Descrição de chapéu forças armadas

Exército prepara novo hospital sem licenciamento ambiental a 1 km de área de conservação

Investimento virá de venda de terrenos para empreiteiras, negócio bilionário que a Força espera iniciar neste ano

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Brasília

O Exército pretende aproveitar uma brecha na legislação brasileira para construir um novo hospital militar em Brasília sem necessidade de solicitar licenciamento ambiental às autoridades locais.

O terreno escolhido pela Força fica a 1 km de distância do Parque Nacional de Brasíliaárea de conservação ambiental de 42 mil hectares e próxima do centro da capital federal.

A região é considerada estratégica pelo Exército. Ela fica ao lado do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda, a quatro minutos do Setor Militar Urbano e no meio de um futuro bairro que o Governo do Distrito Federal e a Força pretendem levantar nos próximos anos.

Militares fardados colocam bandeira em cima da pedra fundamental do novo Hospital Militar de Área de Brasília
Inauguração da pedra fundamental do novo hospital militar de Brasília em evento realizado em junho com a presença de generais do Alto Comando do Exército - Divulgação/Exército

A Folha teve acesso aos documentos internos do Exército. O estudo de viabilidade técnica, de 30 de abril de 2021, mostra que uma das linhas de ação possíveis para a construção do hospital pode evitar o processo de licenciamento ambiental.

"A lei complementar nº 140 preconiza que empreendimentos/atividades de caráter militar previstos para o preparo e o emprego das Forças Armadas serão excetuados do processo de licenciamento ambiental", diz o documento.

A Força parte do princípio de que a construção do novo hospital tem ligação direta com o preparo ou emprego dos militares. Com essa diretriz, o Departamento-Geral do Pessoal definiu que caberia ao Comando Militar do Planalto discutir a dispensa do procedimento.

"Em coordenação com o Departamento de Engenharia e Construção (DEC), efetuar a gestão ambiental do empreendimento, a fim de realizar a homologação junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) a isenção do licenciamento ambiental."

O estudo de viabilidade ressalta que a isenção do licenciamento ambiental "não afasta a obrigatoriedade da adoção de medidas de controle e proteção ambiental". Ele ainda diz que autorizações específicas, como para o uso de água e exploração de jazidas, precisam ser concedidas após a identificação dos possíveis impactos ambientais das obras.

O Exército afirma que o novo hospital deve ter como diretriz a "promoção da sustentabilidade", com a instalação de "depósito para resíduos de serviços de saúde [...] e uma central de controle de combate a incêndio".

O Ibama, em nota, destaca que a isenção está prevista em lei e não depende de "análise técnica ou ato autorizativo" do instituto. Não cabe ainda ao órgão questionar se o hospital serve efetivamente para o preparo ou emprego da Força.

"Em termos práticos, as Forças Armadas fazem a sua própria regulação ambiental para o licenciamento ambiental, mas ficam obrigadas a cumprir todas as normas ambientais vigentes, e em caso de descumprimento dessas normas, podem ser fiscalizadas, multadas ou mesmo embargadas pelos órgãos de fiscalização ambiental", destaca o Ibama.

O pedido de isenção ainda não foi formalizado. "O projeto ainda se encontra na fase de estudos e planejamento, não tendo sido realizado nenhum ato de contratação para a referida obra", completa o Exército.

O plano de construir o hospital começou a ser desenvolvido formalmente em 2021. Apesar dos anseios de levantar o empreendimento nos próximos anos, a Força esbarra em questões orçamentárias para viabilizar o novo centro de saúde.

O custo total é estimado em R$ 202 milhões. O Estado-Maior do Exército decidiu que o aporte financeiro será todo feito por meio de uma permuta de terrenos que a Força possui na região da antiga rodoferroviária de Brasília.

Em 2006, o Governo do Distrito Federal cedeu uma área de 4,3 km² para o Exército. A Força pretende realizar o loteamento das áreas nos próximos meses e, por permuta, ceder o espaço para que empreiteiras construam cerca de 20 mil imóveis residenciais para abrigar até 70 mil pessoas.

Os recursos conquistados com a especulação imobiliária, na casa dos bilhões, vão ser revertidos em investimento em novos empreendimentos para o Exército —como o novo Hospital Militar de Área de Brasília e a futura Escola de Sargentos do Exército, em Recife (PE).

O loteamento deveria ter sido feito em 2021, mas segue travado. "Estamos aguardando a aprovação dos projetos urbanísticos", disse o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), à Folha.

Ainda há no Exército uma série de incertezas sobre os trâmites burocráticos para a manobra patrimonial, e não se sabe quando os recursos estarão no caixa da Força. Tampouco se tem certeza se o investimento ficará sujeito ou não às regras do novo arcabouço fiscal.

Mesmo com o cenário irresoluto, a Força decidiu contratar empresas de arquitetura para deixar pronto o projeto de construção do novo hospital.

Já foram gastos R$ 3,8 milhões com a contratação de empresa para desenvolver o projeto arquitetônico e outros R$ 18,6 mil para criação de uma maquete do novo hospital. Não foi iniciada a licitação para definir que empresa fará as obras.

Projeto de arquitetura de hospital do Exército
Projeto arquitetônico do novo Hospital Militar de Área de Brasília custou cerca de R$ 3,8 milhões ao Exército - Divulgação/Exército

Inicialmente, o hospital deverá ter ao menos 60 leitos de internação, 20 de UTI, seis salas cirúrgicas e 60 consultórios ambulatoriais, entre outras exigências do Exército. O atendimento será exclusivo a militares da ativa, inativos, pensionistas de militares, servidores civis da Força e familiares.

No último 21 de junho, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, participou com outros quatro estrelas do lançamento da pedra fundamental do novo hospital. O evento ocorreu no terreno de mais de 100 mil metros quadrados, área já desmatada cercada por cerrado.

"Esse projeto é fundamental para a nossa gente e é um sinal de que temos dado atenção a uma das questões prioritárias do Exército: a família militar", disse Tomás.

O Exército já possui um Hospital Militar de Área de Brasília (HMAB, como é conhecido), no Setor Militar Urbano. Generais que têm acompanhado as discussões disseram à Folha, porém, que a unidade funciona atualmente como uma policlínica, por não ter capacidade adequada de internação nem atender a resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Nos documentos internos, a Força ainda demonstra preocupação com uma possível interdição do hospital atual por problemas elétricos, estruturais e de inadequação a normas legais.

"Possibilidade de intervenção de órgãos como CBMDF (Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal), Anvisa e outras agências reguladoras/fiscalizadoras", destaca trecho do parecer técnico.

O HMAB dispõe somente de dez leitos de enfermaria e outros dez de UTI. A maioria dos casos complexos é enviada ao Hospital das Forças Armadas ou centros privados, cujo custo de tratamento chega a ser três vezes maior que nas unidades militares.

Para justificar o investimento, os fardados afirmam que não é possível ampliar o espaço do hospital militar já instalado, porque ele está cercado por outros prédios. O estudo de viabilidade técnica ainda defende que reformar a atual infraestrutura sairia cerca de R$ 50 milhões mais caro que levantar um novo prédio.

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