Descrição de chapéu Junho, 13-23 Livros

Livros mostram que disputa sobre Junho de 2013 foi das ruas para as ideias

Pesquisadores como Angela Alonso, Roberto Andrés e Rodrigo Nunes intensificam debate sobre a onda de protestos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

André Araujo
São Paulo

Junho de 2013 ainda é um enigma a ser decifrado pelo pensamento político brasileiro e, marcando uma década dos protestos, um conjunto de publicações chegam às livrarias neste mês para dar conta desse evento que se comporta como uma esfinge.

Se as ruas foram palco de reivindicações diversas e conflitos internos, essa efervescência agora toma conta do campo das ideias, onde as disputas de interpretação espelham aqueles dias frios dos protestos com a mesma vitalidade.

Manifestantes protestam na praça da Sé, em São Paulo, com reivindicações diversas nas Jornadas de Junho - Eduardo Knapp-18.jun.13/Folhapress

Uma das principais publicações a sair é "A Razão dos Centavos", do pesquisador Roberto Andrés. No centro de sua análise está a questão do transporte público, a crise urbana e direito à cidade.

Em uma pesquisa histórica, que posiciona os protestos de junho em uma longa tradição de revoltas urbanas, como a Revolta do Vintém, no Rio de Janeiro em 1880, Andrés observa que a singularidade de 2013 tem a ver com a capacidade de organização dos diversos coletivos em torno do aumento da passagem, em movimentos que já vinham tomando consistência ao longo do ano, na disputa pelos famosos 20 centavos.

"Aumento de tarifa acima da inflação, aumento do tempo de deslocamento, redução de linhas. Isso tudo foi fazendo com que uma insatisfação fosse sendo acumulada na sociedade como já havia ocorrido em outros momentos da história. Só que dessa vez havia grupos mais organizados lutando contra, pela questão do transporte", avalia o pesquisador em entrevista.

Organizado em "antes", "durante" e "depois", o livro de Andrés também se baseia em uma pesquisa do autor nos cartazes que estampavam as manifestações no auge da movimentação, na segunda metade de junho.

Em sua visão, o que havia começado como uma revolta bastante específica relacionada ao direito à cidade, a partir da análise feita pelo autor de mais de 6.000 cartazes que povoavam as ruas, gradativamente expandia o escopo de reivindicações, motivados por uma adesão mais ampla de distintos setores da sociedade civil.

"De início, principalmente, era a questão da Copa das Confederações e da Copa do Mundo que geravam uma série de insatisfações. Depois ainda há uma adesão mais ou menos espontânea de diversos outros setores, fazendo com que as ruas passassem a apontar uma miríade de pautas. É o que também mantém a interpretação daquele evento ainda hoje sob disputa", afirma Andrés.

É precisamente essa miríade de pautas que toma o centro do livro "Treze", da pesquisadora Angela Alonso, colunista da Folha.

A autora toma a imagem de um mosaico para dar conta da heterogeneidade de atores e pautas que compunham o cenário das ruas em junho, organizando os manifestantes em três categorias distintas: aqueles vinculados ao neossocialismo; os autonomistas, sem vínculo a partidos ou movimentos institucionais; e os patriotas, mais à direita que os outros campos, com uma visão conservadora e motivados por pautas morais.

"A heterogeneidade de movimentos e agendas foi a força e a fraqueza do ciclo de protestos de junho. Força porque os diferentes se manifestaram em simultâneo contra o adversário comum, o governo do PT", pondera a autora em entrevista. "Fraqueza porque não havia uma agenda positiva em comum, ao contrário do que se passou nas Diretas, no Fora Collor, e, adiante, no impeachment da Dilma."

Alonso avalia que o ciclo de protestos mantinha alguma unidade justamente pelo foco contestatório em relação ao governo federal. Se havia uma dispersão nos atores, nos campos ideológicos e nas pautas, o alvo, para a autora, era o mesmo. Em especial um conjunto de questões sensíveis que Alonso chama de zonas de conflito: as políticas redistributivas, pautas morais e a violência.

"Muitas demandas estavam na rua desde antes de junho. Eram basicamente as mesmas que vinham vindo dos governos Lula e diziam respeito à redistribuição de recursos e oportunidades, às moralidades privada e pública e à violência, tanto no que diz respeito à segurança quanto à comissão da verdade. Em cada uma dessas zonas de conflito, movimentos pediam mudanças em direções opostas. Era um mosaico de reivindicações", argumenta.

Os livros de Andrés e Alonso produzem leituras e diagnósticos bastante distintos acerca de Junho de 2013, o que expressa a vitalidade da disputa de interpretações. Fundamentados em pesquisas bem documentadas, com reflexão vigorosa, ambos abrem o debate de temas que há dez anos assombram o horizonte daquelas noites de junho.

À parte dos livros de fôlego de Andrés e Alonso, é digna de nota também a publicação "Junho de 2013: A Rebelião Fantasma", da Boitempo, organizada por Breno Altman e Maria Carlotto.

Composto por 11 ensaios curtos, o livro foca a pluralidade de interpretações acerca dos protestos, com um olhar bastante vinculado à esquerda. Um destaque é o prólogo da coleção, que conta com texto da ex-presidente Dilma Rousseff fazendo um balanço dos impactos de junho e de sua interpretação particular na exigência de ações capazes de produzir respostas às reivindicações.

Em uma dimensão mais teórica, voltada à filosofia política, destaca-se o livro de Rodrigo Nunes, "Nem Vertical Nem Horizontal", que será lançado ainda em junho pela editora Ubu.

Ainda que não tome Junho de 2013 como seu objeto central de análise, é inegável a influência que o ciclo de protestos produz para informar a análise de Nunes sobre as organizações coletivas de reivindicação, que abandonam a centralidade de partidos e sindicatos e se pulverizam em focos dispersos mas efetivos de ação, característica fundamental daquele momento.

A Razão dos Centavos

  • Preço R$ 119,90 (512 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Roberto Andrés
  • Editora Zahar

Treze - A Política de Rua de Lula a Dilma

  • Preço R$ 89,90 (352 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Angela Alonso
  • Editora Companhia das Letras

Junho de 2013 - A Rebelião Fantasma

  • Preço R$ 45 (128 págs.)
  • Autoria Breno Altman e Maria Carlotto (orgs.)
  • Editora Boitempo

Nem Vertical nem Horizontal – Uma Teoria da Organização Política

  • Preço R$ 89,90 (400 págs.)
  • Autoria Rodrigo Nunes
  • Editora Ubu
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.