Lula destrava emendas herdadas de Bolsonaro e mira redutos de ministros

Lula recebeu R$ 9,9 bi em recurso rebatizado após fim de emenda do relator; Congresso cobra liberação como moeda de troca

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Brasília

O governo Lula (PT) começou a destravar a verba que herdou das extintas emendas de relator. A primeira liberação privilegiou estados de ministros. Por enquanto, foram autorizados cerca de R$ 200 milhões, que atendem principalmente Mato Grosso, domicílio eleitoral de Carlos Fávaro (Agricultura), e Pará, de Jader Filho (Cidades).

A largada, portanto, direciona verba para as bases de ministros no momento em que o Congresso cobra do Palácio do Planalto maior celeridade na liberação de emendas.

Fávaro é senador eleito pelo PSD, mas se licenciou para ocupar a pasta. Jader Filho, por sua vez, foi indicado para o ministério pela bancada do MDB da Câmara.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado do ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), durante evento em Abaetetuba (PA) - Anderson Coelho - 17.jun.23/AFP

Como mostrou a Folha em abril, o Palácio do Planalto decidiu que a nova forma de direcionar dinheiro para congressistas irrigarem obras e projetos em suas bases eleitorais vai simular as emendas parlamentares.

A falta de perspectiva de o governo atender aos pedidos de parlamentares sobre essa verba é uma das principais queixas do Congresso quanto à articulação política de Lula.

De cerca de R$ 140 milhões empenhados (etapa que antecede o pagamento) pela Agricultura, foram destinados R$ 130 milhões para sete municípios de Mato Grosso. Essa verba será utilizada para recuperação de estradas em área rural e na compra de equipamentos.

Fávaro, quando era senador, já havia destinado emendas a essas cidades. Além disso, prefeitos desses municípios fazem parte do grupo político do ministro, que é cotado para disputar o Governo de Mato Grosso em 2026.

No caso do Ministério das Cidades, todos os R$ 50 milhões encaminhados até agora serviram para o governo federal assinar acordo com a Prefeitura de Belém para a construção de um parque urbano, anunciado durante visita de Lula à capital paraense. Além do petista, participaram do evento Jader Filho e seu irmão, Helder Barbalho (MDB), governador do Pará.

As emendas de relator eram a principal moeda de troca no governo de Jair Bolsonaro (PL) e foram declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A fatia herdada por Lula soma R$ 9,9 bilhões. O poder de indicar o destino desses recursos é cobiçado por parlamentares, que, em troca de apoio a projetos de Lula no Congresso, querem enviar mais dinheiro para financiar obras e projetos em seus redutos eleitorais.

Sem a certeza de como o montante será distribuído, líderes do centrão pressionam o governo a mudar a articulação política e atender a mais pedidos de parlamentares.

Durante a campanha eleitoral, Lula chegou a chamar as emendas de relator de "maior esquema de corrupção da atualidade", "orçamento secreto" e "bolsolão". A gestão petista, porém, driblou a decisão do Supremo e negociou a partilha desse recurso a partir de acordos feitos com o Congresso Nacional para ampliar sua base de apoio.

O governo colocou um carimbo específico para esses recursos, para formalizar e organizar os pagamentos. Esse dinheiro foi dividido entre sete ministérios em um acordo político envolveu as cúpulas da Câmara e do Senado e foi chancelado por Lula. Dessa forma, o Congresso manteve a influência sobre uma parcela bilionária do Orçamento.

O Ministério da Agricultura determinou, em portaria publicada em junho, que as ações que usarem essa fatia do orçamento devem priorizar o impacto social, desenvolvimento regional, inovação tecnológica, entre outros pontos.

Em nota, a pasta comandada por Fávaro disse que cadastrou mais de 8.000 propostas de convênios e que pretende, nas próximas semanas, empenhar todo o valor disponível no orçamento para esse tipo de ação.

O ministério disse que não há identificação do autor das propostas, pois a verba está no caixa do governo federal.

A pasta afirmou que prioriza a recuperação de estradas para melhora do fluxo de escoamento da produção, a aquisição de máquinas e implementos agrícolas, além do apoio a eventos agropecuários com essa verba.

Já o Ministério das Cidades apresentou, em portaria divulgada em maio, critérios que devem ser observados para liberar esse tipo de emenda. O documento afirma que devem ser priorizadas ações em municípios com baixos indicadores socioeconômicos.

Questionada sobre quais critérios foram utilizados para liberar a verba ao estado de Jader Filho, a pasta afirmou que o contrato firmado com a Prefeitura de Belém no Parque do Igarapé São Joaquim faz parte de um conjunto de investimentos, ainda em definição, e que irá compor o apoio do governo federal para levar melhorias ao município, preparando-o para sediar a COP-30 em novembro de 2025.

O Ministério da Saúde tem a maior fatia (R$ 3 bilhões) do recurso remanescente da verba declarada inconstitucional. No começo de maio, a pasta publicou portaria em que definiu uma série de prioridades para a liberação desse recurso.

Técnicos da Saúde afirmam que essa portaria foi editada para tentar não afrouxar o controle sobre a verba.

Integrantes do Congresso, porém, avaliam que essas regras se tornaram barreiras para a liberação do recurso. Até agora a Saúde não começou a empenhar a cifra herdada das emendas de relator.

O ritmo de liberação do recurso fez aumentar a pressão de partidos do centrão para mudar o comando da Saúde.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta segunda-feira (19) que Lula deixou claro que a pasta comandada por Nísia Trindade não está na "cota partidária de qualquer partido".

Padilha também disse que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não pediu o comando da pasta. Lira é o principal líder do centrão e tem feito declarações públicas criticando a articulação política de Lula.

O Ministério dos Esportes também definiu critérios para liberação dos R$ 200 milhões reservados para a pasta da verba que mudou de nomenclatura após a decisão do STF.

O valor é pequeno comparado ao que está disponível para a Saúde, mas representa quase metade da verba discricionária (que não é usada para pagar salários e outras obrigações) da pasta comandada pela ministra Ana Moser.

Além do recurso herdado das antigas emendas do relator, há outras verbas indicadas por parlamentares.

O Orçamento de 2023 reserva R$ 36,5 bilhões em emendas individuais, de bancadas estaduais e das comissões temáticas do Congresso Nacional. Foram empenhados R$ 6,6 bilhões e pagos R$ 2,4 bilhões desse valor.

O governo tem dado mais ritmo às emendas individuais, que são aquelas que todo deputado e senador tem direito. Na sexta-feira (16), foi liberado mais um lote de R$ 1 bilhão desses recursos. Com isso, na semana passada, o valor soma quase R$ 1,4 bilhão.

Os mais privilegiados foram ex-senadores e ex-deputados, como o ex-líder do governo Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) e o ex-deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), que é aliado de Lula e ganhou o cargo de assessor especial da Petrobras.

Em relação aos partidos atendidos, MDB, PL, PT e União Brasil foram os que mais receberam.

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