Descrição de chapéu Junho, 13-23

Junho de 2013 é parte de onda de movimentos globais, diz professor Wilson Gomes

Para professor da UFBA, protestos no Brasil de 10 anos atrás estão inseridos em contexto internacional de revoltas

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São Paulo

Não se pode dissociar a eclosão das enormes manifestações no Brasil em junho de 2013 do contexto internacional sob alta temperatura nos primeiros anos da década de 2010.

A opinião é de Wilson Gomes, professor da faculdade de comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor de livros como "Crônica de uma Tragédia Anunciada: Como a Extrema-direita Chegou ao Poder".

De acordo com ele, "o conjunto de movimentos populares que aconteceram em diversos países a partir de 2011 foi uma espécie de moldura" para a onda de protestos que ficou conhecida por aqui como Jornadas de Junho.

"Muitos devem se lembrar da Primavera Árabe. Eram movimentos pró-democracia, com uma mobilização baseada nas redes sociais", afirma Gomes, também colunista da Folha.

Em janeiro de 2011, manifestantes protestam contra o ditador Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia, onde teve início o movimento conhecido como Primavera Árabe - Fethi Belaid-14.jan.11/AFP

Em 17 de dezembro de 2010, o ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo na cidade de Sidi Bouzid, na Tunísia, como protesto contra as autoridades policiais. Morreu alguns dias depois.

O gesto impulsionou manifestações no país, que levaram à queda do ditador Zine el-Abidine Ben Ali, e o sentimento de insatisfação se espalhou por outros países do norte da África e do Oriente Médio, daí o nome Primavera Árabe.

"Depois houve ainda a onda de indignados na Espanha [em 2011], o Occupy Wall Street, nos EUA [também em 2011], as manifestações na Turquia [em 2013], entre tantos outros movimentos", lembra.

Em boa parte desses episódios, inclusive no Brasil, os protestos tiveram início sob o embalo de causas mais associadas à cartilha da esquerda, mas houve posteriormente um fortalecimento de grupos de extrema direita, segundo Gomes.

"2013 desemboca em 2018 [eleição de Jair Bolsonaro], depois de sucessivas mutações internas."

Para o professor, "há dois fenômenos com início praticamente ao mesmo tempo, a transformação digital e o avanço da extrema direita mundial. A direita trumpista, por exemplo, surgiu digitalmente, com uso de bots e fake news". No entanto, ele pondera "que uma coisa [a transformação digital] não necessariamente leva à outra [o fortalecimento dessa direita mais radicalizada]".

Marcos Nobre, professor de filosofia política da Unicamp, também defende que 2013 deve ser visto como parte desse contexto global das revoltas democráticas dos primeiros anos da década de 2010.

Segundo o pesquisador, foram revoltas que expressavam mudanças estruturais da sociabilidade ocorridas ao longo dos anos 2000 e que coincidiram com uma severa crise econômica mundial.

Junho de 2013 "não foi um 'raio em céu azul' porque havia muita movimentação na base da sociedade ao longo dos anos 2000, tanto no Brasil quanto no mundo. Por que não era tão visível? Porque era uma movimentação, na maioria, digital. E isso estava fora do radar", escreve Nobre em "Limites da Democracia - de Junho de 2013 ao Governo Bolsonaro".

Nem todos os analistas, porém, concordam com essa visão. Em coluna na Folha, Marcus André Melo, professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco, diz que vários fatores levaram a junho de 2013, mas "podemos descartar pelo menos dois".

"O primeiro é a economia. Não é razoável associar as manifestações ao fim do boom de commodities: a inflexão começou em 2012. O desemprego só explodiu a partir do último trimestre de 2014", escreve Melo.

"O segundo seria o efeito difusão de uma onda internacional (Primavera Árabe, Turquia, Occupy Wall Street). Aqui a questão não respondida é por que protestos ocorrem apenas em alguns países?"

O Brasil em 2013 e em 2023

Em meio aos debates sobre os efeitos de junho de 2013, uma das perguntas recorrentes é: o país melhorou do ponto de vista econômico e social desde então?

Dados da economia mostram que mudou muito pouco de lá para cá, o que não é bom sinal. A renda média do brasileiro, segundo o IBGE, era de R$ 2.783 no trimestre que vai de fevereiro a abril de 2013; foi de R$ 2.946 no mesmo intervalo neste ano. A taxa de desemprego do primeiro trimestre de uma década atrás era de 8,1%; o mesmo período neste ano registrou 8,8%.

Ao menos a inflação está mais baixa considerando o IPCA acumulado de 12 meses em maio de cada ano. Alcançava 6,5% em 2013 e agora não chega a 4%.

Entre os dados socioeconômicos, há uma alteração positiva em relação à mortalidade infantil. Em 2013, foram 14,4 óbitos por 1.000 nascimentos; em 2021 (ano dos dados mais recentes), o país teve 11,2.

No IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), calculado pela PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil anda de lado. O índice oscilou de 0,750 em 2013 para 0,754 em 2021.

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