição —mantra repetido por Bolsonaro nas crises contra o Judiciário.

O texto salvo no celular do militar diz que um juiz "não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra A Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional [...] Do contrário, teremos uma atuação ilegítima".

Na sequência, o autor enumera decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que ele julga como "ativismo judicial" com "aparente 'legalidade'", mas "contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional".

O texto, então, sugere: "Diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem".

A defesa de Bolsonaro disse que os diálogos encontrados no celular de Cid mostram que o ex-presidente "jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado".

Os advogados também afirmaram que Cid recebia todas as demandas que deveriam chegar a Bolsonaro. "O celular dele, portanto, por diversas ocasiões se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações".

No ofício enviado ao STF, a Polícia Federal afirmou que os estudos, tanto o apócrifo quanto o de Ives Gandra, "possivelmente serviram de fundamento para a confecção de uma minuta de decretação de Estado de Sítio e Garantia da Lei e da Ordem – GLO, identificada no aplicativo WhatsApp de MAURO CESAR CID".

O delegado Fabio Shor, responsável pelo caso, afirma que o material encontrado no celular de Cid aponta para a tentativa "materialização no mundo real dos objetivos" antes defendidos nas redes pela associação criminosa investigada no inquérito das milícias digitais.

Nesse inquérito são investigados Cid, Bolsonaro, Anderson Torres e outros bolsonaristas envolvidos em eventos antidemocráticos como a live de 29 de julho de 2021 em que Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas, no vazamento do inquérito sigiloso do ataque hacker ao TSE e na organização do 7 de setembro de 2021 e 2022.

"A milícia digital reverberou e amplificou por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando aos seus seguidores "resistirem" na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para uma intervenção federal comandada pelas forças militares", diz a PF.

Os advogados Bernardo Fenelon e Bruno Buonicore, que representam Mauro Cid, afirmaram em nota que "por respeito ao Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações defensivas serão feitas apenas nos autos do processo".

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